Abalada e determinada, Tauã Brito, de 36 anos, confeiteira, denuncia publicamente a execução de seu filho Wellington, de apenas 20 anos, durante uma letal operação policial que ocorreu no dia 28 de novembro nos Complexos da Penha e do Alemão, na cidade do Rio de Janeiro. O jovem foi uma das 121 vítimas fatais da ação, classificada como a mais mortífera já registrada no estado. Além da profunda dor da perda, Tauã expressa um forte apelo por políticas públicas direcionadas à juventude das comunidades, visando prevenir que outros jovens trilhem o mesmo destino.
A intervenção, conhecida como Operação Contenção, mobilizou 2,5 mil agentes policiais. Os números e o cenário de violência reabriram feridas e reacenderam discussões sobre a abordagem das forças de segurança em áreas de favela. Diante de tais eventos, organizações de defesa dos direitos humanos e movimentos sociais qualificaram a operação como chacina e massacre, demandando uma investigação imparcial e profunda sobre as mortes ocorridas.
Mãe denuncia execução e pede políticas após operação no RJ
A Agência Brasil encontrou Tauã Brito na residência de um familiar, na zona norte carioca. Durante a conversa, ela rememorou os últimos contatos com Wellington e detalhou a angustiante descoberta de seu corpo, com as mãos amarradas e uma perfuração por faca, além de um tiro na cabeça. A mãe questiona veementemente a atitude das autoridades. “Se um policial foi capaz de alcançar e imobilizar meu filho, amarrando seus braços, era porque ele não representava mais perigo. Por que, então, ele não foi detido e levado preso? Não existe pena de morte no Brasil. Quando não há perigo, a prisão é o caminho legal”, afirmou Tauã, que enfrenta um fluxo de mensagens hostis e classifica o episódio como um verdadeiro massacre.
Tauã, uma mãe solo na maior parte da vida de Wellington, teve o filho aos 15 anos. Deixou a casa dos pais e conviveu com o pai da criança por sete anos. Após a separação, criou Wellington com a ajuda da própria mãe, em uma residência modesta localizada no Complexo da Penha. Com dedicação incansável, trabalhou como garçonete, vendedora de chips de celular e doces, garantindo que o filho concluísse o Ensino Médio. Wellington chegou a ser contratado como jovem aprendiz em um supermercado entre seus 14 e 15 anos.
“Wellington era uma criança repleta de afeto, muito brincalhona. Dormia na cama com a avó até completar 7 anos. Ele sempre demonstrou ser calmo, dedicado aos estudos e, sim, muito namorador. Sempre tinha uma nova namorada”, relembra a mãe com carinho, sorrindo diante da memória. “Hoje, muitas meninas estão compartilhando fotos dele nas redes sociais. Meu filho era lindo”, complementa, com uma ponta de orgulho e dor.
A lembrança carinhosa se estende à sua filha de sete anos, irmã mais nova de Wellington, que também participou da entrevista. Enquanto Tauã folheava o celular, mostrando vídeos dos irmãos passeando de moto pela comunidade, gravando “dancinhas” para as redes sociais ou jogando dominó antes de dormir, a menina compartilhou suas recordações. “Eu adorava brincar com meu irmão, ir tomar açaí e dar umas voltas de moto. Nós fazíamos muitas coisas juntos”, confessou.
Tauã descreveu a convivência familiar como unida, destacando que Wellington sempre voltava para casa à noite e que todos frequentavam a igreja e celebrações religiosas juntos. No entanto, com a chegada da adolescência, a mãe começou a sentir apreensão ao perceber o filho sendo atraído pelo tráfico de drogas. “Eu insisti muito com ele, dizendo ‘pelo amor de Deus, meu filho, vamos sair daqui, vamos morar com minha avó, em Rio das Ostras [uma cidade na Região dos Lagos do Rio de Janeiro]’, mas ele se recusava a ir”.
