Infecções Resistentes a Antibióticos no Brasil Aumentam

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O Brasil testemunha uma preocupante escalada no número de infecções resistentes a antibióticos, um fenômeno impulsionado especialmente pela proliferação de bactérias Gram-negativas. Esses microrganismos são os causadores primários de diversas enfermidades, incluindo infecções do trato urinário e condições respiratórias, demandando uma atenção redobrada das autoridades de saúde e da população.

Este cenário desafiador é agravado por uma série de deficiências estruturais no sistema de saúde nacional. Dentre elas, destacam-se as insuficiências na infraestrutura laboratorial, a restrição da cobertura de vigilância epidemiológica e a dificuldade em garantir acesso amplo a diagnósticos precisos, assim como a medicamentos antibióticos de ponta.

Tais conclusões emergem de um relatório detalhado publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), abordando a questão da resistência antimicrobiana. Este documento foi um dos pontos centrais de debate durante a Cúpula Mundial de Saúde, realizada na cidade de Berlim na última semana. É nesse contexto de alarmante aumento que as autoridades observam as consequências das

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e a necessidade de medidas urgentes.

Panorama Global e a Situação Brasileira Detalhada

O relatório da OMS, resultado do programa Global Antimicrobial Resistance and Use Surveillance System (GLASS), é um esforço de vigilância que acompanha a resistência e o consumo de antibióticos globalmente. A pesquisa abrangeu um período de 2016 a 2023, coletando dados de impressionantes 23 milhões de infecções bacterianas, notificados por 104 nações participantes. A resistência antimicrobiana, um problema de saúde pública global, revelou que uma em cada seis infecções bacterianas confirmadas em laboratório em todo o planeta é resistente aos tratamentos convencionais. Desde o início do programa, observou-se um crescimento de cerca de 40% na resistência em diversas amostras monitoradas.

A situação específica do Brasil, conforme o documento, é motivo de alerta. Nas infecções urinárias reportadas pelo país, por exemplo, a taxa de resistência das bactérias Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae a antibióticos amplamente utilizados, como cefalosporinas de terceira geração e fluoroquinolonas, superou a marca de 50%. Essa prevalência é substancialmente superior à de países vizinhos; no Chile, para fins de comparação, essas taxas não chegam a 30%, indicando um manejo mais eficaz e um uso mais criterioso dos antimicrobianos.

O quadro não é menos grave nas infecções gastrointestinais. Bactérias como Shigella spp. e Salmonella spp. demonstram resistência significativa, particularmente à ciprofloxacina, com taxas oscilando entre 30% e 50% em território brasileiro. Para as infecções da corrente sanguínea, a análise revelou alta predominância de K. pneumoniae e Acinetobacter spp. que se mostram resistentes a carbapenêmicos – uma classe de antibióticos de última linha – ultrapassando os 40%. A presença notável de MRSA (Staphylococcus aureus resistente à meticilina) também foi identificada, complicando ainda mais os cenários clínicos.

No que tange às infecções urogenitais, especialmente a gonorreia, a situação é igualmente preocupante. O Brasil registra resistência quase universal, acima de 70%, da Neisseria gonorrhoeae à ciprofloxacina. Adicionalmente, foi verificada uma emergência de resistência à ceftriaxona em certas localidades, acendendo um alerta sobre a necessidade de novas abordagens terapêuticas.

Fatores que Agravam a Crise e Desafios Estruturais

A epidemiologista Ethel Maciel, professora titular da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e representante do Ministério da Saúde na Cúpula de Berlim, salientou que o Brasil conduzirá um inquérito nacional abrangente. Esta investigação incluirá a análise de amostras de água e aquelas coletadas em ambientes hospitalares, buscando desvendar os múltiplos fatores contribuintes para o recrudescimento das infecções resistentes a antibióticos. A especialista enfatizou a importância de avançar na vigilância da resistência antimicrobiana e, principalmente, aprimorar os processos de diagnóstico das infecções.

A professora Maciel destacou um paradoxo comum em muitas pequenas cidades brasileiras: “Como a nossa atenção primária tem uma cobertura boa, especialmente nas cidades pequenas, às vezes a pessoa tem mais acesso ao antibiótico e ao médico do que ao diagnóstico”. Essa realidade implica que pacientes podem iniciar tratamentos para infecções sem que haja uma confirmação laboratorial da bactéria envolvida, potencializando o uso inadequado dos medicamentos.

