O mercado de trabalho dos EUA, um pilar que por longo tempo exibiu notável resiliência, pode estar enfrentando um cenário preocupante, conforme um recente diagnóstico divulgado por um dos principais bancos de investimento globais. Em sua última análise de perspectivas econômicas, economistas do UBS, liderados por Jonathan Pingle, detalham um quadro de deterioração crescente que transcende os indicadores superficiais de emprego, emitindo um alerta sobre riscos ampliados para as famílias e para a trajetória geral de recuperação econômica do país.
A mais recente edição do US Economics Weekly do banco suíço veio à tona em um contexto de expectativa e apreensão, marcado pela iminente resolução da paralisação do governo federal americano. A ausência de acesso a dados econômicos oficiais por mais de 40 dias tem sido uma preocupação central para economistas e analistas de mercado. Erica Groshen, ex-diretora do Departamento de Estatísticas de Emprego, comparou, no fim de outubro, essa situação à metáfora de “voar às cegas”, evidenciando a criticidade das informações em um momento tão delicado.
UBS Alerta: Mercado de Trabalho dos EUA em Situação Alarmante
Se o governo americano retomar suas operações normalmente, a equipe de Jonathan Pingle no UBS projeta a divulgação, na próxima semana, dos dados de emprego referentes a setembro, além do relatório de inflação de outubro, o Índice de Preços ao Consumidor (CPI). A demanda por esses dados é mais intensa do que nunca. Ao longo de grande parte do ano, proeminentes analistas, incluindo o presidente do Federal Reserve (Fed), Jerome Powell, defendiam a ideia de um mercado de trabalho caracterizado por “poucas contratações e poucas demissões”. Historicamente, os empregadores demonstraram cautela em novas contratações e resistência em efetuar cortes, possivelmente devido às repercussões da “Grande Renúncia” durante a era da pandemia. Contudo, o UBS não é o único em Wall Street a questionar a persistência da tese das “poucas demissões”.
Veronica Clark, economista do Citigroup Inc., comentou à Bloomberg que a oferta de trabalhadores está abundante, o que sugere que as empresas, de maneira geral, não sentem a necessidade premente de reter funcionários além do essencial. Reforçando essa perspectiva, Dan North, economista sênior da Allianz Trade Americas, também mencionou à Bloomberg que um volume considerável de empresas já estabelecidas está procedendo com reduções significativas em seus quadros de pessoal.
Aceleração Inesperada das Demissões
O UBS argumenta que o ritmo das demissões é mais intenso do que o publicamente reconhecido, embasando essa afirmação em vários indicadores. Pedidos de seguro-desemprego, anúncios públicos de cortes e notificações formais têm superado os patamares observados antes da pandemia. Mesmo dados mais tardios, como o Business Employment Dynamics – considerado o padrão-ouro nos EUA para quantificar a criação e o fechamento de postos –, indicam que o índice de perda de vagas atingiu ou superou o período pré-pandêmico. De fato, o agravamento dos cortes acelerou notavelmente nos últimos meses.
Em outubro, foram registradas 157 mil demissões anunciadas por empresas, conforme a consultoria Challenger, Gray & Christmas. Esse número representa o maior total mensal desde julho de 2020. Os setores de tecnologia e armazenagem foram particularmente afetados, com os cortes sendo, em muitos casos, atribuídos ao avanço da automação e da inteligência artificial. O montante acumulado no ano é ainda mais impactante: 760 mil cortes de postos de trabalho até outubro, já ajustados sazonalmente, superando consideravelmente o mesmo período de 2024 e marcando o patamar mais elevado desde 2009, o ano subsequente à crise financeira global.
Grandes corporações têm implementado ações significativas, evidenciando a dimensão dos ajustes no mercado laboral. A Amazon, por exemplo, cortou 14 mil cargos corporativos. A UPS, no decorrer do último ano, eliminou 48 mil postos de trabalho, enquanto a Target dispensou quase 2 mil funcionários em uma única movimentação. Esses exemplos pontuais, embora expressivos, integram um cenário mais amplo de retração.
A ‘Banheira’ do Emprego Está Drenando
Essa realidade tem levado muitos trabalhadores a um grupo crescente de indivíduos que encontram dificuldades em recolocação. O UBS utiliza a metáfora de uma banheira para descrever o mercado de trabalho: com a constante “saída” de água (demissões) e o “fluxo de entrada” (contratações) desacelerando, o nível de água (total de empregos) inequivocamente tende a diminuir. A taxa de contratação, avaliada por diversas pesquisas empresariais, recuou para níveis historicamente associados a períodos de recessão. Se forem excluídos os setores de saúde e assistência social, que mantêm uma estabilidade relativa, as folhas de pagamento do setor privado têm encolhido em média 36 mil vagas por mês.
