Cotas Raciais Uerj: 22 Anos de Impacto e Nova Fase

Educação

As cotas raciais na Uerj, sistema que tem marcado a trajetória de milhares de estudantes e impactado positivamente a sociedade, completam 22 anos de implementação. Esta política de ação afirmativa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro tem sido crucial para a mobilidade social, conforme testemunhos de ex-alunos que tiveram suas vidas profundamente modificadas. A medida, estabelecida inicialmente para o vestibular, agora entra em uma nova fase de discussão, visando aprimoramentos para o futuro, com a próxima revisão legislativa programada para 2028, seguindo a lei aprovada em 2018.

A importância do programa foi ressaltada por Henrique Silveira, que foi estudante cotista e hoje ocupa a posição de subsecretário de Tecnologias Sociais na prefeitura do Rio. “Tenho absoluta certeza de que a cota gera transformação. Ela me proporcionou a oportunidade de sair da condição de um garoto trabalhando com carroça para hoje liderar a gestão pública”, declarou Silveira, nascido em Imbariê, um distrito economicamente desfavorecido na Baixada Fluminense, durante um encontro recente de egressos da instituição. Sua reflexão destaca a essência e o impacto da política afirmativa.

Cotas Raciais Uerj: 22 Anos de Impacto e Nova Fase

Pioneira na implementação de cotas sociais e raciais no vestibular, a Uerj adotou essas políticas já em 2003, pavimentando o caminho para outras instituições de ensino superior no país. No final de novembro, a reitoria da universidade sediou um encontro estratégico para reunir ex-estudantes, visando conectar os egressos e mapear suas trajetórias profissionais. Esta iniciativa é parte dos esforços para aprofundar o entendimento sobre os resultados da política de cotas e moldar seu próximo capítulo.

Henrique Silveira, que ingressou no curso de Geografia em 2006 por meio do sistema de cotas, participou desse evento, reiterando o papel decisivo da medida em sua formação. Ele descreveu-se como um “sujeito pobre da Baixada, como tantos outros aqui, que sempre trabalhou auxiliando o pai, mas com a consciência da importância do estudo.” A oportunidade de ingressar na universidade, segundo ele, foi agarrada com determinação, sendo um exemplo vivo da mobilidade social que essa política é capaz de proporcionar.

Os Desafios Iniciais e a Transformação de Percepções

Maiara Roque, dentista que ingressou na Uerj em 2013 também por meio de cotas, compartilhou as dificuldades iniciais enfrentadas por ser uma estudante cotista negra. Na época de seu ingresso, as bolsas de estudo eram mais restritas e não podiam ser acumuladas com outros auxílios. Mesmo dez anos após a implementação inicial da política, questionamentos e resistências ainda eram presentes. “Depois que você entra, desenvolve-se um sentimento de merecimento e pertencimento”, afirmou Maiara, que transformou as adversidades em motivação. “Eu pensava: ‘não queriam que eu estivesse aqui, mas estou e farei valer’”.

Historicamente, a política de cotas raciais em universidades enfrentou ceticismo, especialmente quanto à capacidade acadêmica dos alunos. No entanto, estudos subsequentes demonstraram que não existia disparidade de rendimento entre estudantes cotistas e não cotistas, solidificando a base empírica para a validade do sistema.

Cotas e a Redução da Disparidade Educacional

Além de abrir portas individuais, as cotas foram um motor significativo na redução das lacunas educacionais entre grupos raciais. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, 11,7% dos estudantes pretos e 12,3% dos pardos haviam concluído o ensino superior. Embora estas taxas representem um avanço, elas ainda são menos da metade dos 25,8% observados entre pessoas brancas, conforme detalhado nas estatísticas educacionais do IBGE. Isso sublinha a importância contínua e a necessidade de aprimoramento dessas políticas para alcançar maior equidade.

