Uma nova consulta cripto BC foi lançada recentemente pelo Banco Central, delineando um arcabouço de regras prudenciais destinado à exposição de instituições a ativos digitais. O movimento, apesar de ser amplamente visto como positivo e promotor de segurança para o mercado financeiro brasileiro, deve implicar em um aumento nos custos operacionais para diversas empresas, especialmente aquelas de menor porte, conforme apontado por advogados especializados que analisaram o texto da Consulta Pública 126.
O anúncio da proposta, feita ontem, já vinha sendo antecipado por parte do setor. Tatiana Guazzelli, sócia do prestigiado escritório Pinheiro Neto Advogados, comentou que as diretrizes estabelecidas pelo Banco Central seguem de perto as recomendações emanadas pelo Comitê de Basileia, órgão internacional de padronização da regulamentação bancária. Para as companhias que já estavam atentas às normativas globais, a consulta não deve causar surpresa. No entanto, para aquelas que ainda não haviam se alinhado, é provável que haja uma recalibragem das projeções de custos, indicando a necessidade de adaptações significativas.
BC Propõe Regras para Criptoativos, Gerando Segurança e Custos
A iniciativa do Banco Central não só promove maior segurança jurídica, mas também segmenta o vasto universo dos criptoativos em quatro categorias distintas, conforme seu nível de risco inerente, variando do menor (1A) ao maior (2B). Essa categorização visa estabelecer tratamentos regulatórios diferenciados, permitindo uma gestão de capital mais calibrada e robusta para as instituições financeiras. A proposta se insere em um contexto mais amplo de esforços globais para regular o crescente mercado de ativos digitais. Para aprofundar nas discussões internacionais sobre o tema, visite o site do Banco de Compensações Internacionais, que divulga as recomendações do Comitê de Basileia.
No Subgrupo 1A, estão inclusos os tokens que substituem ativos tradicionais, comumente denominados como ativos tokenizados ou tokens de renda fixa. Estes representam uma digitalização de ativos já existentes no mercado financeiro convencional. Em seguida, o Subgrupo 1B é composto pelos ativos virtuais com mecanismos de estabilização, amplamente conhecidos como stablecoins, que buscam manter seu valor atrelado a moedas fiduciárias ou outros ativos de menor volatilidade.
A classificação avança para o Subgrupo 2A, que engloba os ativos digitais que, embora não se enquadrem nos critérios dos subgrupos 1A e 1B, ainda atendem aos requisitos para reconhecimento de hedge, ou seja, são utilizados para mitigar riscos de outros investimentos. Por fim, o Subgrupo 2B, considerado o de maior risco, abriga todos os criptoativos que não foram classificados nas categorias anteriores, sendo o Bitcoin (BTC) o exemplo mais notável desta classe, dada a sua volatilidade e ausência de lastro tradicional.
Para cada uma dessas categorias de ativos digitais, a consulta do BC propõe requisitos de capital regulatório distintos. No caso dos ativos do Subgrupo 1A, o tratamento de risco a ser aplicado será idêntico ao do ativo tradicional que eles representam. Isso significa que, por exemplo, a exposição a um token de recebível seguirá as mesmas regras de risco que seriam aplicadas ao próprio recebível original. Essa paridade busca alinhar o risco digital ao risco já conhecido no mercado tradicional.
Em contraste, os criptoativos classificados no Subgrupo 2B, que carregam o maior risco, estarão sujeitos a uma reserva de capital consideravelmente mais rigorosa. Para este grupo, o capital exigido será calculado multiplicando-se a posição detida no ativo por 12,5. Como exemplo prático, uma instituição financeira ou de pagamento que decida investir R$ 1 milhão em Bitcoin terá de manter um capital regulatório de, no mínimo, R$ 12,5 milhões. Apesar de ser percebida como uma medida severa por alguns, Guazzelli reforça que esta exigência já era esperada e prevista nas recomendações do Comitê de Basileia, evidenciando uma antecipação por parte das instituições que acompanham o cenário internacional.
Importante notar que essas novas diretrizes do Banco Central não afetarão diretamente as empresas que atualmente operam como tesourarias de Bitcoin no Brasil, a exemplo da OranjeBTC e da Méliuz. Isso se deve ao fato de que a Consulta Pública 126 abrange apenas instituições autorizadas e reguladas pelo próprio Banco Central, o que não é o caso dessas companhias na forma como atualmente estruturam suas operações com BTC em caixa. Diego Kolling, responsável pela estratégia de Bitcoin na Méliuz, esclarece que a empresa de cashback, após a venda do Acesso Bank ao BV em 2023 e com a aprovação do BC para essa transação, deixou de ser uma instituição regulada pela autarquia. Dessa forma, as novas regras não incidem sobre as operações da Méliuz, mas impactarão as entidades sob regulamentação direta.
