No processo que investiga o trágico incidente conhecido como Massacre de Paraisópolis, ocorrido em dezembro de 2019 e que culminou na morte de nove jovens, a policial militar Aline Ferreira Inácio prestou depoimento crucial no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo. Ela reiterou que a intervenção da corporação no local se deu sob a justificativa de legítima defesa. A militar enfatizou que, ao final da operação, nenhum dos policiais envolvidos apresentou ferimentos graves.
Aline Ferreira Inácio, que ainda permanece na ativa, destaca-se como a única entre os acusados a se manifestar no processo. À época dos fatos, ela estava à frente do efetivo que atuava durante a operação no famoso Baile da DZ7, localizado na comunidade de Paraisópolis. Assim como outros onze agentes de segurança, ela enfrenta acusações de homicídio na Justiça, podendo vir a ser submetida a julgamento pelo Tribunal do Júri, dependendo do desfecho das audiências de instrução.
PM declara legítima defesa no Massacre de Paraisópolis
A decisão da tenente em testemunhar contrasta com a postura da maioria de seus colegas, que optaram pelo direito constitucional de permanecer em silêncio. Esta escolha, conforme previsto pela outra parte do processo, visava evitar possíveis contradições nos relatos, uma tática comum em cenários judiciais complexos. Enquanto o depoimento ocorria, em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda, centenas de jovens, majoritariamente negros e muitos em solidariedade às mães das vítimas, promoviam um protesto com o objetivo de acompanhar de perto o andamento do julgamento e manifestar sua indignação.
A Versão Policial no Massacre de Paraisópolis
Em sua fala, a agente reforçou a versão previamente apresentada por seu colega Rodrigo Cardoso da Silva ao juiz Antônio Carlos Pontes de Souza, magistrado responsável pelo caso, em março do mesmo ano. Silva, indicado como testemunha por seis dos policiais que são réus, havia declarado que uma segunda viatura foi convocada como reforço, com o propósito de proteger outros colegas que já estavam no local e que, supostamente, estariam sob ataque de frequentadores do baile. A narrativa policial sustenta que o incremento no efetivo se fez necessário em virtude da ameaça que dois indivíduos em uma motocicleta representavam. Segundo o relatório da corporação, os ocupantes da moto teriam chegado atirando, o que desencadeou o tumulto entre o público e a consequente correria desenfreada.
Acusação Contesta Versão Policial do Massacre de Paraisópolis
Para os familiares dos falecidos, seus representantes legais e a Defensoria Pública de São Paulo, que atua na acusação do processo, a leitura dos fatos é diametralmente oposta. Eles afirmam que não restam dúvidas de que os jovens foram intencionalmente cercados, em uma armadilha calculada que os levou a uma viela de saída estreita. Esta acusação é reforçada por uma perícia técnica. Em 2023, uma biomédica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), após ser ouvida pelo juiz, atestou que a causa dos óbitos foi asfixia, rebatendo categoricamente a hipótese de pisoteamento que havia sido apresentada pela Polícia Militar. Contradizendo as alegações, a policial Aline Ferreira Inácio negou, durante seu depoimento, qualquer intencionalidade em direcionar as vítimas para o local da tragédia ou a existência de bloqueios que impedissem rotas de fuga. Ela justificou que tal ação seria inviável, uma vez que não possuía conhecimento aprofundado dos becos e vielas da extensa região, alegando que, se a intenção fosse tal, a dimensão do ocorrido seria ainda maior.
O Cenário Político Antes do Massacre de Paraisópolis
O episódio do Massacre de Paraisópolis não pode ser descontextualizado do panorama político da época. Os acontecimentos de 2019 se deram em um período marcado pela intensificação das operações policiais contra bailes funk na capital paulista, uma política abertamente apoiada pelo então governador João Doria. Essa abordagem gerou severas críticas por parte de movimentos sociais e especialistas em direitos humanos, que a classificaram como uma forma de criminalização do gênero musical e, consequentemente, das comunidades periféricas que o praticam. Dados do período revelam a magnitude dessas ações: entre 1º de janeiro e 1º de dezembro de 2019, a Polícia Militar executou impressionantes 7,5 mil operações sob a justificativa de aplicar a lei do silêncio e de combater atividades ilícitas, como o tráfico de drogas, em diversos pontos da cidade.