A experiência universitária moldou a visão de mundo e a atuação profissional de Maiara Roque. Após cursar quatro anos de Odontologia com dedicação integral, contando com o apoio de sua mãe, cuidadora de idosos, ela atuou no sistema prisional e na rede básica de saúde. Posteriormente, montou seu próprio consultório no bairro da Penha, onde cresceu. “Sinto que, de certa forma, estou devolvendo para a minha comunidade a oportunidade que recebi”, expressou Maiara. Ela observa a receptividade das pessoas ao serem atendidas por uma doutora que é negra, da mesma comunidade, e que pratica uma odontologia acessível e sem julgamentos.

Modelo de Acesso da Uerj e Necessidade de Revisão Socioeconômica

Diferente de algumas instituições federais, o modelo de cotas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro integra dados de autodeclaração racial com informações socioeconômicas. Essa abordagem busca garantir que indivíduos de camadas sociais menos favorecidas, além da questão racial, também possam acessar o ensino superior. Mais de 32 mil estudantes já se beneficiaram dessa política na instituição.

Cotas Raciais Uerj: 22 Anos de Impacto e Nova Fase - Imagem do artigo original

Imagem: Fernando Frazão via agenciabrasil.ebc.com.br

Entretanto, com o tempo, surgiu a avaliação entre os próprios estudantes de que o recorte socioeconômico atual pode ser uma barreira. O limite de renda bruta de R$ 2.277 por pessoa na família é considerado por muitos um valor baixo, especialmente para quem almeja cursos de pós-graduação. David Gomes, historiador que ingressou por cotas em História em 2011, vindo de um pré-vestibular popular, atesta que a oportunidade representou uma nova perspectiva de vida para um aluno de escola pública, morador de regiões como o Complexo da Penha.

Ativista pelos direitos humanos, David argumenta a favor da Uerj em reconsiderar o critério socioeconômico para o ingresso via cotas, especialmente na pós-graduação. “A principal questão hoje, na pós-graduação, é o recorte de renda. É uma discussão que precisamos enfrentar, porque um profissional formado em direito, medicina ou até um professor, por exemplo, muitas vezes não se encaixa nesse corte, que é baixo”, explicou. Ele ressalva, no entanto, que, na graduação, as opiniões divergem quanto a ampliar esse recorte ou considerar a inscrição no Cadastro Único de Programas Sociais (CadÚnico).

A coleta e difusão de dados sobre o impacto da política são passos fundamentais, defendidos pelos egressos como primeiro passo para aprofundar a discussão das cotas na Uerj, a exemplo da iniciativa atual de montagem da rede de ex-alunos. Como geógrafo, Henrique Silveira sublinha a importância de dados concretos para a formulação de políticas públicas eficazes. Ele também fez um apelo pela redução da burocracia na comprovação do perfil socioeconômico e pelo apoio aos pré-vestibulares populares, uma realidade que vivenciou de perto, não apenas como aluno, mas também financiando uma rede de cursinhos na Baixada durante sua coordenação na Casa Fluminense.

“O pré-vestibular foi onde obtive clareza sobre minha condição de negro”, revelou Henrique. “No Brasil, você não nasce negro, você se torna negro. Fiz vestibular em 2005 e era um daqueles que ‘não queriam cotas’, mas ali eu me conscientizei que era meu direito”, concluiu. A política de ações afirmativas da Uerj, formalizada pela Lei 8.121 de 2018, destina 20% das vagas de nível superior para cotas raciais (incluindo indígenas e quilombolas) e outros 20% para estudantes de escolas públicas, desde que tenham cursado integralmente o ensino médio na rede. A mesma lei otimizou as condições de permanência, permitindo que a bolsa-auxílio seja acumulada com outros benefícios, como a bolsa de iniciação científica, um avanço avaliado positivamente pelos egressos.

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A experiência da Uerj com as cotas raciais representa um modelo significativo de inclusão e transformação social. A jornada de 22 anos, marcada por desafios e conquistas, continua a evoluir com as propostas de revisão para garantir um futuro ainda mais equitativo. Fique atento às futuras discussões e desenvolvimentos desta crucial política que continua a abrir portas para talentos em todo o estado do Rio de Janeiro em nossa editoria de Política.

Crédito da imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

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