Na madrugada do dia da operação, por volta das 2h da manhã, Tauã iniciou uma intensa comunicação com Wellington. “Na verdade, eu pedi, eu implorei para ele não sair de casa, mas não consegui impedi-lo”. A troca de mensagens perdurou pela madrugada, com a mãe suplicando para ajudar e sugerindo a rendição, inclusive indicando a leitura do Salmo 91. Contudo, o tempo se esgotou rapidamente. Ao amanhecer, Wellington estava na região da Serra de Misericórdia, na mata, onde agentes do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar haviam criado uma barreira, impedindo tanto a entrada de moradores quanto a fuga de quem estava ali. Sem obter mais respostas do filho, Tauã tentou se aproximar do local, mas foi barrada por policiais envolvidos na Operação Contenção.
À noite, como já havia relatado em entrevista à TV Brasil, Tauã dirigiu-se ao Hospital Estadual Getúlio Vargas, para onde os primeiros corpos das vítimas foram encaminhados. Ela implorou a ajuda da imprensa para conseguir adentrar a mata sem a ameaça de ser alvejada pelos policiais, mas seu apelo não foi atendido. Somente após a saída dos policiais, Tauã e o pai de Wellington conseguiram subir para a mata. Utilizando a luz de seus celulares, eles procuraram pelo jovem. Por volta da 1h da manhã, Wellington foi encontrado entre outros corpos, com os punhos amarrados, um corte de faca no braço e um tiro na cabeça.
“Gente, eu nunca disse que meu filho era correto em suas ações. Eu sempre falava para ele: ‘abençoo sua vida, mas não o que você faz’. Nunca aprovei suas escolhas, nunca usei o dinheiro dele para nada. Eu sequer sei quanto ele ganhava. Sempre me dediquei aos meus trabalhos em restaurantes, fazia bicos de garçonete em pagodes, sempre fui atrás do meu próprio sustento”, desabafou Tauã.
“Eu não apoiava o que ele fazia, mas ele tinha o direito de se entregar, de ser preso”, lamentou a mãe. Tauã velou o corpo de Wellington na madrugada e manhã da quarta-feira (29). Naquele mesmo dia, aproximadamente 80 corpos foram retirados da mata e enfileirados por moradores na Praça São Lucas, no Complexo da Penha. A cena evocava dolorosas lembranças da Chacina de Vigário Geral, ocorrida há 30 anos e que tirou a vida de 21 pessoas.
A mãe fez duras críticas ao governador do Rio, Cláudio Castro. “O governador afirmou que esta foi uma operação bem-sucedida. Bem-sucedida para quem? O que, de fato, mudou aqui dentro da comunidade? Será que sua plataforma política se resume a oferecer corpos?”, questionou Tauã. “Se o governador tivesse dito: ‘Olha, a polícia agiu, resultou em cento e poucos mortos, mas em contrapartida, estou oferecendo isso para vocês, para os jovens terem uma nova oportunidade na vida, estou injetando recursos’. Mas nada disso ocorreu. Ele entrou, matou e acabou. Não há nada para aqueles que ficaram, para quem presenciou o estado dos corpos no chão. Estávamos na porta do IML e vimos dois ônibus da polícia zombando das famílias, rindo e aplaudindo”, denunciou, consternada.
Dignidade negada: descaso na liberação dos corpos e investigação deficiente
Tauã também expôs o descaso na remoção dos corpos, que permaneceram por várias horas na comunidade, e as dificuldades no processo de identificação no Instituto Médico Legal (IML). Ela defende que os corpos deveriam ter sido distribuídos por outros IMLs do estado e tratados com o devido respeito e dignidade. “Os corpos ficaram expostos na mata e sob o sol por horas. Na quarta-feira, a Defesa Civil demorou a vir retirá-los. Consequentemente, muitos corpos já apresentavam estado de decomposição. Depois de saírem daqui, ao chegarem no IML, ficaram no chão, do lado de fora, por muitas horas após a morte”, detalhou.
