Neste domingo, 26 de outubro, a capital paulista testemunhou a inauguração do novo Calçadão da Resistência. O espaço, localizado no coração da cidade, mais especificamente atrás da Câmara Municipal de São Paulo e nas proximidades do Terminal Bandeira, na Praça Memorial Vladimir Herzog, surge como um tributo aos jornalistas e demais figuras públicas que dedicaram suas vidas à defesa da democracia brasileira, rememorando o legado do jornalista Vladimir Herzog, brutalmente assassinado pela ditadura militar.
O monumento revitalizado e ampliado é uma iniciativa do Coletivo Cultural Associação de Amigos da Praça Memorial Vladimir Herzog, reforçando a importância da memória e da resistência contínua. Ele se materializa por meio de um conjunto de tijolos intertravados, onde estão permanentemente inscritos os nomes de personalidades que, desde 1979, foram agraciadas com o renomado Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. A proposta é eternizar, no espaço urbano, a contribuição desses indivíduos para a liberdade de expressão e a garantia dos direitos fundamentais.
Calçadão da Resistência em SP Homenageia Defensores da Democracia
A cerimônia realizada na manhã deste domingo (26) marcou o início da instalação dos primeiros 51 tijolos, representando um reconhecimento formal à primeira leva de laureados na categoria especial do prêmio. Entre os homenageados com o Calçadão da Resistência, destacam-se nomes de imenso impacto no cenário nacional e da comunicação, incluindo o repórter investigativo Tim Lopes, a filósofa e ativista Sueli Carneiro, o veterano jornalista Mino Carta, o premiado Caco Barcellos, o abolicionista Luiz Gama, o inesquecível Dom Paulo Evaristo Arns, o teórico Perseu Abramo, o jornalista britânico Dom Phillips (vítima de assassinato), o militante Rubens Paiva e o cartunista Ziraldo. A lista ainda contempla os trabalhadores da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que em 2022 foram reconhecidos com o Prêmio Especial Vladimir Herzog de Contribuição ao Jornalismo por sua firme atuação na defesa da comunicação pública do Brasil em momentos desafiadores.
Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog e presidente do Conselho Consultivo do Instituto Vladimir Herzog, esteve presente na inauguração. Ele enfatizou a relevância do Prêmio Vladimir Herzog como um pilar para a manutenção da memória de seu pai e para a promoção de um jornalismo que se dedica a denunciar violações de direitos humanos e agressões contra a cidadania e a sociedade. Segundo ele, em seus 47 anos de existência, o prêmio já reconheceu mais de 1.500 jornalistas. O projeto do calçadão, que ainda prevê a instalação de tijolos para um total de 1.625 premiados, promete ser um verdadeiro mapa da coragem e do compromisso jornalístico.
Sérgio Gomes, diretor da Oboré Projetos Especiais em Comunicações e Artes e coidealizador do projeto, celebrou a iniciativa comparando-a a um “monumento” que pereniza a obra dos grandes jornalistas. Ele mencionou Aldir Blanc, poeta e compositor, em sua analogia sobre as “pedras pisadas no cais” como metáfora para o reconhecimento daqueles que contribuem significativamente. Gomes ressaltou que a primeira fase concretiza essa homenagem aos que receberam o prêmio especial pelo conjunto da obra, pavimentando um caminho simbólico de valorização ao jornalismo de excelência.
Entre os tijolos que compõem o Calçadão da Resistência, um já havia sido instalado, destacando o nome de Mouzar Benedito. O jornalista foi o primeiro vencedor do prêmio na categoria “Jornal” e, em seu depoimento, recordou os tempos de militância e repressão. Presente ao evento, Benedito, que já utilizou o pseudônimo Rezende Valadares Netto, relatou à Agência Brasil suas experiências na ditadura militar, período em que foi preso. Sua trajetória ilustra a perseguição e o sacrifício de muitos. Ele, que cursou jornalismo com o objetivo de ter uma ferramenta para lutar pacificamente contra o regime, contrastou a esperança da juventude dos anos 60 e 70 com a visão atual, um tanto mais pessimista. “A gente achava que não teríamos mais esse risco [de precisar lutar pela democracia]”, ponderou, recordando um reencontro com colegas de 1968 em uma manifestação mais recente. Contudo, Mouzar Benedito sublinhou a irrefutável importância da imprensa para a vitalidade democrática, reiterando a necessidade de resistência.
