Violência e Censura Contra Professores: 9 em cada 10 Afetados

Educação

Um levantamento recente, sem precedentes no país, destaca uma realidade preocupante no cenário educacional brasileiro: a violência e censura contra professores tornou-se um fenômeno alarmante. De acordo com os dados, nove em cada dez docentes da educação básica e superior, tanto do ensino público quanto do privado em todo o Brasil, já foram alvos diretos de perseguições ou testemunharam ações de censura dirigidas a outros profissionais da área.

Esta estatística sombria faz parte da pesquisa “A violência contra educadoras/es como ameaça à educação democrática”, desenvolvida em uma colaboração entre o Observatório Nacional da Violência Contra Educadoras/es (ONVE) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e o Ministério da Educação (MEC).

Violência e Censura Contra Professores: 9 em cada 10 Afetados

O estudo reuniu informações de 3.012 profissionais de todas as esferas educacionais e foi coordenado pelo professor Fernando Penna, da UFF. Penna esclareceu à Agência Brasil que a investigação concentrou-se primariamente em atos de violência que limitam a liberdade de ensino, buscam a censura e configuram perseguição política. Embora o relatório não tenha focado em casos de agressão física, a pesquisa também permitiu que educadores registrassem esse tipo de incidente.

O objetivo central do trabalho, segundo Penna, foi desvendar as formas de violência empregadas para impedir educadores de abordarem determinadas temáticas ou utilizarem materiais específicos, caracterizando assim a perseguição política. “Trata-se mais de uma censura de instituições em relação aos professores. E não são só instituições. Entre os agentes da censura, estão tanto pessoas dentro da escola, quanto de fora, figuras públicas”, detalhou o pesquisador.

Cenário de Censura Abrangente e Seus Impactos Diretos

Os resultados do estudo revelaram que a censura se espalhou por todas as regiões do Brasil, permeando todos os níveis e etapas da educação. Não se restringe apenas ao professor em sala de aula, mas atinge todos os que atuam na área educacional. A pesquisa demonstrou um percentual elevado de professores que se tornaram vítimas diretas de violência. Na educação básica, esse índice alcançou 61%, enquanto na educação superior, foi de 55% – um número que, embora ligeiramente inferior, ainda permanece acima da metade dos docentes.

Entre os educadores diretamente afetados por ações de censura, o levantamento indicou que 58% relataram tentativas de intimidação; 41% enfrentaram questionamentos agressivos sobre seus métodos pedagógicos; e 35% foram submetidos a proibições explícitas de conteúdo. Além disso, a violência se manifestou em outras formas preocupantes, como demissões (6%), suspensões (2%), mudanças forçadas de local de trabalho (12%), remoções de cargos ou funções (11%), agressões verbais e xingamentos (25%), e até agressões físicas (10%).

Temáticas da Censura e Raízes da Violência

Fernando Penna observou que os dados indicam uma profunda raiz da violência e da censura nas instituições de ensino brasileiras. A preocupação é ainda maior ao considerar que esses ataques frequentemente recaem sobre temáticas obrigatórias do currículo escolar. Como exemplo, o professor citou o caso de uma educadora do interior do Rio de Janeiro que, durante a pandemia de COVID-19, foi impedida de distribuir material do Ministério da Saúde sobre medidas sanitárias e a importância da vacinação, sob a alegação de “doutrinação”.

A pesquisa também identificou professores barrados de abordar temas como a violência sexual, cujo debate na escola é vital para que estudantes identifiquem e denunciem abusos naturalizados em ambientes privados. A discussão de temas envolvendo gênero e sexualidade, aliás, foi apontada pelos professores como o motivo mais frequente das violências sofridas. Penna frisou que essa restrição afeta não apenas os educadores, mas a liberdade de ensinar e de aprender, impedindo estudantes de debaterem assuntos cruciais para sua formação.

Outro exemplo mencionado foi o da teoria da evolução, frequentemente questionada por pais que preferem o criacionismo. Professores que tentam difundir o conhecimento científico em tais contextos chegam a ser demitidos ou transferidos. A proporção de docentes que vivenciaram essa violência direta ficou entre 36% e 49%, com a maioria reportando que os incidentes ocorreram quatro ou mais vezes.

Os principais motivadores dos questionamentos à prática pedagógica, conforme o levantamento, são questões políticas (73%), seguidas por temas de gênero e sexualidade (53%), religião (48%) e negacionismo científico (41%).

