Um cenário de terror e engano culminou na morte de Alice Rodrigues, de apenas seis anos de idade, na Serra, Espírito Santo. A menina foi tragicamente assassinada a tiros na tarde do último domingo, 24 de agosto, enquanto retornava da praia com seus pais. A família teve seu veículo particular confundido com o de rivais por membros de facções criminosas, resultando em uma saraivada de disparos que ceifou a vida da criança e feriu superficialmente seus genitores.
O incidente chocante ocorreu por volta das 17h30, quando o carro da família Rodrigues se tornou alvo inesperado de um conflito territorial entre grupos criminosos na Grande Vitória. Alice estava no banco de trás do Peugeot cinza escuro da família, enquanto seu pai, Keique Rodrigues, um mecânico de 26 anos, conduzia o veículo. Sua mãe, Leiza Rodrigues, de 25 anos e grávida de oito meses, também os acompanhava. No auge do ataque, ambos os pais foram atingidos de raspão pelos disparos, conforme detalhado pela Polícia Militar.
Desespero em Meio ao Caos e Corrida Contra o Tempo
Ferido de raspão nas costas, o pai de Alice, Keique, demonstrava um heroísmo desesperado. Mesmo em meio à confusão e à própria dor, sua prioridade inabalável era socorrer a filha. Com o carro familiar ainda em funcionamento e a menina gravemente ferida, Keique dirigiu apressadamente até o Hospital Municipal Materno Infantil (HMMI) da Serra, buscando por auxílio médico. A esperança de salvar a vida da pequena Alice o impulsionou, mas, infelizmente, os ferimentos sofridos foram tão extensos que a menina não resistiu, vindo a óbito na unidade de saúde. Leiza, a mãe gestante, também foi atingida de raspão na cabeça, e após receberem atendimento emergencial no mesmo hospital que tentava salvar Alice, Keique e Leiza foram liberados, com as marcas físicas e emocionais daquela tarde devastadora.
A família Rodrigues, natural de Teixeira de Freitas, na Bahia, havia encontrado no Espírito Santo um novo lar há cerca de três anos, buscando tranquilidade e novas oportunidades. Essa busca foi abruptamente interrompida pela violência urbana.
A Comunidade em Luto e as Lembranças de Alice
A notícia da morte de Alice rapidamente se espalhou pela comunidade, gerando comoção e uma profunda tristeza entre vizinhos e amigos. Joaquim Oliveira Guimarães, um pedreiro que é vizinho e proprietário do imóvel alugado pela família, expressou a dor coletiva: “São pessoas muito boas, demais mesmo. A menina era considerada filha da gente, era nosso xodó aqui da rua.” Ele descreveu o cenário angustiante, relembrando o relato de Keique: “Estavam vindo da praia, sem motivo nenhum, não teve defesa. O pai só saiu do carro gritando pelo amor de Deus, e os caras atirando. Ele [o pai] contou que o carro chegou, chocou atrás no carro dele e os caras já chegaram atirando. Ele saiu do carro desesperado.” As palavras do vizinho sublinham a brutalidade gratuita do ataque, que surpreendeu uma família indefesa.
João Marcos Tomasia Oliveira, um técnico em rede e amigo da família, também lamentou a perda de Alice. Com a voz embargada, ele descreveu a criança como “doce e meiga”, enfatizando que “não tinha maldade nenhuma.” Para ele e outros próximos, a tragédia de perder Alice daquela forma é inexplicável e injusta: “Não tem o que fazer, pedir justiça agora, não vai voltar mais. Uma criança que, praticamente, fazia parte da família de todo mundo aqui, mesmo sendo só amigo dos pais, a gente sente muito, porque a nossa vida não faz mais sentido, perder ela do jeito que foi não faz sentindo nenhum,” desabafou João Marcos, evidenciando o impacto imensurável da ausência de Alice na vida daqueles que a conheciam.
O corpo da pequena Alice foi oficialmente liberado do Instituto Médico Legal (IML) de Vitória na manhã da segunda-feira, 25 de agosto. Um amigo da família confirmou que o velório e o sepultamento de Alice acontecerão em Teixeira de Freitas, na Bahia, terra natal da família, onde se reúnem seus demais parentes para prestar as últimas homenagens e despedir-se da menina em um momento de luto e dor.