O reconhecimento dos trabalhadores da EBC em 2022 simboliza um capítulo recente e crucial dessa luta. A homenagem do Calçadão da Resistência sublinha a atuação desses profissionais no enfrentamento e resistência contra a censura, o viés governista e a perseguição que marcaram a empresa durante o governo anterior. Andre Basbaum, atual presidente da EBC, autodenominado um apaixonado pela democracia, ressaltou a importância desse reconhecimento, especialmente em um local com o significado histórico e de memória da Praça Vladimir Herzog. Ele fez um apelo à memória dolorida do assassinato de Herzog pelo terrorismo de Estado e reafirmou o compromisso dos colaboradores da EBC com a democracia, o serviço público e um jornalismo profissional e de qualidade.
Basbaum relembrou os 18 anos de existência da EBC em outubro, período de resistências a tentativas de desmonte e privatização. O governo atual de Lula, conforme ele explicou, retirou a EBC da lista de privatizações, e a empresa agora trilha um caminho de reconstrução e renovação. Há planos para um seminário em Brasília, na Universidade de Brasília (UnB), que reunirá figuras proeminentes do jornalismo brasileiro, como Eugênio Bucci e Helena Chagas, para debater a comunicação pública e projetar um futuro Fórum Nacional de Comunicação Pública.
Jornalismo e Democracia: Pilar Fundamental do Estado de Direito
A Praça Memorial Vladimir Herzog, inaugurada em 2013, não é apenas um espaço público; é um local de memória permanente, que lembra a todos sobre o dia 25 de outubro de 1975, quando Vladimir Herzog foi assassinado sob tortura nas dependências do Departamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) durante a ditadura militar. Após quase meio século da morte de seu pai, Ivo Herzog reiterou que o jornalismo mantém seu papel insubstituível como instrumento para a sustentação e fortalecimento da democracia. Para ele, além dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, existe um “quarto poder” – a imprensa – responsável por fiscalizar os demais e informar a sociedade sobre as ações governamentais, permitindo escolhas conscientes a cada ciclo eleitoral.
A visão de Sérgio Gomes complementa essa perspectiva: a ausência do jornalismo profissional inviabilizaria a própria democracia. Ele utilizou uma analogia sobre uma grande enchente – em meio à catástrofe, a informação verificada, com critérios técnicos e éticos, é tão essencial quanto água potável. O jornalista, em sua função primordial, oferece um “quadro de referência” indispensável para a cidadania. André Basbaum, por sua vez, qualificou a democracia como um “exercício diário”, que demanda respeito às regras, defesa de direitos, priorização do bem coletivo sobre o interesse individual e o reconhecimento de uma verdade factual, de uma nação e de sua história. Para Basbaum, Vladimir Herzog e a EBC são símbolos da luta pela defesa diária da democracia, ressaltando o espaço estratégico que ambos representam para o debate e a ação democrática no país.
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O Calçadão da Resistência em SP se consolida, assim, como um memorial vivo, uma praça pública que convida à reflexão e celebração do compromisso com a verdade, a liberdade e a justiça. A homenagem àqueles que receberam o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos serve como um lembrete perene da vigilância contínua que a sociedade deve ter em relação à sua democracia. Para aprofundar-se em questões relevantes sobre cidadania e o cenário político nacional, nossa editoria de Política oferece análises detalhadas e cobertura diária dos eventos mais importantes que moldam o futuro do país.
Crédito da imagem: Paulo Pinto/Agência Brasil



