A iminente realização da COP30 em Belém posiciona o Brasil e a cidade amazônica como o epicentro de discussões cruciais para o futuro do planeta. A conferência surge em um momento definidor para a agenda climática mundial, com a necessidade premente de encarar as significativas deficiências existentes nos esforços globais. Uma década após a formalização do Acordo de Paris, as promessas climáticas dos países, representadas pelas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), ainda se encontram aquém do que é preciso para conter o aquecimento global nos limites ambicionados de 1,5°C ou, no máximo, 2°C acima dos níveis pré-industriais.
As análises do mais recente relatório síntese da UNFCCC indicam que, embora as novas NDCs apresentem melhorias em qualidade e escopo, sua magnitude não é suficiente para alterar o panorama atual de elevação nas emissões globais de Gases de Efeito Estufa (GEE). Este cenário sublinha a necessidade imperativa de que os compromissos nacionais sejam ajustados aos preceitos do Acordo de Paris e alinhados com os resultados do seu Balanço Global, a principal ferramenta de revisão coletiva da efetividade das ações climáticas.
COP30 e Lacunas Climáticas: O Desafio Urgente de Belém
O Alerta mais recente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) em seu relatório sobre a Lacuna de Emissões reforça essa realidade preocupante. Mesmo com a implementação integral de todas as NDCs atuais, o planeta ainda está a caminho de um aumento de temperatura média que varia entre 2,3°C e 2,5°C, caso todos os novos compromissos sejam adotados. A situação se agrava, podendo chegar a 2,8°C de aquecimento global com base apenas nas políticas energéticas e ambientais já em vigor. Além da evidente disparidade entre o nível de ambição declarado e a meta real, observa-se uma profunda discrepância entre a ambição e a capacidade de implementação prática. A COP30 está desenhada para ser o palco central onde essas discrepâncias serão não apenas expostas, mas confrontadas diretamente.
Superando a Lacuna de Ambição e Implementação
A expectativa em Belém vai muito além de meras renovações de promessas. Será fundamental um avanço concreto nos meios de execução das ações climáticas, uma ampliação substancial do financiamento para a transição ecológica e a garantia de que os temas de adaptação e uma transição energética justa estejam no cerne das estratégias governamentais e empresariais. Como nação anfitriã, o Brasil assume a responsabilidade de catalisar e liderar esse movimento transformador.
Conforme o Relatório sobre a Lacuna de Produção de Combustíveis Fósseis, um desafio adicional se impõe: governos de diversas partes do mundo continuam a planejar uma expansão na produção de combustíveis fósseis, postura que entra em flagrante contradição com seus próprios acordos e metas climáticas. As estimativas atuais revelam que a produção de carvão está prevista para aumentar até 2035, enquanto a exploração de gás e petróleo seguirá em expansão até a metade do século, em 2050. Embora uma parcela dos países produtores tenha começado a reconsiderar seus planos energéticos, a vasta maioria ainda não alinhou tais estratégias aos compromissos climáticos, tanto nacionais quanto internacionais.
A Contradição da Produção de Combustíveis Fósseis
A persistência da disparidade entre as promessas climáticas e as metas de produção de combustíveis fósseis representa um dos maiores impedimentos para a implementação efetiva e bem-sucedida do Acordo de Paris. Aproximadamente 75% das emissões globais de GEE são originárias do setor de energia. Os volumes de produção projetados atualmente são abertamente incompatíveis com as trajetórias que visam limitar o aumento da temperatura a 1,5°C ou até mesmo a 2°C. Para 2030, os níveis de produção previstos excedem em 500% a compatibilidade para o carvão, em 31% para o petróleo e em 92% para o gás, se comparados aos limites necessários para cumprir a meta de 1,5°C. Adicionalmente, ultrapassam em 35% a produção de combustíveis fósseis que seria compatível com os próprios compromissos climáticos dos países para 2030, e em 141% para 2050.
A manutenção desses planos demonstra uma acentuada lacuna entre os acordos firmados e as decisões políticas energéticas concretas de diversos países. Essa realidade exige uma transição climática urgente e um alinhamento entre as estratégias de desenvolvimento e os limites planetários. Para mais detalhes sobre os desafios do Acordo de Paris, pode-se consultar informações na plataforma oficial da UNFCCC.
