O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) proferiu uma decisão crucial, impondo ao Itaú a interrupção imediata de práticas que impediam seus clientes de utilizar carteiras digitais como método de pagamento. A determinação do órgão de segunda instância, divulgada em agosto de 2025, endossa entendimentos anteriores que já haviam sido estabelecidos tanto pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) quanto por uma sentença proferida pela Justiça do Rio de Janeiro, em primeira instância. A deliberação original de primeiro grau da justiça carioca igualmente aborda questões relacionadas à empresa Mastercard, apontando para um cenário de redefinição no setor de pagamentos eletrônicos no Brasil.
A decisão específica do TRF-1 menciona nominalmente apenas o Itaú, devido ao fato de ter sido expedida em resposta direta a um recurso apresentado pelo banco. Indagada sobre o assunto, a Mastercard não se pronunciou se também interpôs recurso contra a deliberação inicial da Justiça do Rio de Janeiro. De forma similar, até o momento da veiculação da reportagem original, o Itaú não havia emitido qualquer comentário oficial acerca da recente decisão.
Contexto da Disputa Judicial entre Bancos e Bandeiras
As associações civis que movem esta ação, a Associação Brasileira de Internet (Abranet) e a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor e Trabalhador (Abradecont), estão engajadas em um embate judicial de significativa envergadura contra o Itaú e a bandeira de cartões Mastercard. O cerne da disputa reside nas alegadas condutas que resultariam no bloqueio do uso de cartões de crédito e débito dessas entidades em diferentes carteiras digitais, causando, segundo as associações, prejuízos diretos aos consumidores e, simultaneamente, dificultando a atuação de outras instituições financeiras concorrentes no mercado.
De acordo com o texto da ação civil pública, protocolada inicialmente na 2ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, o Itaú é apontado como responsável por reprovar transações efetuadas através de carteiras digitais de terceiros. Paralelamente, a Mastercard é acusada de promover um aumento injustificado nas tarifas de intercâmbio. Essa elevação tarifária, na visão das associações, sobrecarregaria, de maneira desproporcional, o modelo de negócios e a operação das carteiras digitais atuantes no país, o que repercutiria nos custos finais para os usuários e nas margens de operação para os fornecedores desse serviço.
Alegações Específicas Contra o Itaú e a Mastercard
As entidades proponentes da ação civil pública argumentam no processo que, a partir de dezembro de 2023, o Itaú iniciou a implementação de uma política comercial caracterizada pela discricionariedade, aproveitando-se de sua consolidada posição como um dos maiores emissores de cartões de crédito no território nacional. Conforme a argumentação das associações, o banco estaria negando a efetivação de pagamentos em ambientes de carteiras digitais de concorrentes, ao passo que esses mesmos pagamentos são aprovados e processados sem dificuldades em seu próprio aplicativo bancário. Tal conduta, segundo as acusações, sugere um direcionamento compulsório dos usuários para os canais de transação desenvolvidos pelo próprio Itaú.
Para a Abranet e a Abradecont, essa estratégia adota uma finalidade clara de enfraquecer o posicionamento e a performance das carteiras digitais rivais no mercado. A medida visaria, em última análise, a fomentar a aceitação e o uso das próprias soluções digitais do Itaú, exemplificadas pela carteira ITI, que representa a conta digital oficial da instituição bancária. O processo também aponta que o comportamento observado do Itaú não é respaldado por critérios técnicos objetivos e alcança inclusive consumidores que mantêm um histórico de crédito positivo, evidenciando, nas palavras das associações, um padrão de atuação arbitrário e competitivo.
No que tange à Mastercard, que detém a prerrogativa e a responsabilidade de coordenar os arranjos de pagamento e de estabelecer os parâmetros tarifários aplicados a esses serviços, a ação civil pública a acusa de ter elevado as tarifas incidentes sobre as transações processadas por meio de carteiras digitais de forma excessiva e desproporcional. Essas elevações, ainda de acordo com a Abranet e a Abradecont, produziram impactos significativos tanto nas transações efetuadas à vista quanto naquelas parceladas, resultando em um oneração geral das operações. As associações reafirmaram no processo que não foram apresentadas justificativas transparentes ou bases técnicas convincentes que pudessem fundamentar tais aumentos tarifários.
Adicionalmente, foi assinalado pelas entidades que a Mastercard possui um histórico repetitivo de condutas que são consideradas abusivas, registrando ocorrências semelhantes tanto em seu desempenho operacional no Brasil quanto em sua atuação no cenário internacional. Tal prática seria viabilizada, conforme a acusação, pela sua robusta posição dominante e pela sua grande parcela de mercado no segmento de arranjos de pagamento.
O Caráter Provisório da Decisão Judicial
É importante salientar que, embora a recente determinação judicial do TRF-1 tenha estabelecido uma ordem de suspensão imediata para as práticas questionadas, o mérito principal desta complexa disputa ainda não foi alvo de julgamento definitivo. As questões essenciais que definem a legalidade ou a ilegalidade das condutas do Itaú e da Mastercard permanecem sem uma decisão final, tanto na primeira quanto na segunda instância do sistema judicial. Os juízes envolvidos nas etapas anteriores do processo limitaram-se a expedir determinações para a interrupção provisória e imediata dessas práticas, motivados pela urgência de mitigar potenciais prejuízos aos consumidores e de preservar um ambiente de competição saudável entre os diversos players do mercado. A avaliação mais aprofundada e pormenorizada das condutas específicas de ambas as empresas, com o objetivo de determinar se tais práticas devem ser permanente e definitivamente banidas do setor de pagamentos, ainda será realizada em etapas subsequentes do processo judicial.
