Desmatamento do Cerrado em Balsas e a Crise Hídrica do Matopiba

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A expansão do agronegócio na região de Balsas, no Maranhão, configura-se como um epicentro da crescente fronteira agropecuária brasileira, levantando sérias preocupações sobre o Desmatamento do Cerrado em Balsas e a Crise Hídrica do Matopiba. Em um período de 25 anos, este município maranhense, situado no extremo sul do estado, experimentou uma profunda alteração que, conforme estudos, impulsiona a supressão de vegetação nativa do Cerrado e representa um risco significativo para a segurança hídrica nacional.

O centro urbano de Balsas floresceu, concentrando o comércio e as sedes de multinacionais do setor de alimentos, como a Bunge, oriunda da Holanda. A dois quilômetros de distância, no entanto, a realidade é distinta, com bairros residenciais modestos abrigando a maioria dos trabalhadores. Esses moradores expressam insatisfação com a alta nos preços dos últimos anos, especialmente dos aluguéis, revelando as disparidades sociais geradas pelo rápido desenvolvimento econômico impulsionado pelo agronegócio na região.

Desmatamento do Cerrado em Balsas e a Crise Hídrica do Matopiba

Uma investigação conduzida pela Agência Brasil em Balsas buscou compreender a relação entre este progresso econômico e os impactos ambientais já sentidos no Brasil. Líderes comunitários, comunidades tradicionais, empresários do agronegócio e representantes dos governos municipal e estadual foram ouvidos para traçar um panorama completo dessa transformação. A abertura de novas terras para a produção de grãos e pastagens é o principal motor do problema, posicionando Balsas entre os líderes nacionais em desmatamento do Cerrado.

Avanço do Desmatamento: Balsas entre os Recordistas Nacionais

De acordo com o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD 2024), elaborado pelo MapBiomas, Balsas foi o segundo município que mais desmatou no país nos últimos dois anos. Mesmo com uma diminuição de 56% em 2024, quando 16 mil hectares foram suprimidos — o equivalente a 45 campos de futebol diários —, o desmatamento em Balsas no ano passado superou o dobro do registrado seis anos antes. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam ainda um aumento de 30% no desmatamento municipal entre agosto de 2024 e julho de 2025, um contraponto à queda de 11,49% observada no Cerrado como um todo. Pelo segundo ano consecutivo, o Maranhão se destacou como o estado com maior supressão de vegetação nativa no Brasil, correspondendo a 17,6% do total desmatado em 2024, com 218 mil hectares, área significativamente maior que a cidade de São Paulo (152 mil ha).

Com mais de 100 mil habitantes, Balsas figura como o terceiro maior Produto Interno Bruto (PIB) do Maranhão, ficando atrás apenas da capital, São Luís, e de Imperatriz, que possui uma população três vezes maior. Este crescimento econômico, impulsionado pela expansão agropecuária, transformou drasticamente a paisagem, a economia e a sociedade da porção sul do Maranhão. O município é estratégico na região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), área prioritária para a expansão do agronegócio brasileiro, onde 42% de toda a perda de vegetação nativa do país e 75% do desmatamento do Cerrado ocorreu em 2024, segundo o RAD 2024.

Inauguração da Maior Biorrefinaria de Etanol de Milho da América Latina

O auge da expansão econômica de Balsas ocorreu em agosto, com a inauguração da maior biorrefinaria de etanol de milho da América Latina, a primeira no Nordeste. A usina da empresa Inpasa possui a capacidade de processar 2 milhões de toneladas de milho e sorgo anualmente, gerando 925 milhões de litros de etanol à base de grãos. Além disso, a unidade produz milhares de toneladas de produtos para nutrição animal e óleo vegetal. A prefeitura de Balsas registrou um crescimento de 33% no registro de empresas no primeiro semestre do ano, atraídas pela nova usina. A Inpasa, com suas torres imponentes na BR-230, apresenta-se como líder na transição energética, destacando a produção de combustível com baixo carbono e a emissão de 1,3 milhão de créditos de descarbonização pelo programa RenovaBio do governo federal. No entanto, ambientalistas temem que a nova usina aumente a pressão sobre o Cerrado, incentivando ainda mais desmatamento para a produção de biocombustíveis e outros derivados vegetais, exacerbando a crise da segurança hídrica regional.