A Crítica Lacuna de Financiamento Climático
Ainda sobre os obstáculos que complexificam a agenda da COP30, permanece a lacuna no financiamento climático, uma questão que não encontrou solução na Conferência das Partes anterior (COP29). Na ocasião, as nações definiram um Novo Objetivo Coletivo Quantificado (NCQG) pós-2025, estabelecendo o montante “insuficiente” de US$ 300 bilhões por ano. Embora essa quantia represente um progresso formal na estruturação do financiamento, o valor ficou muito aquém das expectativas e demandas dos países em desenvolvimento, que haviam pleiteado a soma de US$ 1,3 trilhão anualmente para cobrir suas necessidades de adaptação e mitigação.
O verdadeiro desafio, porém, não reside apenas no volume de recursos, mas na necessidade urgente de reformar a arquitetura financeira global. Esse sistema, atualmente, mostra-se fragmentado, ineficiente em sua burocracia e, crucialmente, desprovido de alinhamento com as prioridades estratégicas das nações em desenvolvimento. O financiamento climático ainda está excessivamente dependente de instrumentos que geram endividamento e, lamentavelmente, falha em direcionar os recursos de forma eficaz para as comunidades e populações mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.
Nesse contexto, o recente lançamento do “Mapa do Caminho de Baku a Belém” surge como uma iniciativa estratégica para a mobilização de financiamento, confirmando o diagnóstico das lacunas. O roteiro propõe uma agenda estruturada em cinco pilares fundamentais: reabastecimento de recursos existentes, reequilíbrio fiscal global, redirecionamento do capital financeiro privado, reestruturação da capacidade institucional dos países e uma reformulação sistêmica das estruturas financeiras globais. O objetivo primordial deste plano é expandir o acesso dos países em desenvolvimento e assegurar que o financiamento climático atinja a cifra de US$ 1,3 trilhão por ano até 2035, com ênfase particular na adaptação, compensação por perdas e danos, promoção de transições justas e apoio a sistemas alimentares resilientes.
Para que a COP30 seja verdadeiramente um divisor de águas no fechamento da lacuna de financiamento, será imperativo converter este roteiro em compromissos palpáveis e em mecanismos de implementação concretos. Tais ações devem ter a capacidade de ampliar a escala, acelerar a velocidade e aprimorar a qualidade dos recursos destinados, sempre com um foco intransigente na justiça climática e na geração de impacto real nos territórios e nas vidas das pessoas.
Adaptação Climática: Uma Lacuna Urgente
Ainda se depara com a notória lacuna de adaptação, que se manifesta de forma crítica. Embora as nações demonstrem um progresso no planejamento de suas ações nessa esfera, a evolução prática e a efetividade desses planos ainda são insuficientes. Estimativas indicam que as nações em desenvolvimento demandarão entre US$ 310 bilhões e US$ 365 bilhões anualmente até 2035 para implementar as medidas de adaptação necessárias. No entanto, os fluxos internacionais de financiamento público dedicados a este fim somaram apenas US$ 26 bilhões em 2023, segundo o mais recente relatório do PNUMA sobre a Lacuna de Adaptação. A meta, estabelecida no Pacto de Glasgow, de dobrar esse valor até 2025, parece distante de ser cumprida, e o Novo Objetivo Coletivo Quantificado (NCQG) atual não apresenta a robustez necessária para fechar essa discrepância financeira.

Imagem: Divulgação via valor.globo.com
Apesar dos avanços teóricos e dos compromissos, o financiamento para adaptação persiste como insuficiente, desorganizado e lento em sua operacionalização. Torna-se crucial que tanto o setor público quanto o setor privado ampliem sua participação e comprometimento, atentando-se não apenas ao volume, mas também à qualidade dos recursos alocados. É imprescindível, sobretudo, reduzir a dependência de instrumentos geradores de dívida para as economias mais vulneráveis, buscando soluções financeiras mais equitativas e sustentáveis.
Florestas e Ecossistemas: Chaves para a Mitigação
Para além das lacunas já analisadas, é de importância primordial reconhecer que o atingimento das metas climáticas, seja na vertente de mitigação das emissões ou na de adaptação aos seus impactos, será impossível sem a integração plena e efetiva da proteção e conservação de florestas e ecossistemas às estratégias de desenvolvimento, tanto em escala nacional quanto global. Nesse contexto, a proposição do Brasil de lançar o “Tropical Forest Forever Facility (TFFF)” durante a COP30 surge como uma via promissora. Este mecanismo inovador visa oferecer pagamentos previsíveis e vinculados ao desempenho para os países que conseguem manter suas florestas intactas e protegidas, diminuindo, assim, a dependência de financiamento proveniente de filantropia.
