A Operação Contenção no Rio de Janeiro, iniciada na terça-feira, 28 de outubro de 2025, pelas polícias Civil e Militar do estado, resultou em mais de 120 óbitos na capital fluminense, provocando veementes condenações de organizações de direitos humanos e especialistas em segurança pública. Diversas entidades, com anos de estudo e atuação no cenário da segurança pública, manifestaram profunda preocupação com a metodologia e as consequências diretas dessa intervenção.
A Agência Brasil colheu depoimentos de importantes vozes do setor, que unanimemente apontam para falhas graves na abordagem policial. A operação, conforme as análises, ressurge uma estratégia violenta já familiar ao Rio de Janeiro, onde o confronto direto e letal é visto como principal forma de combate ao crime organizado, desconsiderando o impacto devastador nas comunidades já fragilizadas.
Operação Contenção: Letalidade e Desrespeito a Comunidades RJ
Para Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz, o modelo aplicado vitimiza diretamente moradores, interrompe serviços essenciais, coloca vidas em risco – especialmente a de crianças – sem atingir a essência das estruturas criminosas. Ricardo enfatiza que, mesmo com prisões de lideranças, o custo social imposto às comunidades é desproporcional e injusto, somando-se às carências cotidianas de acesso a direitos e serviços básicos.
A especialista ainda sublinhou que a Operação Contenção aparentemente desrespeitou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635. Esta normativa do Supremo Tribunal Federal (STF) estabelece diretrizes e exigências inadiáveis para o planejamento e execução de ações de segurança no estado, as quais foram, inclusive, alvo de críticas por parte do governador Claudio Castro na mesma semana em que a operação ocorreu. Falhas graves no planejamento, como o emprego de policiais sem a experiência necessária em cenários complexos, e a ausência de respeito a direitos básicos das vítimas, evidenciados pela brutalidade, também foram destacadas pela diretora do Instituto Sou da Paz. Ela reforça a necessidade de investigação individual de cada morte, defendendo que, “em um país sério, seria preciso analisar cada caso de morte para entender a situação específica”, mas já indica a violação de preceitos da ADPF 635 no conjunto das ações.
Ricardo argumenta que houve uma lacuna crítica no esforço para coibir a chegada de armamentos de alto calibre, como os usados pelos criminosos no confronto com as forças policiais. Adicionalmente, apontou a insuficiência de ações para desarticular as facções por meio do cerco às suas fontes de financiamento e esquemas de lavagem de dinheiro. Segundo sua análise, operações ostensivas e de alta letalidade deveriam ser a última etapa, precedida pelo enfraquecimento dessas organizações criminosas, um processo que, apesar de mais demorado, teria resultados mais sustentáveis, mas gera menor capital político imediato. A diretora associa essa tática à lógica política, que tem sido frequentemente empregada pelo governo Cláudio Castro no Rio de Janeiro e, infelizmente, reverbera de forma positiva para uma parcela da sociedade que “compra” a ideia de que esses resultados são eficazes, apesar de devastadores.
Outro ponto peculiar da operação foi a intensidade da reação do crime organizado, que, conforme Ricardo, surpreendeu a polícia tanto pela quantidade de armamento quanto pela extensão da resposta da facção. Para a pesquisadora, ambos os fatores sugerem que o planejamento da ação policial foi inadequado. Essa ação, inclusive, descumpriu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, um conjunto de medidas cruciais estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para o planejamento de operações de segurança, as quais o próprio governador Claudio Castro criticou recentemente, conforme documentação e notícias.
Críticas ao Modelo de Enfrentamento e Implicações Sociais
Luís Flávio Sapori, pesquisador afiliado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), qualifica a operação como um “desastre planejado”. Segundo ele, a percepção pública está se alinhando à ideia de que os erros da intervenção não se resumem à elevada contagem de mortos, um evento sem precedentes, mas que estava contida no cálculo inicial. Sapori explica que o modelo de atuação da polícia no estado, civil e militar, pautado em confrontos diretos e “guerra particular” com o suposto inimigo, é uma tática arraigada no Rio de Janeiro há décadas.
O pesquisador detalha que essa abordagem tem sido uma constante entre sucessivos secretários de segurança, comandantes de polícia e governadores. Sapori traça uma relação entre a violência policial e a corrupção institucional, afirmando que a polícia fluminense historicamente se destaca pela letalidade e, não por acaso, também por um alto índice de corrupção, conforme evidências científicas globais. Em seu entendimento, a autorização de ações violentas e ostensivas pela autoridade máxima do estado as transforma em um recurso operacional habitual, legitimado e naturalizado, gerando uma vitimização “absurda”. Ele alerta que esta tendência não se restringe ao Rio, sendo observada também em outros estados, como a Bahia.
Sapori descreve a imagem de dezenas de corpos alinhados no chão, na comunidade da Penha, como uma “cena dantesca, bárbara, quase medieval”, que imprime marcas profundas na comunidade. Ele argumenta que, embora a violência afete todo o país, o impacto é diário nas favelas, intensificando o medo e a percepção de que a polícia se apresenta como uma “alternativa de extermínio”, fomentando desconfiança entre os moradores, que já convivem com a violência das facções.
