Apesar do cenário positivo de emprego e renda recorde no Brasil, o país enfrenta um desafio silencioso, porém custoso: o desengajamento no trabalho. Uma nova pesquisa revela que o índice de engajamento atingiu o patamar mais baixo em três anos, com 61% dos profissionais declarando-se desmotivados em suas funções. Essa desconexão, que não é facilmente perceptível em números macroeconômicos, gera um custo significativo para o setor corporativo, estimado em R$ 77 bilhões, resultado direto da perda de produtividade e dos gastos associados à alta rotatividade de funcionários.
Os dados são da terceira edição da pesquisa “Engaja S/A”, um levantamento nacional de engajamento promovido pela Flash, em parceria com a renomada FGV EAESP. O estudo ouviu 5.397 trabalhadores em todas as regiões do país, oferecendo uma visão aprofundada sobre as percepções e níveis de satisfação dos profissionais em relação ao seu ambiente de trabalho.
Desengajamento no Trabalho: Custo de R$ 77 Bilhões Desafia Empresas
Os indicadores revelados pela pesquisa acendem um alerta para o panorama empresarial. Conforme o levantamento, a proporção de 61% de profissionais desmotivados não é o único dado preocupante. O custo total do desengajamento, com base em cenários distintos, projeta perdas que vão desde R$ 64,3 bilhões em um cenário otimista, passam pelos mencionados R$ 77 bilhões no quadro realista e chegam a alarmantes R$ 89,6 bilhões em uma perspectiva pessimista. Esse montante representa uma perda estimada de 0,66% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, destacando a magnitude do problema no panorama econômico brasileiro.
Adicionalmente, o estudo aponta que, pela primeira vez em sua série histórica, a dimensão “Remuneração e Benefícios” deixou de ser a área mais crítica para o engajamento dos trabalhadores, sinalizando uma mudança nas prioridades dos profissionais. Em contrapartida, os benefícios flexíveis emergem como a terceira prática com maior capacidade de engajar profissionais, indicando uma busca crescente por modelos personalizados e adaptáveis às suas necessidades individuais. A saúde mental também figura como um aspecto preocupante: 18% dos entrevistados relatam lidar com sintomas negativos diariamente. Reflexo desse desalento, seis em cada dez trabalhadores ponderam sobre a possibilidade de pedir demissão.
Transformações no Cenário Corporativo e Impactos na Motivação
Cinco anos após o surgimento da pandemia de Covid-19, um período que impulsionou a adoção de modelos flexíveis de trabalho e acendeu a preocupação com a saúde e o bem-estar dos colaboradores, o ambiente corporativo de 2025 apresenta novas facetas. Observa-se um aumento na rigidez e na pressão por resultados e produtividade, fatores intensificados por um contexto macroeconômico mais volátil e pelo avanço constante da inteligência artificial nas organizações.
No âmbito macroeconômico, a política de juros elevados resultou em uma estagnação da economia. Conforme dados recentes do Poder360, essa política impactou diretamente a capacidade de consumo. Embora a inflação demonstre sinais de arrefecimento, ela já corroeu parte significativa da renda dos trabalhadores, exacerbando as tensões existentes. Para os especialistas responsáveis pelo índice “Engaja S/A”, esses fatores contribuíram para a fragilização do contrato psicológico entre empresas e profissionais. Um crescente descompasso entre as expectativas individuais dos colaboradores e o que as organizações oferecem em termos de cultura e ambiente de trabalho se estabelece.
O professor Renato Souza, da FGV EAESP e coautor da pesquisa, discorre sobre a complexidade da motivação, dividindo-a em fatores intrínsecos e extrínsecos. Os elementos extrínsecos, como remuneração e benefícios, apesar de não garantirem um engajamento elevado, quando ausentes, podem alimentar a insatisfação. Já os fatores intrínsecos — aprofundados pela dimensão simbólica do trabalho e a busca por propósito — revelaram-se decisivos. A pesquisa destaca que o significado do trabalho e a construção de um ambiente positivo foram os elementos que mais influenciaram o engajamento, superando os incentivos financeiros. Curiosamente, 44% dos entrevistados afirmaram satisfação com seus salários e incentivos, três pontos percentuais acima do índice de 2023, ano que registrou o ponto mais baixo da série histórica. Esse cenário sugere que, em um mercado com renda em ascensão e quase pleno emprego, a insatisfação se desloca para questões mais existenciais e de realização profissional.
O Desafio do Presenteísmo e a Queda de Engajamento nas Lideranças
Renato Souza elucida que o desengajamento é sustentado por fatores como baixa autonomia — que diminui a percepção de impacto e propósito no trabalho —, pouca flexibilidade, impactando diretamente a saúde mental, e tempo reduzido para projetos pessoais, evidenciando um desequilíbrio alarmante entre a vida pessoal e a profissional.
Um fenômeno revelado pelo estudo é o “presenteísmo”, condição em que o profissional está fisicamente no ambiente de trabalho, mas sua performance está aquém do esperado devido à desmotivação. Conforme os resultados, 22% dos trabalhadores ativamente desengajados reportam perder mais de cinco horas de trabalho por dia. O impacto financeiro desse problema é substancial, estimado em R$ 6 bilhões, calculado com base nas horas improdutivas diárias, considerando os diferentes níveis hierárquicos e seus salários médios. É importante frisar que este é um dado autodeclarado pelos próprios trabalhadores, refletindo uma percepção interna da falta de produtividade, independentemente do modelo de trabalho (presencial, híbrido ou remoto), e sem incluir tempos de espera por outras equipes ou relatórios, que fazem parte do cotidiano organizacional.