Com um investimento inicial de US$ 1 bilhão e a indispensável adesão de outras nações e entidades, o sucesso do TFFF dependerá da mobilização de um montante mínimo de US$ 125 bilhões, provenientes tanto do setor público quanto do privado. Embora existam outras iniciativas, sejam elas de âmbito internacional ou nacional, que sinalizam esforços nesta direção, o cenário global ainda carece de uma estratégia verdadeiramente robusta e coesa, capaz de articular, de forma integrada, as dimensões do clima, da natureza e da produção econômica. Para que as “soluções baseadas na natureza” transcendam um papel secundário e se tornem centrais nas agendas climática e de desenvolvimento, será imperativo superar a fragmentação política e financeira que, atualmente, restringe sua escala e eficácia.
Assim, o regime climático global se depara com pelo menos cinco lacunas gigantescas e cruciais, que representam desafios substanciais. A primeira e mais fundamental dessas lacunas concerne à necessidade de confrontar as insuficiências na ambição e na execução dos compromissos climáticos das nações. A COP30 configura-se como uma janela de oportunidade global para sanar tais discrepâncias. É essencial que as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) sejam rigorosamente alinhadas com as diretrizes e os resultados emanados do Balanço Global. Este Balanço, por sua vez, preconiza metas ambiciosas como a triplicação da capacidade global de geração de energia renovável, a duplicação da eficiência energética e a reversão total do desmatamento até o ano de 2030, além da aceleração substancial da transição energética. Para concretizar esses objetivos, torna-se indispensável que a COP30 culmine em um resultado formal que não apenas fortaleça, mas também dê maior direcionamento a essa trajetória, sem permitir qualquer tipo de diluição dos objetivos.
A Agenda de Ação, que busca mobilizar iniciativas climáticas voluntárias por parte de atores não estatais, possui o potencial de acelerar o ritmo da transição. No entanto, ela não pode, em hipótese alguma, substituir o processo formal de negociação entre os países, que é o responsável por entregar resultados concretos e fortalecer os meios de implementação efetiva. As falhas persistentes na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas exacerbam consideravelmente os custos relacionados à adaptação e às ações de compensação por perdas e danos. Em termos práticos, quanto maior for a concentração de Gases de Efeito Estufa na atmosfera, mais intensos serão os impactos climáticos observados e, consequentemente, maiores serão os recursos financeiros necessários para gerenciar e lidar com suas consequências.
Encarar este desafio exige políticas coordenadas entre as nações, com uma prioridade clara na promoção de uma transição climática cuidadosamente planejada e plenamente compatível com os limites ambientais previamente acordados. A protelação deste processo apenas tornará a transição climática ainda mais dispendiosa e intrincada. Simultaneamente, as nações têm a oportunidade de acelerar suas próprias transições, integrando, de maneira abrangente ao desenvolvimento nacional, a avaliação dos riscos físicos e de transição, bem como a identificação das oportunidades associadas a eles. Esse movimento fortalecerá a resiliência de suas economias frente à crise climática global.
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Dada essa conjuntura complexa e multifacetada, a COP30 é vista como uma etapa decisiva para testar a robustez e a capacidade do multilateralismo em fornecer respostas efetivas a uma crise de caráter sistêmico. A presidência brasileira tem proposto um “mutirão global”, um apelo contundente a todos os setores da sociedade para que se mobilizem em torno de três prioridades interligadas: a consolidação do regime climático estabelecido pela UNFCCC, a conexão intrínseca da agenda ambiental com a realidade e a vida das pessoas, e a aceleração concreta da implementação das diretrizes do Acordo de Paris. Em um contexto marcado pela presença de múltiplas lacunas – abrangendo a ambição, a implementação, a redução dos combustíveis fósseis, o financiamento e a adaptação –, a COP30 oferece um espaço primordial para que os países possam avançar na convergência de esforços e na definição de meios concretos para a implementação das ações. Mesmo com a atual fragmentação geopolítica global desafiando a cooperação internacional, as soluções para a crise climática exigirão ações duradouras, eficazes e a articulação sinérgica entre atores estatais e não estatais em âmbito mundial. O sucesso da conferência dependerá diretamente da sua habilidade em transformar promessas em ações efetivas e em edificar a confiança mútua para o avanço coletivo.
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Crédito da imagem: Guilherme Lefèvre Foto: Divulgação