Infecções Resistentes a Antibióticos no Brasil Aumentam - Imagem do artigo original

Imagem: www1.folha.uol.com.br

Dentre as hipóteses para a intensificação da resistência antimicrobiana, ela apontou o uso indiscriminado de antibióticos durante a pandemia de Covid-19. Adicionalmente, a utilização desses medicamentos no crescimento de animais na agropecuária é outro fator de grande relevância. Embora a problemática das bactérias resistentes a fármacos de última geração, como os carbapenêmicos, já fosse existente antes da crise sanitária, ela foi dramaticamente intensificada. O grande volume de pacientes em estado grave nos hospitais, a automedicação impulsionada pela desinformação e as prescrições inadequadas para o coronavírus foram elementos cruciais para essa deterioração.

Apesar dos desafios, houve um avanço positivo no Brasil: o número de hospitais que fornecem dados sobre infecções ao programa da OMS expandiu de três para 25 unidades. No entanto, Ethel Maciel observou que a representatividade hospitalar ainda é deficiente, com sub-representação de dados, notadamente na região Norte do país. O relatório da OMS reforça que a cobertura de vigilância no Brasil ainda é restrita e predominantemente concentrada em hospitais terciários. Esta particularidade pode gerar vieses nos dados coletados, comprometendo a capacidade de se obter uma representação fidedigna do panorama nacional.

Implicações e Caminhos para o Futuro

Carlos Kiffer, pesquisador associado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador do Grupo de Análise em Infecções e Antimicrobianos (Gaia), ressaltou a existência de fortes ações por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Saúde na coordenação da rede Sentinela – hospitais observatórios que monitoram eventos adversos. Contudo, ele identificou importantes gargalos. “Boa parte dos dados ainda depende de esforços pessoais [dos profissionais de saúde] devido à falta de verba da União e de esforços coordenados”, explicou Kiffer. Ele também apontou para a subnotificação em unidades hospitalares não integrantes da rede Sentinela e a ausência de um sistema de notificação de dados laboratoriais unificado e de fácil operação. “Laboratórios públicos e privados não têm obrigação de reportar seus dados a um sistema regulador nacional”, alertou o pesquisador.

Kiffer ainda observou um incentivo ao uso e ao fornecimento excessivo de determinados antimicrobianos, em detrimento de outros, exemplificando com as fluoroquinolonas para tratar infecções urinárias na comunidade. Adicionalmente, ele mencionou o acesso desigual a medicamentos antimicrobianos em diferentes regiões do país, mesmo dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), concluindo: “Falta um programa coordenado nacional com dotação orçamentária própria.”

Diante desse cenário complexo, a OMS faz recomendações cruciais para o Brasil e outros países. Uma delas é a redução do uso de antibióticos de amplo espectro, classificados como “Watch”, e o aumento do emprego de antibióticos de primeira linha, categorizados como “Access”, visando alcançar a meta de 70% de utilização destes até o ano de 2030. O documento também reforça a necessidade inadiável de expandir os sistemas de vigilância, promover investimentos robustos em diagnósticos laboratoriais e fortalecer de forma consistente as políticas de uso racional de antibióticos. A falta de controle efetivo sobre as infecções hospitalares tem como consequências diretas mortes que poderiam ser evitadas, além de um impacto significativo nas taxas de internação, elevando o tempo de permanência de pacientes e os custos para o sistema de saúde, como pode ser verificado em documentos da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o tema.

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Este aprofundado panorama sobre as infecções resistentes a antibióticos no Brasil reitera a urgência de uma resposta coordenada e multifacetada, envolvendo políticas públicas, investimentos em saúde e educação da população. Para continuar acompanhando o desenvolvimento de temas cruciais para a saúde e sociedade brasileiras, não deixe de conferir nossas nossas análises aprofundadas em nossa editoria.

Crédito da imagem: Staphylococcus aureus, bactérias que podem causar desde infecções cutâneas até pneumonia – Wikimedia Commons

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