Ação Criminosa e a Confusão Fatal
O ataque que vitimou Alice foi detalhadamente reconstituído pela investigação policial. A família trafegava em seu Peugeot cinza escuro quando foi interceptada pelos criminosos, que estavam a bordo de um Fiat Argo branco. A sequência dos acontecimentos apontou que os atiradores se chocaram propositalmente na traseira do carro da família, antes de iniciar os disparos de forma indiscriminada. Após o brutal ataque, os criminosos empreenderam fuga em direção ao bairro Novo Horizonte, onde abandonaram o Fiat Argo no meio da rua principal. O veículo dos atacantes apresentava múltiplas perfurações por disparos, evidenciando os 12 tiros efetuados de dentro para fora.

Imagem: g1.globo.com
A cena do crime e o veículo abandonado foram isolados pela Polícia Militar. No interior do Fiat Argo, a perícia encontrou diversas cápsulas de bala, uma touca-ninja de coloração roxa, e identificou que o arsenal utilizado incluía munições de vários calibres. Além disso, foi descoberto um explosivo de fabricação caseira, exigindo a intervenção especializada do Esquadrão Antibombas da Companhia de Operações Especiais, que precisou ser acionado para lidar com a ameaça e garantir a segurança na área. A descoberta da granada caseira apenas reforça o nível de periculosidade e premeditação da ação dos criminosos.
Prisões e Esclarecimentos da Segurança Pública
Em uma resposta rápida das autoridades, operações intensivas na região culminaram na prisão de seis indivíduos suspeitos de envolvimento direto na morte de Alice Rodrigues. As identidades completas dos detidos não foram oficialmente divulgadas pelas autoridades. Entretanto, a Polícia informou que entre os presos estão elementos cruciais para o esquema criminoso: dois mandantes do ataque, a esposa de um desses mandantes (identificada como advogada, o que levanta questões sobre o possível auxílio legal e logístico à facção), um dos atiradores responsáveis pelos disparos, um “olheiro” encarregado da identificação de alvos, e um indivíduo que atuou como responsável pela logística de fuga dos demais criminosos. A estrutura de comando e apoio revelada pelas prisões aponta para uma organização bem articulada.
O secretário de segurança pública do Espírito Santo, em pronunciamento oficial, detalhou o contexto da violência. Ele esclareceu que o carro da família de Alice foi confundido durante um confronto direto entre duas notórias facções criminosas que operam ativamente no município da Serra: o Primeiro Comando de Vitória (PCV) e o Terceiro Comando Puro (TCP). A dinâmica do ataque era de uma ofensiva do PCV contra integrantes do TCP. Segundo o secretário, a fatalidade de Alice decorreu de um erro crucial por parte de um “olheiro” do PCV, cuja função era identificar veículos utilizados por traficantes da facção rival. O veículo da família, de coloração prata escura, foi erroneamente identificado como sendo de um integrante do TCP, resultando no ataque indiscriminado.
Aumento da Violência Entre Facções na Região
A morte de Alice, em Balneário de Carapebus, foi o ápice de um fim de semana marcado por uma escalada brutal de confrontos entre essas facções. O secretário de segurança enfatizou que “esses ataques começaram no sábado”. Antes da tragédia com a família Rodrigues, um incidente foi registrado na Lagoa de Carapebus. Este ataque foi subsequentemente seguido por outro confronto em Balneário de Carapebus. O domingo, dia do assassinato de Alice, presenciou uma nova tentativa do PCV de atacar integrantes do TCP, infelizmente culminando na morte da criança de seis anos, considerada uma vítima inocente desta guerra territorial.
Além disso, o cenário de violência se estende aos dias anteriores. Dois dias antes da morte de Alice, especificamente na sexta-feira, 22 de agosto, Balneário Carapebus já havia sido palco de outro ataque sangrento. Neste episódio, Dionata Firmino de Paula, de 28 anos, foi morto a tiros, e um jovem de 20 anos ficou ferido. Testemunhas descreveram que atiradores, equipados com pistolas e até mesmo fuzil, chegaram em dois veículos por volta das 22h40 e abriram fogo indiscriminadamente próximo a um bar, atingindo as vítimas que estavam na calçada. O número alarmante de mais de 40 disparos ouvidos no local, cujas marcas foram visíveis em postes e muros da área, sublinha a intensidade e a impunidade com que esses conflitos armados vêm sendo travados no município da Serra, transformando a região em um palco de guerra para cidadãos indefesos.
Com informações de g1 Espírito Santo
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