Diante da chocante situação, Tauã foi forçada a alterar os planos para o funeral de Wellington. “Eu tinha o desejo de ver meu filho, de me despedir dele, mas foi preciso que o caixão ficasse fechado. Pedi para abrirem, mas quando vi, pedi para fechar imediatamente”, revelou. Mesmo sem ter conseguido retornar para casa, Tauã reuniu forças para se manifestar publicamente sobre o ocorrido, com o objetivo de defender a vida. Em sua perspectiva, falta oferta de oportunidades e implementação de políticas públicas eficazes para a juventude das favelas, ao mesmo tempo em que a violência e a morte predominam. Ela busca transformar o luto em um ato de denúncia, na esperança de que as circunstâncias da letalidade na Operação Contenção sejam devidamente esclarecidas e que outros jovens não se deixem seduzir pelo crime organizado.
“Minha batalha pessoal pode ter chegado ao fim com essa perda, mas muitas mães ainda clamam por socorro para seus filhos, e minha luta se estenderá também por elas”, explicou. “Eu quero, de fato, falar sobre minha dor, sobre o que aconteceu naquele dia, sobre o direito que me foi negado, o direito de eu poder ajudar meu filho a ser preso, porque, em breve, tudo isso poderá ser esquecido. Mas existem muitos outros ‘Wellingtons’ e muitas mães que precisam ser ouvidas e ter suas histórias contadas”, concluiu Tauã Brito.
Reação do governo e contraposição das entidades de direitos humanos
Em coletivas de imprensa realizadas durante a semana, autoridades de segurança pública do governo do Rio de Janeiro consideraram a Operação Contenção um sucesso. Elas afirmaram que os indivíduos que se entregaram foram prontamente presos e alegaram que as mortes ocorreram em confrontos, quando os falecidos tentaram atentar contra a vida dos policiais. A operação, segundo eles, visava cumprir cerca de 100 mandados de prisão e 180 de busca e apreensão. As autoridades mencionaram que o conflito foi estrategicamente deslocado para a área de mata, onde a maioria das mortes se deu, com o objetivo de proteger os moradores dos complexos de favelas, que seriam o quartel-general do Comando Vermelho.
O governador Cláudio Castro chegou a afirmar que as únicas vítimas reais da operação foram os quatro policiais que perderam suas vidas. Por sua vez, o secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, declarou que a ação foi minuciosamente planejada, mas que “o resultado quem escolheu foram eles”, referindo-se aos indivíduos mortos. “Chacina é a morte ilegal. O que fizemos ontem foi uma ação legítima do Estado para cumprimento de mandados de apreensão e prisão”, sentenciou o secretário.
Contrariamente à versão oficial, entidades de defesa dos direitos humanos e movimentos de favelas prontamente classificaram a ação como “chacina” e “massacre”. Essas organizações exigem que a investigação dos eventos seja conduzida de forma completamente independente, visando a plena elucidação das mortes e a responsabilização dos envolvidos. Essa dicotomia de narrativas sublinha a profunda tensão existente entre o Estado e a sociedade civil em relação à violência policial no Rio de Janeiro. Para mais informações sobre a realidade da segurança pública e os desafios no combate à violência em centros urbanos brasileiros, consulte relatórios especializados de organizações como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Confira também: Imoveis em Rio das Ostras
A tragédia da Operação Contenção e a coragem de Tauã Brito ao denunciar a execução do filho Wellington evidenciam a necessidade urgente de uma reflexão aprofundada sobre as práticas de segurança pública e a implementação de políticas eficazes que ofereçam esperança e oportunidades aos jovens em comunidades vulneráveis. Sua voz é um chamado poderoso por justiça e humanidade, ecoando um clamor por uma sociedade onde a vida seja sempre preservada. Continue acompanhando a cobertura completa em nossa editoria de Política para se manter informado sobre as discussões e avanços neste cenário complexo.
Crédito da imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil

