O Federal Reserve se prepara para uma complexa decisão sobre as taxas de juros nos EUA, enfrentando uma situação sem precedentes. A autoridade monetária norte-americana está diante do desafio de determinar os rumos da política monetária com uma escassez quase total de dados econômicos fundamentais. Essa conjuntura é diretamente influenciada pela paralisação do governo, que interrompeu a divulgação da maior parte das estatísticas econômicas do país, incluindo o aguardado relatório mensal de empregos. Paralelamente, o Fed também perdeu o acesso a uma importante fonte privada de informações que complementava suas análises.
Recentemente, a gigante de processamento de folha de pagamento, ADP, silenciosamente suspendeu o compartilhamento de seus dados internos com o banco central. Essa interrupção, ocorrida no final de agosto, deixou os economistas da instituição sem uma medida crucial e em tempo real, que cobria aproximadamente um quinto da força de trabalho privada dos Estados Unidos.
Decisão Juros EUA: Federal Reserve Analisa Taxas Sem Dados Econômicos
Durante anos, essa robusta fonte de dados da ADP serviu como um indicador essencial para verificar as condições do mercado de trabalho, atuando como um balanço em tempo real entre os relatórios mensais divulgados pelo Bureau of Labor Statistics (BLS), o Departamento de Estatísticas de Emprego. O abrupto fim dessa colaboração, inicialmente reportado pelo Wall Street Journal, representa uma significativa lacuna. Erica Groshen, ex-diretora do Bureau of Labor Statistics, expressou profunda preocupação, indicando que a ausência desses dados pode fazer com que o Federal Reserve tome decisões com visibilidade reduzida.
Em entrevista à Fortune, Groshen destacou, com base em sua vasta experiência no BLS e na interação com o Fed ao longo de décadas, que a perda das informações da ADP é alarmante para a política monetária. A economista salientou que, em um período de fragilidade econômica — conforme o próprio presidente do Fed, Jerome Powell, reiterou que não há um caminho seguro para evitar recessão ou estagflação —, a falta de dados amplia consideravelmente o risco de erros estratégicos. Groshen alertou que o Fed pode reagir de maneira desproporcional, apertando a política monetária em excesso ou relaxando-a insuficientemente. Essas medidas, muitas vezes já tomadas tardiamente, teriam sua probabilidade de serem inadequadas e tardias ainda mais elevada na ausência de informações robustas.
O Impacto da Parceria Suspensa e as Implicações para o Fed
A colaboração entre a ADP e o Federal Reserve era consolidada. Desde pelo menos 2018, a ADP fornecia ao Fed, gratuitamente, dados anonimizados de folha de pagamento e ganhos, possibilitando aos economistas do banco central o desenvolvimento de uma medida semanal precisa das tendências de emprego. Essa parceria era amplamente reconhecida tanto por figuras internas do Fed quanto por observadores do mercado. No entanto, segundo The American Prospect, a ADP encerrou o acesso logo após o diretor do Fed, Christopher Waller, fazer referência aos dados em um discurso de 28 de agosto, no qual abordou o arrefecimento do mercado de trabalho. Desde então, Jerome Powell tem buscado persuadir a ADP a restabelecer o acordo de compartilhamento, conforme relatos do The American Prospect. Representantes da ADP e do Fed declinaram comentar o assunto quando procurados pela Fortune.
Erica Groshen apresentou diversas justificativas plausíveis para a decisão da ADP de interromper a colaboração. Uma das possibilidades levantadas é que a empresa pode ter identificado uma questão metodológica em seus dados, desejando corrigi-la antes de retomar o compartilhamento de informações tão cruciais para a política monetária. “Essa seria, na verdade, uma decisão responsável”, afirmou ela à Fortune, enfatizando que empresas privadas possuem maior flexibilidade, mas menor obrigação institucional de serem transparentes sobre eventuais erros em comparação com agências federais.

Imagem: Kent Nishimura via infomoney.com.br
Outra explicação, segundo a economista, poderia ser uma pressão interna ou de imagem. Após Waller mencionar publicamente a parceria, a ADP talvez tenha se preocupado com a percepção de seus clientes ou acionistas. Groshen citou: “Você pode imaginar investidores dizendo: Por que estamos dando isso de graça? O Fed tem dinheiro”. Adicionalmente, a empresa pode ter optado por evitar a imagem de influenciar as deliberações do banco central, especialmente em um ambiente político com alta carga de polarização. A transparência e independência da política monetária do Federal Reserve são pilares importantes da economia dos EUA.
Fragilidade nas Relações de Dados e Perspectivas para a Política Monetária
Independentemente da motivação para a interrupção, Groshen reiterou que o incidente destaca a intrínseca fragilidade das relações de dados entre o setor público e o privado. Na ausência de estruturas claras ou acordos de longo prazo, as empresas detentoras de informações podem decidir retirar o acesso a qualquer momento. Para ela, “se os formuladores de políticas constroem sistemas em torno de dados que podem desaparecer da noite para o dia, essa é uma vulnerabilidade real para a governança econômica”.
O timing não poderia ser mais desfavorável. Nesta semana, o Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC), órgão equivalente ao Copom no Brasil, tem uma reunião agendada para deliberar sobre a manutenção ou alteração das taxas de juros, seguindo o corte de 0,25 ponto percentual realizado em setembro. Em virtude do plano de contingência devido à paralisação do governo, o BLS suspendeu a maioria das divulgações. Consequentemente, os números oficiais de emprego, desemprego e salários estão atrasados, afetando inicialmente o relatório de setembro e potencialmente se estendendo para outubro. Diante dessa ausência de dados em tempo real, os economistas do Fed estão recorrendo a uma compilação de alternativas, como pedidos estaduais de seguro-desemprego, levantamentos de bancos regionais e relatos anedóticos obtidos por contatos de negócios. Groshen classificou esses métodos como úteis, mas insuficientes, argumentando que a falta de bases estatísticas consistentes eleva drasticamente a propensão a erros na política monetária. Ela defende que o BLS seja contemplado com financiamento plurianual pelo Congresso, permitindo-lhe permanecer operacional mesmo durante as paralisações do governo. “Espero que um lado positivo em todas essas dificuldades seja uma percepção por parte de todos os interessados, incluindo o Congresso e o público, de que nosso sistema estatístico é uma infraestrutura essencial que precisa de um pouco de carinho no momento”, concluiu Groshen.
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A situação atual ressalta a importância da transparência e da disponibilidade de dados confiáveis para a tomada de decisões econômicas, especialmente em contextos de incerteza global. Continuar acompanhando as repercussões da paralisação governamental e suas influências sobre a economia global é fundamental para compreender os desdobramentos financeiros. Mantenha-se informado em nossa editoria de economia para as últimas análises e notícias.