O pesquisador questiona ainda o encerramento abrupto da Operação Contenção e suas possíveis consequências. Com o retorno das polícias às suas bases, um vácuo de poder pode surgir. Ele alerta que, caso o Comando Vermelho não consiga reestruturar sua capacidade bélica e presença, outras facções, como o Terceiro Comando Puro ou as milícias da Zona Oeste, poderiam ocupar esses territórios. Para Sapori, a letalidade não foi um erro, mas parte do plano. A operação foi “planejada com o objetivo de matar, exterminar, traficantes do Comando Vermelho”, e não para cumprir mandados de prisão ou prender lideranças. Contudo, apesar de ter atingido seu objetivo de exterminar, não pode ser considerada um sucesso por nenhuma métrica de políticas públicas, pois o êxito no enfrentamento ao crime organizado se mede pela capacidade de fragilizar as facções financeiramente, bélica e politicamente, além de retomar efetivamente os territórios.

Imagem: agenciabrasil.ebc.com.br
Indícios de Execuções e Denúncias de Massacre
Glaucia Marinho, diretora-executiva da ONG Justiça Global, que esteve nos complexos da Penha e do Alemão no dia seguinte à operação, quarta-feira, 29 de outubro de 2025, e conversou com familiares, descreve os eventos como um “massacre”. “É inadmissível que qualquer ação do Estado resulte em mortes ou situações de barbárie e tortura”, afirma Marinho, lembrando que “não existe pena de morte no país”.
A diretora da Justiça Global trouxe à tona relatos dos moradores sobre violações de direitos humanos em diversas ordens. Segundo Marinho, muitos moradores não conseguiram se locomover com segurança para trabalhar ou retornar para casa. A vivência de um dia inteiro sob intenso tiroteio e violência gera um “trauma e medo” persistentes. Um dos pontos mais graves denunciados foi a obrigatoriedade imposta aos próprios moradores de recolher cerca de 70 corpos – uma função que seria do Estado. Marinho relata que durante todo o dia em que esteve presente, nenhuma perícia foi realizada nos locais dos fatos, configurando, para a ONG, uma continuidade das violações e ilegalidades. A ONG ainda destacou denúncias de que alguns corpos foram encontrados com braços e pernas amarrados, fortes indícios de possíveis execuções, caracterizando uma política de segurança pública orientada para o genocídio e estruturalmente racista, que pune e controla a população pobre das favelas.
Repúdio de Órgãos e Entidades
A Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro repudiou as ações policiais. Embora reconheça a necessidade da atuação firme do Estado na manutenção da ordem, a OAB-RJ considera “inadmissível que tais operações se desenvolvam de forma a colocar em risco a vida, a integridade e as liberdades fundamentais da população”, gerando “restrições arbitrárias ao direito de circulação e ao livre exercício das atividades cotidianas”. A entidade cobrou do governo que garanta o controle social e institucional das ações estatais e que as políticas de segurança sejam implementadas dentro dos preceitos do Estado Democrático de Direito, com total respeito aos direitos fundamentais e à dignidade humana.
A Comissão de Segurança Pública da OAB de São Paulo também se manifestou, criticando duramente as declarações do governador Claudio Castro sobre a ADPF 635. O órgão paulista reiterou a necessidade de que todas as operações policiais observem os preceitos constitucionais fundamentais, a fim de evitar que se tornem oportunidades para o arbítrio e o uso desmedido da força. A OAB-SP demandou uma investigação rigorosa e independente da operação, bem como uma “revisão urgente” das estratégias de segurança pública no Rio de Janeiro, enfatizando que a proteção da vida e o respeito aos direitos humanos devem ser prioridade.
César Muñoz, diretor da Human Rights Watch (HRW) no Brasil, emitiu uma declaração pública reforçando a importância da atuação direta do Ministério Público Estadual para investigar as mortes e apurar o planejamento e as decisões da cúpula policial e das autoridades envolvidas no Rio. Para a HRW, “a sucessão de operações letais que não resultam em maior segurança para a população, mas que na verdade causam insegurança, revela o fracasso das políticas do Rio de Janeiro”. A organização defende que as políticas de segurança devem integrar as próprias comunidades e outros atores sociais, pautar-se em dados criminais precisos, e priorizar a investigação, a inteligência, o combate ao tráfico de armas, à lavagem de dinheiro e aos vínculos entre o crime e agentes estatais.
Confira também: Imoveis em Rio das Ostras
As reações de diferentes setores da sociedade civil e instituições de defesa de direitos humanos à Operação Contenção ressaltam a complexidade e a urgência do debate sobre as estratégias de segurança pública no Rio de Janeiro. A letalidade e os métodos empregados levantam questionamentos sobre a eficácia de tais ações e seu custo social, demandando uma reavaliação profunda. Para aprofundar a compreensão sobre os debates e desafios que moldam as decisões políticas e de segurança em nosso país, clique aqui e confira outras análises sobre política nacional.
Crédito da imagem: Tomaz Silva/Agência Brasil