Impactos Positivos e Desafios da Nova Regulamentação para Ativos Digitais
Os especialistas ouvidos pelo Valor destacam, contudo, os impactos positivos que a nova consulta pública trará para o ecossistema de criptoativos. Rodrigo Caldas Carvalho Borges, sócio do CBA Advogados, afirma que a normativa é um passo fundamental para integrar os criptoativos à estrutura de gerenciamento contínuo de riscos já estabelecida pela Resolução CMN nº 4.557/2017. Para ele, isso significa elevar a tokenização ao mesmo patamar de governança e controle já aplicável a outras exposições financeiras tradicionais.
Na perspectiva de Borges, a proposta do BC eleva a previsibilidade e a segurança jurídica tanto para bancos e custodiantes quanto para emissores de ativos digitais, sejam eles entidades que já atuam nesse segmento ou que planejam explorar o potencial da tokenização de instrumentos financeiros no futuro próximo. O ambiente regulatório mais claro e bem definido é visto como um catalisador para a adoção institucional dos ativos digitais.

Imagem: Divulgação via valor.globo.com
Alexandre Vargas, integrante da área de serviços financeiros do TozziniFreire Advogados, reitera essa visão otimista, avaliando que a proposta do Banco Central é um novo estímulo para a institucionalização e o amadurecimento da indústria de ativos tokenizados. O reconhecimento explícito da possibilidade de bancos e instituições financeiras incluírem essa classe de ativos em seus balanços é um marco significativo. Em paralelo à recente proposta da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para a revisão da Resolução CVM 88 – que visa permitir, entre outras coisas, a distribuição de ativos tokenizados em plataformas de investimento já tradicionais – a consulta do BC promete impulsionar ainda mais o crescimento e a credibilidade do setor de ativos digitais.
Por outro lado, o advogado Rodrigo Caldas Carvalho Borges também salienta que as regras propostas pelo Banco Central, embora benéficas em escala macro, estabelecem barreiras consideráveis para os players menores e as fintechs. Essas empresas terão de direcionar investimentos significativos em infraestrutura tecnológica, compliance prudencial e métodos robustos de mensuração de risco para atender a todas as exigências de classificação e reporte que se aproximam. Esse custo de adaptação pode se tornar um fator limitante para a entrada e permanência de pequenos participantes no mercado de criptoativos.
Um dos pontos cruciais da Consulta 126 reside na proibição de instituições classificadas como S5, que são caracterizadas por seu porte reduzido e atuação restrita, de ter qualquer tipo de exposição a ativos digitais. Tatiana Guazzelli explica que atualmente as instituições que, em virtude de seu tamanho, seriam enquadradas na categoria S4 (representando menos de 0,1% do PIB) podem optar por se integrar ao grupo S5. Essa escolha proporciona uma metodologia simplificada de gerenciamento de risco, aliviando o fardo regulatório.
Contudo, a possibilidade de estar na categoria S5 é opcional. Se uma instituição atualmente enquadrada nesse grupo desejar ter qualquer exposição a ativos digitais no futuro, ela será obrigada a migrar para a categoria S4. Essa mudança, porém, acarreta custos adicionais significativos para empresas que, por definição, já possuem recursos limitados. Este cenário afeta principalmente as Sociedades de Crédito Direto (SCDs), as Instituições de Pagamento (IPs) e, até então, existia a expectativa de que algumas Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (PSAVs) pudessem se enquadrar como S5. Agora, esses players precisarão adaptar seus sistemas contábeis para se conformar à nova realidade da categoria S4, um movimento que inevitavelmente implicará em um custo maior para a operação.
A previsão do Banco Central é que as novas regras entrem em vigor a partir de 1º de janeiro de 2027. Antes disso, haverá um período de transição que terá início em 1º de julho de 2026. A fase de consulta pública, durante a qual o mercado pode enviar suas contribuições e sugestões, se estende até 30 de janeiro de 2026, oferecendo tempo para um diálogo entre o regulador e os participantes do setor.
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Em síntese, a consulta cripto BC representa um passo decisivo do Banco Central para estruturar e dar mais segurança ao crescente mercado de ativos digitais no Brasil. Apesar dos potenciais desafios relacionados aos custos e às exigências para os players menores, a medida promete solidificar a base regulatória e fomentar a institucionalização dos criptoativos. Mantenha-se atualizado sobre o impacto dessa e de outras regulamentações financeiras em nossa editoria de Economia.
Crédito da imagem: Divulgação


 
						