Entre o início do ano e agosto, o volume de empregos, mensurado pela principal pesquisa governamental, experimentou uma queda de cerca de 72 mil vagas por mês. Tal ritmo é insufiiciente não apenas para acompanhar o crescimento populacional, mas também para manter uma taxa de desemprego estável, que, por sua vez, já atingiu o nível mais elevado desde 2021. Além disso, a taxa de participação na força de trabalho declinou, com mais de 800 mil pessoas tendo abandonado o mercado, embora manifestem o desejo de encontrar um emprego.
Economistas têm notado um aumento na medida mais abrangente de subemprego, conhecida como U-6, que cresceu 0,6 ponto percentual desde janeiro, alcançando 8,1%. Este patamar está agora 1,3 ponto acima do registrado no final de 2019. O ponto crucial é que este aumento não é resultado exclusivo do desemprego: mais americanos estão engajados em trabalho em tempo parcial por razões econômicas, um sinal clássico de enfraquecimento da demanda. Essa dinâmica, segundo o UBS, contrapõe-se diretamente ao que se esperaria de um choque negativo na oferta de trabalho decorrente da imigração, argumento frequentemente empregado pela administração Trump de que restrições à imigração valorizariam o mercado de trabalho. Para uma análise mais aprofundada dos dados oficiais de emprego, visite o site do Bureau of Labor Statistics.

Imagem: REUTERS via infomoney.com.br
Vagas Diminuem e Contratações Sazonais Decepcionam
As vagas de emprego continuam a diminuir em todo o país. No final de outubro, a plataforma Indeed.com reportou que o volume de anúncios de vagas atingiu seu nível mais baixo desde 2021, com quedas anuais evidentes em praticamente todos os setores da economia. Em paralelo, a média semanal de novos pedidos de seguro-desemprego já se encontra acima dos patamares de 2023, e os pedidos contínuos aproximam-se do ponto mais alto observado desde o início da pandemia. Contudo, conforme argumenta Jonathan Pingle, do UBS, até mesmo as vagas que aparentam estar ativas podem não corresponder a um esforço real de contratação.
Pingle sugere que a taxa de contratação compatível com uma recessão exibe uma lacuna tão expressiva que, aparentemente, grande parte das vagas disponíveis não está sendo ativamente preenchida. Há 14 milhões de pessoas desocupadas que desejam um emprego ou estão ativamente procurando, e outros 2 milhões que recebem seguro-desemprego. Diante de tal abundância de mão de obra, é plausível inferir que, ao menos, uma parcela das vagas existentes não está sendo preenchida com a devida urgência.
Não apenas trabalhadores estão perdendo seus empregos, como o ambiente para novas oportunidades também está encolhendo. Os planos de contratação sazonal para o período de festas de fim de ano estão significativamente abaixo dos padrões observados antes da pandemia. A Challenger, Gray & Christmas relata um total combinado de 400 mil vagas temporárias anunciadas entre setembro e outubro, um número bem inferior à média de 625 mil registrada entre 2014 e 2019, e até mesmo aquém dos anos recentes. Grandes varejistas, como a Target, optaram por não divulgar seus números de contratação sazonal, e a Federação Nacional do Varejo estima que o total de empregos sazonais possa sofrer uma queda de 40% em relação ao ano anterior.
Confiança de Consumidores e Empresas Abalada
Este arrefecimento no mercado de trabalho está reverberando na confiança de consumidores e empresas. A pesquisa da Universidade de Michigan sobre confiança do consumidor registrou uma queda para 50,3 em novembro, um valor ligeiramente superior ao mínimo histórico alcançado em 2022. Um número menor de famílias relata a existência de abundância de empregos, e a proporção daquelas que projetam um aumento do desemprego no próximo ano disparou, atingindo níveis que não eram vistos desde as recessões da década de 1980. Entre pequenas empresas, o otimismo luta para se firmar, em meio a persistentes temores inflacionários e à turbulência contínua no mercado de trabalho.
Os dirigentes do Federal Reserve (Fed) mostram-se cada vez mais divididos em suas análises: enquanto alguns alertam que o risco para o emprego agora se equipara às preocupações com a inflação, outros ainda temem que a inflação não esteja completamente controlada, advogando pela manutenção da postura restritiva. Contudo, há vozes, como a de uma governadora do Fed que admitiu preocupação com a possibilidade de o mercado de trabalho deteriorar-se de maneira acelerada, clamando por prudência e flexibilidade na interpretação de cada novo conjunto de dados econômicos que é divulgado.
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Em suma, se o ritmo das demissões continuar a acelerar e a velocidade das contratações permanecer em desaceleração, o mercado de trabalho americano está, inegavelmente, em rota de uma contração mais evidente e potencialmente severa. Tal cenário, conforme alertam os economistas do UBS, poderá, em um futuro próximo, minar a confiança das famílias, afetar diretamente o consumo e, consequentemente, comprometer toda a recuperação econômica. A analogia do banco suíço persiste: se uma banheira está drenando a um ritmo cada vez mais rápido enquanto a torneira mantém seu fluxo, o nível da água irá inevitavelmente cair, configurando um risco substancial para as perspectivas econômicas gerais. Acompanhe mais análises sobre a conjuntura nacional e internacional em nossa editoria de Economia.
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