O Vínculo entre Polarização Política e Ataques aos Educadores

O estudo correlacionou a ascensão da violência contra educadores com o crescimento da polarização política no Brasil. Os dados, organizados em um gráfico, mostram um aumento nos ataques a partir de 2010, com picos notáveis em 2016 (ano do impeachment) e em 2018 e 2022 (anos de eleições presidenciais). Penna pontuou que “essa tensão política que o país vive está, infelizmente, entrando nas escolas”, e a polarização, que ele descreve como assimétrica entre uma “extrema direita e uma centro-esquerda, no máximo”, tem alimentado o cenário.

Violência e Censura Contra Professores: 9 em cada 10 Afetados - Imagem do artigo original

Imagem: Edilson Rodrigues via agenciabrasil.ebc.com.br

Quem e Como se Manifestam os Agentes da Violência

Ao investigar os agentes da violência, o estudo revelou um dado alarmante: muitos ataques partem de membros da própria comunidade escolar ou universitária. Diretores, coordenadores, pais de alunos e até os próprios estudantes são citados. “Isso é muito grave porque traz um dado de pesquisa que mostra que essa violência pode ter partido de figuras públicas, de uma atenção política mais ampla, mas, infelizmente, ela já está dentro das comunidades educativas”, afirmou Penna.

Os profissionais da área pedagógica lideram as menções como agentes (57%), seguidos por familiares dos estudantes (44%), estudantes (34%), outros professores (27%), profissionais da administração da instituição (26%), funcionários da instituição (24%) e representantes de secretarias de educação ou reitorias (21%). Esse quadro, que abrange tanto a política institucional quanto a partidária, tem se tornado um vetor de manipulação política, particularmente associado ao “pânico moral” disseminado por setores da extrema direita nos últimos anos.

Impactos Profundos na Vida Profissional e Pessoal

A perseguição a educadores tem efeitos devastadores. Para 33% dos entrevistados, o impacto foi “extremamente marcante” na vida profissional e pessoal, enquanto 39% o consideraram “bastante impactante”. Uma das consequências mais severas foi a saída de muitos docentes da profissão, o que Penna chamou de “apagão dos professores”.

Mesmo aqueles que não foram vítimas diretas sentem o efeito. A violência em escolas e universidades degrada o clima escolar. A maioria dos educadores citou insegurança e desconforto como mudanças em seu cotidiano. O desconforto com o ambiente de trabalho foi o terceiro maior impacto (53%), levando 20% dos participantes a mudarem de local de trabalho por iniciativa própria.

A pesquisa constatou que aproximadamente 45% dos professores sentem-se constantemente vigiados, o que os leva a autocensurar o que dizem em sala de aula. “As pessoas estão com medo de discutir temas. Estão com medo de fazer o seu trabalho como elas foram formadas para fazer e de acordo com seus saberes da experiência. Aí você está falando que o dano para a sociedade é gigantesco”, lamentou Penna.

Esse medo se estende à capacidade de desmascarar informações falsas e teorias conspiratórias. Em 2023, além do Observatório Nacional da Violência Contra Educadoras/es, surgiu o Observatório Nacional da Violência Contra Jornalistas, evidenciando que outras categorias que trabalham com produção de conhecimento seguro também são alvo de perseguição.

Regiões Críticas e Ações de Proteção Necessárias

As regiões Sudeste e Sul do Brasil apresentaram maior incidência de professores diretamente impactados por essas situações de violência, com destaque para Santa Catarina, um estado reconhecido pela forte presença da extrema direita, onde a violência se mostra mais aguda. Em todas as cinco regiões do país, 93% dos educadores tiveram algum contato com a censura, sendo que 59% vivenciaram-na diretamente, 19% souberam por terceiros e 15% ouviram falar.

Fernando Penna reforçou a urgência de se implementar ações de proteção aos professores, especialmente em anos de eleição presidencial, períodos em que essa violência tende a se intensificar. O MEC, inclusive, estaria elaborando uma política nacional para combater a violência contra educadores. O ONVE mantém um acordo de cooperação técnica com o Ministério dos Direitos Humanos, defendendo que os educadores sejam reconhecidos como defensores de direitos humanos e incluídos em políticas específicas. A integração dessa categoria na política de direitos humanos fortalece a capacidade de denúncia de violações e reforça a importância de sua atuação, garantindo assim um ambiente mais democrático para a educação no país, conforme defendido pelo professor Penna em discussões sobre o tema da educação democrática e os desafios enfrentados pela categoria, um esforço que também é acompanhado e fomentado por iniciativas do próprio Ministério da Educação.

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Em síntese, os dados alarmantes desta pesquisa sublinham a gravidade da violência e da censura que afligem a comunidade educacional brasileira, impactando a liberdade de ensinar e a qualidade da formação dos estudantes. Para aprofundar-se em questões relevantes sobre a conjuntura política e seus reflexos sociais, explore mais artigos em nossa seção de Política.

Crédito da imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

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