Uma recente ação de despejo quilombola no Amapá, especificamente na região do Curiaú em Macapá, resultou em severas consequências para cerca de 200 residentes e dezenas de animais. A operação, efetuada no dia 7 de outubro, desencadeou um conflito judicial por terras, levantando acusações de que a reintegração de posse excedeu drasticamente a área inicialmente definida pela justiça, atingindo aproximadamente 100 hectares de terra, enquanto a decisão judicial, conforme alegado pelos moradores, seria de apenas um hectare.
A área em questão faz parte da Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Curiaú e é reconhecida por sua importância histórica e social, sendo o segundo território quilombola oficialmente titulado no Brasil. O impacto da medida, além de deixar famílias desabrigadas, gerou uma série de denúncias, incluindo a destruição de moradias, atos de violência contra os habitantes e situações de maus-tratos e abandono de animais que ficaram isolados na propriedade.
Despejo Quilombola Amapá: Famílias Denunciam Irregularidades
As comunidades do Quilombo do Curiaú expressam revolta, destacando que a execução da ordem de reintegração de posse ultrapassou largamente o que havia sido determinado judicialmente. De acordo com o advogado Ruy Carvalho, que atua em defesa dos interesses dos moradores locais, a ação resultou na ocupação integral do espaço, com portões lacrados e impedimento do retorno dos proprietários legítimos, configurando o que ele descreve como uma tomada de propriedade de forma violenta. Tal situação agravou a crise humanitária e a condição dos animais que permaneceram no local, sem acesso a cuidados essenciais, alimentação e água.
A situação dos animais é um dos pontos mais críticos e preocupantes das denúncias. Porcos, gado bovino e galinhas, muitos deles fonte de subsistência e patrimônio dos quilombolas, foram abandonados. Relatos indicam que muitos ficaram feridos e expostos a sérios riscos, incluindo ataques de onças, uma realidade na região. O agricultor Deusivaldo Costa, de 45 anos, morador da Comunidade Taba Branca há quase três décadas, lamentou ter seus cerca de 70 porcos e outros animais retidos. Ele narrou a proibição de entrar na propriedade para assisti-los, sendo ameaçado de não poder mais retornar caso deixasse o local para buscar ajuda. Atualmente, ele busca abrigo na residência de sua irmã, desprovido de seu lar e de seus bens.
A imposição de barreiras e a presença de equipes de segurança armada complicaram ainda mais o cenário. Os moradores afirmam ter sido barrados ao tentar acessar suas terras para socorrer os animais ou buscar seus pertences. Márcio Costa, servidor público e também agricultor, descreveu um episódio em que foi interceptado enquanto transportava alimentos para os animais, reiterando a vulnerabilidade dos rebanhos feridos e a ameaça constante de predadores como as onças na área restrita.
As práticas contra os animais geraram fortes críticas por parte de organizações de defesa dos direitos quilombolas. Núbia Santana, representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) no Amapá, fez denúncias contundentes, citando a prática de cortes em porcos ainda vivos sob a falsa justificativa de aplicar medicamentos, além do abandono generalizado e da falta de alimento. As acusações incluem também a queima de pastagens, intensificando a privação alimentar dos animais e clamando por uma investigação e atuação urgentes da imprensa sobre esses atos de crueldade.
A Conaq prontamente classificou a ação de despejo como ilegal e arbitrária. Em posicionamento oficial, a entidade reiterou que a ordem executada viola preceitos constitucionais, o Decreto 4.887/2003 e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um tratado que assegura os direitos à posse dos territórios historicamente habitados por comunidades quilombolas. A decisão que motivou o pedido de desocupação foi proferida pela juíza Keila Christine Banha Bastos Utzig. Até o momento, a defesa jurídica envolvida não se manifestou publicamente em relação ao caso quando procurada.

Imagem: g1.globo.com
Em uma demonstração de unidade e busca por justiça, os residentes do Quilombo do Curiaú se reuniram na sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Macapá, no dia 14 de outubro. Na ocasião, apresentaram suas denúncias detalhadas e formalizaram um apelo por intervenção e apoio do Governo Federal. A comunidade, em suas reivindicações, exige a imediata suspensão da ordem de despejo, o direito de retorno das famílias aos seus lares, uma apuração rigorosa dos atos de violência reportados e a ação eficaz de órgãos como o Ministério da Igualdade Racial, a Defensoria Pública da União e a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos para garantir a proteção de seus direitos fundamentais.
Anselmo Costa, agricultor de 60 anos e um dos afetados, expressou seu desabafo emocionado sobre a situação, lembrando o trabalho de seu pai naquelas terras, a criação de gado e porcos e as plantações que sustentavam a família. Atualmente, a proibição de viver em seu próprio lar, historicamente ocupado, representa a tomada de um direito inalienável para as famílias quilombolas do Curiaú.
A equipe de defesa da comunidade, agindo em resposta à grave situação, protocolou uma petição solicitando a reversão da decisão de despejo. Adicionalmente, foi pleiteado o ressarcimento por todos os danos materiais e morais sofridos pelos moradores, além da garantia irrestrita de acesso à terra para que possam restabelecer suas vidas e cuidados aos animais. No entanto, até o presente momento, o sistema judiciário não se pronunciou com uma nova decisão a respeito desse recurso legal, mantendo a incerteza para centenas de pessoas.
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Acompanhe este e outros desenvolvimentos sobre os direitos das comunidades tradicionais e questões sociais na editoria de Cidades do Hora de Começar. As comunidades quilombolas do Curiaú continuam sua luta por justiça e dignidade, enquanto a espera por uma resolução judicial justa se estende.
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