A pesquisa aponta que a desmotivação não se restringe aos colaboradores de base; o engajamento entre as lideranças sofreu a maior queda no último ano. Esse declínio nas camadas mais altas da hierarquia organizacional pode desencadear um “efeito cascata”, onde líderes desmotivados enfrentam maiores dificuldades para inspirar e engajar suas equipes. Este é um dado curioso, visto que líderes geralmente desfrutam de maior autonomia decisória, um dos fatores associados à satisfação profissional. A volatilidade do cenário macroeconômico e os desafios impostos aos negócios podem explicar, segundo a pesquisa, o surgimento desses indicadores negativos. Executivos relatam um aumento nos sintomas de insônia, fadiga, ansiedade e tensão, revelando um acentuado cansaço. Souza destaca que também há sinais de falta de perspectiva de crescimento, perda de entusiasmo e questionamentos sobre o propósito do próprio trabalho. Setenta e oito por cento dos executivos e líderes intermediários sofrem com algum nível de ansiedade, e 74% da alta e média gerência relatam fadiga. Esses dados indicam que aqueles que deveriam ser a força motriz para o engajamento do restante da organização estão lutando para manter sua própria motivação.
Soluções para Resgatar o Engajamento e Reverter Prejuízos
Para os pesquisadores, a reversão do cenário atual de desengajamento exige um esforço multifacetado. Diversos caminhos são apontados:
- Investimento em motivação: Os bilhões perdidos em desengajamento, presenteísmo e turnover (rotatividade) servem como um incentivo para as empresas investirem em estratégias que engajem seus funcionários, visando equilibrar suas finanças.
- Ressignificação da relação com o trabalho: A pesquisa destaca que a percepção de propósito e significado no trabalho é um ponto crítico que impacta o engajamento. Oferecer mecanismos que aumentem a autonomia e o reconhecimento dos profissionais pode ser uma solução.
- Cuidado com a liderança: Líderes também necessitam de atenção, pois apresentam altos índices de esgotamento e tensão. A pesquisa alerta para o risco de um colapso daqueles que são responsáveis por manter a motivação de toda a equipe.
- Mais flexibilidade e menos rigidez: Se flexibilidade e benefícios personalizados são os maiores impulsionadores do engajamento, as empresas precisam questionar a eficácia de treinamentos formais e processos de avaliação padronizados. Transformar as práticas de gestão, sem a necessidade de investimentos complexos, é fundamental para alinhar expectativas e resultados.
- Promoção de propósito e significado: Ações que promovam maior reconhecimento dos colaboradores podem combater a sensação de falta de propósito, que se tornou um dos maiores fragilizadores do engajamento.
- Ações de retenção em um mercado aquecido: Com a padronização salarial em diversas indústrias, o engajamento se torna um diferencial competitivo crucial. Dimensões subjetivas, como propósito, bem-estar e autonomia, são agora fatores decisivos para a retenção de talentos nas empresas.
Engajamento por Nível Hierárquico: Avaliações Detalhadas
O estudo “Engaja S/A” também esmiuçou as percepções sobre engajamento de acordo com os níveis hierárquicos, analisando diferentes dimensões em uma escala de 1 a 5 (onde 1 é discordo totalmente e 5 é concordo totalmente). Essa segmentação permite identificar prioridades e desafios específicos para cada grupo:
Líderes
Para os líderes, a camaradagem (4,36), os relacionamentos (4,28) e a confiança nas decisões da liderança (4,27) foram os atributos mais bem avaliados. O fit com o perfil (4,27) e a valorização das opiniões (4,26) também obtiveram altas pontuações. Em contrapartida, os atributos mais mal avaliados foram a mobilidade interna (4), os bônus e a remuneração variável (4), a cultura de feedback e coaching (3,98), o apoio à neurodiversidade (3,97) e o tempo para projetos pessoais (3,63).
Média Gerência
Os gerentes intermediários priorizam a camaradagem (7,36), o fit com perfil (4,16), os relacionamentos (4,13), um ambiente aberto, diverso e igualitário (4,09) e o impacto de seu trabalho (4,05). Por outro lado, a cultura de feedback e coaching (3,68), os benefícios financeiros (3,67), a mobilidade interna (3,59), os bônus e a remuneração variável (3,54) e o tempo para projetos pessoais (3,2) foram as dimensões com piores avaliações.
Colaboradores
Na base, a camaradagem (4,14) é o ponto de maior engajamento, seguida por um ambiente aberto, diverso e igualitário (3,92), fit com o perfil (3,89), relacionamentos (3,85) e o impacto do trabalho (3,68). Os colaboradores expressam maior insatisfação com a capacitação e desenvolvimento (3,14), a valorização do colaborador (3,11), a mobilidade interna (3,05), os bônus e a remuneração variável (2,98) e, novamente, a falta de tempo para projetos pessoais (2,95).
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Em síntese, o panorama do desengajamento no Brasil vai além das métricas tradicionais de emprego e renda, revelando um prejuízo oculto substancial para as empresas e um impacto significativo no bem-estar dos profissionais. Compreender e endereçar as mudanças nas prioridades dos trabalhadores – com foco em propósito, flexibilidade e valorização da liderança – é fundamental para reverter essa tendência. Continue acompanhando as notícias sobre Economia e os desafios do mercado de trabalho em nossa editoria para ficar por dentro das últimas análises e tendências.