A discussão sobre a legitimidade da atuação policial, especialmente no contexto de ações em legítima defesa, é complexa e frequentemente debatida. Um aprofundamento sobre como os delegados compreendem e aplicam o conceito de legítima defesa em suas ações pode ser encontrado em fontes especializadas, oferecendo um panorama sobre as nuances jurídicas e operacionais envolvidas, como abordado por um artigo no G1 que explora o debate entre delegados sobre esse tema. Este tipo de análise é crucial para entender os critérios que norteiam as decisões em campo.

Imagem: agenciabrasil.ebc.com.br
Questões de Socorro e Protocolo Pós-Massacre
No decorrer do processo judicial, os advogados que representam as famílias das vítimas levantaram sérias dúvidas quanto à possibilidade de omissão de socorro aos feridos, além de questionarem a dinâmica do cerco que, alegam, conduziu os jovens à morte por asfixia. Confrontada com essas questões, a policial militar Aline Ferreira Inácio argumentou ter seguido estritamente o protocolo estabelecido em resolução da corporação. Ela afirmou que agiu para evitar ultrapassar suas atribuições, o que, em sua visão, poderia agravar ainda mais a condição das vítimas. Entretanto, ela admitiu que o treinamento em primeiros socorros oferecido pela Polícia Militar é superficial, sendo realizado apenas durante a fase de formação e sem qualquer continuidade ou reciclagem periódica. “Ali não era uma situação básica”, declarou Inácio, para justificar sua percepção de que, em suas palavras, a prestação de primeiros socorros elementares não seria suficiente para resolver o quadro. Ela adicionou que chegou a prestar assistência a uma das vítimas, transportando-a na própria viatura que conduzia.
Futuro Jurídico do Caso Paraisópolis
De acordo com a advogada Rosa Cantal, integrante da equipe de defesa das famílias dos falecidos, as próximas etapas processuais envolvem a apresentação, por parte da acusação e da defesa, de manifestações escritas ao juiz. Nesses documentos, as partes irão solidificar seus respectivos argumentos e pontos de vista. Após essa fase, o magistrado terá a prerrogativa de pronunciar os réus, o que significa encaminhar o caso para julgamento pelo Tribunal do Júri. Tal decisão seria baseada no reconhecimento da legitimidade da denúncia do Ministério Público e na compreensão de que o incidente envolveu um crime doloso contra a vida. Por outro lado, caso o magistrado conclua pela ausência de dolo, ele poderá reclassificar a acusação como crime culposo, absolver sumariamente os policiais acusados ou, ainda, declarar a falta de comprovação da autoria e da materialidade do crime.
Conforme explicado pela advogada Cantal, na eventualidade de o juiz reconhecer a ocorrência de um crime doloso, ele poderá enquadrá-lo em duas categorias específicas: o dolo eventual ou o dolo direto. O dolo eventual ocorre quando os policiais, mesmo não desejando diretamente o resultado morte, assumem o risco de produzi-lo com suas ações. Este é o ponto que está sendo enfatizado na denúncia apresentada.
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O julgamento do Massacre de Paraisópolis continua sendo um marco na discussão sobre a atuação policial em comunidades e os limites da legítima defesa. O desenrolar do caso é fundamental para as famílias das vítimas e para a sociedade, que busca respostas sobre a tragédia de 2019. Para se manter atualizado sobre este e outros temas relevantes para as grandes cidades, incluindo análises aprofundadas sobre política e questões sociais, continue acompanhando a editoria de Cidades do nosso portal em Hora de Começar.
Crédito da imagem: Rovena Rosa/Agência Brasil


