Barreiras no Diagnóstico de Demência Dificultam Cuidado Eficaz

Economia

O diagnóstico de demência enfrenta diversos desafios que atrasam o acesso ao tratamento adequado e à melhoria da qualidade de vida de pacientes e seus cuidadores. Considerada uma das principais causas globais de incapacidade, a demência projeta um crescimento alarmante, com previsões de que as doenças mentais figurem entre os três maiores grupos de enfermidades na América Latina até o ano de 2050. No contexto brasileiro, uma preocupante estatística revela que cerca de 80% das pessoas vivendo com alguma forma de demência sequer possuem um diagnóstico formal, impedindo o início oportuno das intervenções necessárias.

Apesar da evidente urgência, o caminho para o diagnóstico e tratamento ainda é permeado por iniquidades, dependendo largamente da localização geográfica do paciente no país. A afirmação é de Cleusa Ferri, renomada professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e integrante ativa do Comitê de Políticas Públicas sobre Demência do Ministério da Saúde. Em sua participação no Summit Saúde e Bem-Estar, promovido pelo jornal Estadão, Ferri enfatizou a imperatividade de um maior preparo dos profissionais da área de saúde, para que identifiquem sinais de questões cognitivas durante consultas rotineiras, que vão além de outras condições clínicas como a hipertensão arterial.

Barreiras no Diagnóstico de Demência Dificultam Cuidado Eficaz

Um dos motivos preponderantes para o subdiagnóstico está na formação inadequada dos profissionais de saúde. A ausência de capacitação específica leva a que muitos indivíduos com demência sejam acompanhados unicamente por outras comorbidades, como diabetes ou hipertensão, sem que a dimensão cognitiva de seu quadro clínico seja devidamente investigada. Esta falha no reconhecimento dos primeiros sinais faz com que pacientes, não alertados, interpretem sintomas como esquecimento ou alterações comportamentais como um processo natural e inevitável do envelhecimento, o que não corresponde à realidade e retarda ainda mais a busca por auxílio.

A lacuna na educação formal foi igualmente ressaltada por Claudia Suemoto, professora de geriatria na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Ela revelou ter recebido uma formação extremamente limitada sobre o tema, com apenas duas horas de aula dedicadas à demência durante todo seu treinamento acadêmico. Suemoto defende um aprimoramento substancial na grade curricular dos cursos de graduação e a implementação de programas de formação continuada. Ela especificou que esse investimento é crucial para médicos de família, cardiologistas e ginecologistas, que frequentemente atendem a população idosa e, por isso, detêm uma posição estratégica na detecção precoce.

Adicionalmente às percepções culturais e à deficiência na formação, o próprio avanço científico relacionado à enfermidade representa um desafio. Eduardo Zimmer, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e apoiado pelo Instituto Serrapilheira, esclareceu que o diagnóstico da demência permanece complexo, mesmo com os avanços recentes. Embora exames auxiliares de alta tecnologia, como os marcadores biológicos, já tenham sido aprovados pela Anvisa para uso no Brasil, eles ainda possuem um custo elevado, o que restringe sua disponibilidade no Sistema Único de Saúde (SUS), responsável pela maior parte da assistência médica do país, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Apesar das barreiras atuais, Zimmer compartilhou uma perspectiva animadora: uma tendência global crescente de desenvolvimento de testes sanguíneos inovadores. Estes novos exames prometem ser significativamente mais acessíveis, revolucionando o processo de identificação da demência ao tornar o diagnóstico muito mais fácil. Apesar da necessidade de um período de amadurecimento para que esses avanços cheguem à ponta, o panorama geral da evolução dos diagnósticos é positivo, indicando um futuro com maiores possibilidades para pacientes.

Para além das limitações estruturais e científicas, existe um entrave mais insidioso: o estigma social. Elaine Mateus, presidente da Federação Brasileira das Associações de Alzheimer (Febraz), enfatizou que o estigma atravessa profundamente a sociedade. Diante de alterações na memória ou no comportamento, há uma forte tendência a normalizar esses sinais como parte inerente à velhice. Essa percepção contribui para um cenário de medo, preconceito e, muitas vezes, negligência em relação à condição. Mateus critica o discurso biomédico dominante na demência, que muitas vezes define a doença a partir de perdas, um declínio neurocognitivo crônico e sem cura.

Em vez disso, a presidente da Febraz sugere uma nova ótica, pela qual a demência poderia ser definida como uma condição que, apesar dos desafios, possibilita percursos viáveis e a manutenção da qualidade de vida. Ela também salientou a existência e a eficácia comprovada de tratamentos não medicamentosos, os quais, infelizmente, recebem menor reconhecimento. Terapias focadas em aspectos motores, sociais e afetivos demonstram efeitos expressivos e podem fazer uma diferença notável na vida dos pacientes. Nesse contexto, um diagnóstico realizado precocemente é a chave para que os indivíduos afetados possam acessar essas abordagens terapêuticas no momento mais adequado, otimizando seus benefícios.

No Brasil, um avanço significativo ocorreu no ano passado com a sanção da Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências. Contudo, para Cleusa Ferri, a fase crítica agora reside em transformar a lei em realidade prática. A professora ressalta que o SUS já realiza um trabalho extenso no cuidado a idosos e na provisão de cuidados paliativos. A urgência está em integrar essas ações de maneira eficaz, englobando a prevenção, o diagnóstico e o atendimento contínuo, não só para os pacientes, mas também para seus familiares e cuidadores. Ferri defende veementemente um investimento contínuo e a instauração de uma governança intersetorial como pilares para a efetivação da lei. A esperança é que recursos e estrutura adequados sejam garantidos para que esta política possa ser plenamente implementada em todo o território nacional.

Os participantes do painel do Summit Saúde e Bem-Estar convergiram sobre um ponto fundamental: grande parte dos casos de demência poderiam ser evitados ou ter seu aparecimento adiado. Claudia Suemoto destacou que a eliminação de 14 fatores de risco conhecidos – entre eles, tabagismo, sedentarismo, hipertensão e baixa escolaridade – teria o potencial de prevenir aproximadamente metade dos casos de demência em âmbito mundial. A baixa escolaridade é identificada como o fator de risco de maior impacto, reiterando a importância da educação como uma das mais eficazes estratégias de prevenção da doença. A combinação de diagnóstico precoce, a integração de diversos tratamentos e a implementação de políticas públicas consistentes emergem como os caminhos propostos pelos especialistas para alterar o curso da demência no Brasil. Conforme a conclusão de Elaine Mateus, quando há a expectativa de uma vida digna, mesmo que não haja cura, o medo do diagnóstico é significativamente menor, qualquer que seja a condição identificada.

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Em síntese, superar as barreiras no diagnóstico de demência, incluindo a deficiência na formação profissional e o estigma social, é essencial para garantir o cuidado adequado no Brasil. A implementação efetiva da Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Demência, juntamente com o foco na prevenção de fatores de risco, pode transformar a realidade dos pacientes. Continue acompanhando as novidades e análises aprofundadas sobre saúde e bem-estar em nosso portal. Para aprofundar seu conhecimento sobre desafios sociais e de saúde no país, explore outras análises em nosso portal.

Crédito da imagem: Estadão