Enquanto o agronegócio impulsiona a economia e a indústria em Balsas, diversas comunidades rurais persistem em condições precárias, sem acesso a água potável. Exemplos notáveis incluem Bacateiras e Angical, em São Félix de Balsas, a cerca de 200 km da cidade. A professora Maria de Lourdes Macedo Madeira, de 61 anos, relatou que a comunidade recebeu um poço artesiano da Diocese de Balsas, mas enfrenta obstáculos para instalar o equipamento. Assim, há sete décadas, os moradores continuam dependendo do Rio Balsas, transportando água em jumentos para suas necessidades diárias, inclusive para consumo e culinária, ressaltando a precariedade de suas condições.

Nascentes Ameaçadas e a Percepção dos Moradores

A reportagem percorreu mais de 300 km em Balsas, passando por extensas lavouras de monocultura e encontrando comunidades tradicionais que vivem no Cerrado maranhense há décadas. Elas testemunharam a chegada da agricultura mecanizada de grande escala nos anos 1990. Após 100 km de estrada de terra, atravessando fazendas a partir do povoado de Batavo, que marcou o início da colonização do sul baiano com apoio estatal, a equipe chegou ao Vão do Uruçu, no Alto Gerais de Balsas. Nesta região estão cerca de 50 nascentes do Rio Balsas. Ainda é possível encontrar porções de Cerrado nativo e cursos d’água cristalinos, mas o temor pelo futuro das águas é generalizado entre os habitantes. José Carlos dos Santos, agricultor familiar de 52 anos e morador da região desde bebê, vindo do Piauí, expressou: “Estamos vendo que a água está sumindo. O Cerrado está acabando e a gente está pedindo ajuda para quem vive dentro do Poder para que possam fazer algo pelo Cerrado, pela natureza”. Conhecedor da flora e fauna local, Zé Carlos mostrou nascentes do Rio Balsas que antes jorravam abundantemente, mas hoje secam fora do período chuvoso, alertando que o “rio está pedindo socorro” diante do avanço do desmatamento.

Ameaça Silenciosa: Pesquisas Confirmam Redução da Vazão de Rios

As observações dos moradores do Vão do Uruçu encontram respaldo em dados do Serviço Geológico Brasileiro (SGB), que monitoram cerca de 70% da rede hidrológica nacional. Sete rios do Piauí e Maranhão, incluindo o Parnaíba e o Balsas, demonstram uma queda sustentada na vazão desde os anos 1970. O hidrólogo do SGB, Cláudio Damasceno, explicou à Agência Brasil que, mesmo com a estabilidade das chuvas, “as vazões, tanto as mínimas quanto as médias e as máximas, estão numa tendência de diminuição”, alertando para problemas futuros. Paralelamente, um estudo da Ambiental Media, com base em informações da Agência Nacional de Águas (ANA), estimou que a Bacia do Parnaíba, onde se localiza o Rio Balsas, sofreu uma perda de 24% em sua vazão média ao longo de 40 anos. Em resposta, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional anunciou um investimento de R$ 995 milhões para revitalizar ambientalmente e promover a navegabilidade do Rio Parnaíba no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com obras previstas para iniciar ainda este ano.

O geógrafo Ronaldo Barros Sodré, professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), dedica-se ao estudo dos impactos do desmatamento no Cerrado maranhense e alerta para uma “crise hídrica silenciosa, mas crescente”. Para Sodré, a expansão da fronteira agrícola sobre o sul e leste do Maranhão tem levado ao desaparecimento de nascentes e à diminuição de cursos d’água, configurando uma situação preocupante para o equilíbrio hidrológico da região. Contudo, o professor acredita ser possível conciliar produção agropecuária com sustentabilidade hídrica, desde que sejam incorporadas práticas agroecológicas, como a integração lavoura-pecuária-floresta e o manejo de baixo impacto, incluindo as comunidades e povos tradicionais como “guardiões das águas” nesta governança territorial.

Desmatamento do Cerrado em Balsas e a Crise Hídrica do Matopiba - Imagem do artigo original

Imagem: agenciabrasil.ebc.com.br

“Passou a Boiada”: Conflito e Percepções do Agronegócio

Moradores dos Vãos do Uruçu e Uruçuí relatam que grandes fazendas estão assoreando nascentes para ampliar a produção. Paulo Antônio Rickli, um fazendeiro de 56 anos que chegou a Balsas em 1995, na fase inicial da expansão agrícola, é considerado um dos poucos que demonstra interesse na preservação. Rickli, que migrou do Sul do país, como muitos empresários da região do Matopiba, possui duas fazendas que somam quase 12 mil hectares, dedicadas à soja, milho, arroz e gado. Ele explica que a produção ocupa cerca de 55% da área devido às serras e à decisão de interligar as áreas de preservação, criando um “bloco grande para preservar as espécies, tanto vegetais quanto animais, quantos os cursos d’água”. Ao adquirir uma segunda fazenda no Vão do Uruçu, em 2016, Rickli observou que, infelizmente, “o pessoal veio com outra mentalidade, de aproveitar o máximo. Diminuiu muito o Cerrado de 2018 para cá. Passou a boiada”, referindo-se à polêmica declaração do ex-ministro Ricardo Salles (PL-SP), na época ministro de Jair Bolsonaro, sobre a flexibilização ambiental. Apesar de crer que a maioria dos fazendeiros respeita a legislação, ele expressa preocupação com o elevado número de licenças para desmatamento concedidas pelos órgãos estaduais nos últimos anos, questionando a falta de rigor na fiscalização.

O projeto “Tamo de Olho”, uma união de organizações ambientalistas, analisou cerca de 2 mil Autorizações para Supressão de Vegetação (ASV) emitidas pela Secretaria de Meio Ambiente do Maranhão. O estudo revelou que 51% delas sobrepunham-se a áreas de Reserva Legal (RL), Áreas de Proteção Permanente (APP), Unidades de Conservação (UCs) ou Terras Indígenas (TI) e quilombolas, com Balsas respondendo por quase metade dessas irregularidades. Debora Lima, secretária-executiva do Tamo de Olho e geógrafa, salientou que mesmo “dentro da legalidade, temos vários problemas com perda considerável do Cerrado maranhense”. Por outro lado, o secretário Pedro Chagas, da Secretaria de Meio Ambiente do Maranhão, não reconhece esses números e questionou a metodologia do estudo. Ele argumenta que alguns conceitos levantados estão “distorcidos” e que o órgão ambiental segue todas as legislações, com um rigoroso controle por imagens de satélite para autuar desmatamentos ilegais. Em setembro, o Ministério Público do Maranhão (MPMA) abriu 24 processos administrativos para investigar desmatamento e reparação de danos, a maioria (23) por supressão de vegetação nativa no Cerrado sem autorização, com casos de grande porte em Balsas, São Pedro dos Crentes e Tasso Fragoso, incluindo violação de embargos do Ibama.

Desenvolvimento Agropecuário x Prejuízos Ambientais: Pontos de Vista Contrastantes

Airton Zamingnan, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Balsas (Sindi Balsas), argumenta que os benefícios sociais e econômicos da atividade agrícola superam os “pequenos” prejuízos ambientais. Ele nega que o Rio Balsas esteja em risco e afirma que o setor respeita as leis, enfatizando a necessidade de fiscalização e punição para irregularidades. Zamingnan ressalta que apenas 3,9% da área do Maranhão é utilizada para plantio no sul do estado (cerca de 980 mil hectares), mas que o agronegócio beneficia mais de 1 milhão de pessoas. Ele citou o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Balsas, que quase dobrou entre 1990 e 2010 (de 0,347 para 0,687), demonstrando a transformação da “região mais pobre do estado mais pobre do Brasil” em uma área com índices próximos aos do Centro-Oeste. O produtor de soja e milho também lamentou a pressão de grupos ambientalistas, sugerindo que muitas ONGs são usadas como “instrumento para prejudicar a concorrência” do agronegócio brasileiro, financiadas por entidades estrangeiras que não aplicam as mesmas exigências aos EUA. O projeto “Adote uma Nascente” da Aprosoja MA e Codevasf é uma das iniciativas mencionadas por ele para preservar os cursos d’água, embora a Codevasf admita a falta de recursos para o acompanhamento e recuperação pós-intervenção em áreas remotas.

A “Ilusão de Desenvolvimento” e o Lamento das Comunidades

Em oposição, comunidades tradicionais, ambientalistas, pesquisadores e movimentos sociais denunciam o alto custo ambiental do atual modelo do agronegócio, que classifica o Cerrado como “bioma de sacrifício”. Atualmente, 51% do Cerrado ainda possui vegetação nativa, com quase metade desse remanescente concentrado no Matopiba, a região com maior taxa de desmatamento no Brasil. Especialistas alertam que essa tendência coloca em risco a segurança hídrica nacional. Francisca Vieira Paz, presidente da Associação Camponesa (ACA) do Maranhão, atua na defesa de povos e comunidades tradicionais envolvidas em conflitos por terra e água. Para ela, o agronegócio gera uma “ilusão de desenvolvimento”, pois os benefícios não atingem a todos, resultando em um modelo “excludente e insustentável”. Francisca, que defende os direitos humanos e de acesso à terra desde os 16 anos, foi expulsa de suas terras na infância e atualmente também atua no Comitê de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH), ligado à Diocese de Balsas.

A Visão da Igreja e dos Órgãos Públicos

Dom Valentim de Menezes, bispo da Diocese de Balsas desde 2020, que se inspira no padre defensor dos direitos humanos Óscar A. Romero, denuncia a expansão da monocultura pela “grilagem” de terras e a expulsão de povos. Para ele, o agro chega com um “engodo de um progresso sem sustentabilidade”, gerando conflitos com a Igreja. Dom Valentim lidera um projeto de plantar 8 milhões de mudas até 2028, como tentativa de recuperar o Cerrado, apesar da falta de apoio de outras instituições. A secretária de Meio Ambiente de Balsas, Maria Regina Polo, reconheceu a preocupação com o problema hídrico, ponderando, contudo, o tamanho do município e a legalidade da maioria do desmatamento permitido por lei (até 80% em propriedades no Cerrado). Para ela, o agronegócio é um “caminho sem volta”, que gerou emprego e renda, e a solução é torná-lo sustentável. O secretário de Meio Ambiente do Maranhão, Pedro Chagas, reforça a preocupação com a segurança hídrica e a fiscalização do desmatamento ilegal, defendendo que o desafio é equilibrar crescimento econômico com sustentabilidade. Um estudo do Ambiental Media indica que o Cerrado perdeu 27% da vazão dos rios nas seis principais bacias da região entre 1970 e 2021, atribuindo 56% a esse desmatamento e 43% às mudanças climáticas.

As complexidades do avanço do agronegócio no Maranhão evidenciam um embate contínuo entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. Enquanto Balsas colhe frutos do progresso no campo, o **desmatamento do Cerrado em Balsas** impõe um desafio crucial à sustentabilidade e à segurança hídrica. A divergência de visões entre produtores rurais, ambientalistas e governos aponta para a urgência de soluções que harmonizem as necessidades econômicas com a proteção de um bioma vital para o equilíbrio hídrico do Brasil. A questão, portanto, não é apenas local, mas nacional, impactando diretamente o futuro do abastecimento de água no país.

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Crédito da imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

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