Avaliação da Magistrada sobre a Relevância Concorrencial
Mesmo que a decisão de segunda instância tenha sido direcionada exclusivamente ao Itaú, a desembargadora federal Maria do Carmo Cardos, atuante no TRF-1, reiterou o posicionamento e a decisão previamente emitida pelo Cade, que também envolvia a Mastercard em seu escopo de análise. Em seu pronunciamento, a magistrada enfatizou a relevância do Cade como um órgão de natureza técnica, cujas ações são fundamentalmente pautadas por sua reconhecida competência específica no intrincado campo do direito concorrencial. A decisão do Cade, segundo a análise da desembargadora Cardos, baseou-se em uma identificação de riscos concretos e palpáveis para o mercado.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
A magistrada expressou sua visão de que permitir a continuidade das práticas adotadas pelo Itaú em relação à restrição ao uso de carteiras digitais configuraria um precedente para que um agente com notória posição dominante no mercado prosseguisse na execução de “condutas potencialmente excludentes”. Essa manutenção de conduta, segundo a desembargadora, implicaria um “risco real” de gerar danos considerados irreversíveis ou de “dificílima reparação” a todo o ecossistema de pagamentos digitais em desenvolvimento no país. Além disso, a desembargadora Cardos ressaltou que a dinâmica de evolução do mercado de tecnologia é extremamente veloz, e a imposição de barreiras competitivas arbitrárias tem o potencial de “asfixiar” empresas inovadoras e de menor porte.
Tal cenário, segundo a avaliação judicial, resultaria em um tipo de dano que, eventualmente, uma futura decisão de mérito não teria a capacidade de reverter em sua plenitude. A magistrada concluiu sua análise enfatizando que “o risco, portanto, não é apenas para as empresas [envolvidas diretamente], mas para a própria estrutura concorrencial do setor [como um todo]”, sublinhando a importância estratégica e de longo prazo de sua deliberação em favor da livre concorrência e inovação.
A Defesa do Itaú: Prevenção de Inadimplência
Quando da prolação da decisão inicial em primeira instância, o Itaú forneceu sua versão dos fatos à coluna Painel S.A. da Folha de S.Paulo, alegando que a reprovação de transações realizadas por meio de carteiras digitais fundamentava-se em uma detecção interna. O banco identificou que operações efetuadas com cartões de crédito através de carteiras digitais exibiam índices de inadimplência significativamente mais elevados, chegando a ser até cinco vezes superiores aos patamares de inadimplência observados em compras processadas por métodos tradicionais. A instituição bancária, contudo, não divulgou publicamente detalhes adicionais ou métricas específicas que corroborassem esses números de inadimplência.
“Diante desse panorama, embasando-nos nas melhores práticas bancárias, em fundamentações econômicas e jurídicas robustas, e em estrita observância da legislação vigente que versa sobre a prevenção ao superendividamento, o banco implementou uma restrição específica a determinadas transações efetuadas por meio de carteiras digitais, priorizando assim a proteção de seus clientes que se encontram em situações de maior vulnerabilidade econômica”, explicou o Itaú em nota oficial. O banco ainda complementou que tal medida não constitui uma violação às regras que regem a livre concorrência no mercado e tampouco acarreta prejuízos aos consumidores. A instituição expressou estranhamento quanto ao fato de ser o único banco envolvido nesta ação judicial, a despeito da existência de indícios que sugerem que outras instituições financeiras do setor financeiro também poderiam estar adotando práticas consideradas similares em relação ao uso de carteiras digitais.
Apesar da argumentação do Itaú de que as restrições impostas ao uso de carteiras digitais tinham como principal objetivo controlar a inadimplência, as associações Abranet e Abradecont apresentaram uma contra-argumentação no decorrer do processo judicial. Elas assinalaram que, concomitantemente à recusa desse meio de pagamento sob o pretexto de risco de crédito, o Itaú lançou e passou a oferecer um serviço próprio de parcelamento via Pix, uma modalidade de pagamento que, em momentos anteriores, era frequentemente apontada pelo próprio banco como de risco elevado. Para as entidades que moveram a ação, essa prática demonstra uma notável seletividade na conduta do banco, o que, para elas, contraria a justificativa de controle de risco previamente apresentada.
A Defesa da Mastercard: Conformidade Regulatória
Em sua defesa no âmbito do processo judicial, a Mastercard asseverou que sua política tarifária encontra-se em total conformidade com o marco normativo estabelecido pelo Banco Central do Brasil. A empresa argumentou que o próprio Banco Central já havia reconhecido a legalidade da sua autonomia na fixação dos valores aplicáveis às suas operações, desde que tais valores estivessem rigorosamente dentro dos limites e das diretrizes legais preestabelecidas. A Mastercard também argumentou que as suas taxas e tarifas não incidem diretamente sobre o consumidor final. Em razão disso, a empresa sustentou que essa particular questão tarifária deveria ser excluída do cerne da discussão jurídica, comprometendo, em sua perspectiva, a própria legitimidade das associações para dar início ao processo em nome dos consumidores. Em contrapartida, as associações litigantes contestaram esse ponto, reafirmando que, na prática, há um repasse efetivo do aumento dessas taxas e tarifas aos preços finais que são cobrados do consumidor.
Ademais, a Mastercard classificou a ação civil pública ajuizada como “mais um episódio de litigância associativa predatória”, alegando que o movimento estaria sendo promovido por entidades que, em sua visão, não possuem a representatividade adequada para tal iniciativa. Essa acusação reforça a postura defensiva da empresa diante das alegações de práticas abusivas e de distorção de mercado.
Com informações de Folha de S.Paulo
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