O plenário da Câmara dos Deputados concedeu aprovação a um projeto de lei que instaura novas regras para a prisão preventiva, além de introduzir modificações substanciais nas normas das audiências de custódia – um rito processual fundamental destinado à apresentação de indivíduos detidos em flagrante perante o sistema judiciário. A proposta, que representa um marco na legislação penal, também prevê a coleta compulsória de material genético de suspeitos com indícios de envolvimento em organizações criminosas.
De acordo com o texto aprovado nesta terça-feira, a obtenção das amostras genéticas deve ser realizada no decorrer da própria audiência de custódia ou, em um prazo máximo, nos dez dias subsequentes à efetivação da prisão. Este texto legal, cuja autoria original remete ao ex-senador Flávio Dino, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), passará novamente por avaliação no Senado Federal, dado que foi objeto de alterações durante sua tramitação na Casa Legislativa.
Câmara Aprova Novas Regras para Prisão Preventiva e DNA
No atual arcabouço jurídico brasileiro, a prisão preventiva, uma medida cautelar caracterizada pela ausência de um prazo pré-estabelecido para seu término, pode ser decretada em três cenários principais. Primeiramente, visa a garantir a ordem pública, atuando como um instrumento de proteção social diante da gravidade intrínseca do delito cometido. Em segundo lugar, objetiva assegurar a conveniência da instrução criminal, com o propósito de preservar a integridade e os objetivos finais do processo, além de mitigar o risco de fuga do acusado. A terceira hipótese concerne à garantia da ordem econômica, focando na proteção do sistema financeiro e da livre concorrência contra crimes que possam ameaçá-los.
O projeto de lei aprovado pela Câmara adiciona uma série de novas situações que, a partir de sua eventual sanção, passarão a justificar a decretação da prisão preventiva, ampliando significativamente as bases para a aplicação da medida restritiva de liberdade. Entre as inovações, destaca-se o enquadramento de indivíduos que exibam um padrão de reiterado uso de violência ou grave ameaça na prática de atos criminosos. Igualmente, a participação comprovada e efetiva em organização criminosa passa a ser considerada um fator preponderante para a imposição da medida cautelar.
Adicionalmente, o texto legislativo determina que a apreensão de grande quantidade ou de uma diversidade significativa de drogas ilícitas, bem como de armas ou munições, configurar-se-á como nova circunstância autorizadora para a decretação da prisão preventiva. Por fim, o projeto inclui como um dos motivos para a detenção cautelar o fundado receio de reiteração no crime, ou seja, a probabilidade concreta de que o suspeito volte a cometer novos delitos, representando risco à segurança pública.
Apesar de todas as ampliações, o texto legal enfatiza uma importante ressalva, buscando coibir arbitrariedades: a prisão preventiva não poderá ser decretada tendo como base unicamente a gravidade abstrata do crime imputado ao indivíduo. É imperativo que haja uma fundamentação concreta e sólida, baseada em elementos tangíveis e circunstâncias do caso, que demonstre de forma inequívoca a necessidade e adequação da medida para cada situação individual. Essa exigência visa a coibir a aplicação indiscriminada da prisão e a reforçar o princípio da individualização da pena e da cautelar.
Outra inovação relevante do projeto reside na previsão da conversão automática da prisão em flagrante para prisão preventiva em certas condições previamente estabelecidas. Esta conversão ocorrerá, por exemplo, quando o indivíduo preso for comprovadamente reincidente criminal, evidenciando um histórico de condutas delituosas. Também será aplicada se o crime em questão for cometido mediante uso de violência ou grave ameaça, sublinhando a proteção à integridade física e psicológica das vítimas e a severidade do ato.
Casos em que o acusado já obteve liberdade em audiência de custódia prévia e, subsequentemente, foi novamente detido em novas infrações também serão passíveis de conversão automática. Finalmente, a situação de fuga do indiciado após a detenção em flagrante, ou a existência de comprovado risco de fuga que ameace a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, justificará a medida de imediata transformação da prisão em flagrante para preventiva, buscando garantir a eficácia do processo legal.
Críticas e Controvérsias da Proposta Legislativa
A proposição legislativa não foi isenta de críticas e gerou significativa controvérsia no cenário das organizações de defesa dos direitos humanos, suscitando amplos debates. Entidades de notória atuação no campo dos direitos e garantias individuais, como a Rede Justiça Criminal, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a Justiça Global e a Associação para a Prevenção da Tortura, publicaram uma nota conjunta expressando veemente solicitação pela rejeição do projeto na forma em que se apresentava.

Imagem: g1.globo.com
Segundo estas respeitadas organizações, as alterações propostas no Código de Processo Penal representam um flagrante ataque às salvaguardas individuais, que são tidas como fundamentais em um Estado Democrático de Direito. Afirma-se que a proposta ameaça a presunção de inocência, um dos pilares do devido processo legal, e compromete a autonomia dos magistrados no exercício de suas prerrogativas decisionais, conferindo menor margem de análise caso a caso. Em particular, as entidades ressaltam que tais mudanças podem vir a corroer os princípios que norteiam as audiências de custódia, originalmente criadas para prevenir prisões arbitrárias e desnecessárias, além de combater práticas de tortura e maus-tratos. O poder decisório destas audiências estaria comprometido.
Guilherme Carnelós, presidente do IDDD, externou publicamente sua profunda preocupação com as potenciais consequências sociais do projeto. Ele destacou a realidade já existente no sistema carcerário brasileiro, onde, conforme suas palavras, “as pessoas que mais sofrem prisões abusivas são negras”. O dirigente do instituto alertou que as novas diretrizes “podem colocar essa população ainda mais em um espiral de prisões contínuas”, exacerbando desigualdades e injustiças raciais preexistentes no complexo sistema penal brasileiro.
Apoio na Cúpula da Câmara à Medida Aprovada
Em contraste direto com as críticas apresentadas por parte das organizações civis, a proposta de novas regras para a prisão preventiva recebeu expressivo apoio de membros da cúpula da Câmara dos Deputados, indicando uma forte adesão no Poder Legislativo. Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Casa Legislativa no momento da votação, posicionou-se favoravelmente ao projeto, defendendo-o categoricamente como um avanço necessário na segurança pública nacional. Ele enfatizou que a iniciativa “dificulta o retorno de criminosos reincidentes para as ruas”, visando a fortalecer o combate à criminalidade e proteger a sociedade de maneira mais eficaz.
Motta sublinhou em sua declaração que as disposições contidas na matéria legislativa de enfrentamento à violência e ao crime foram objeto de um consenso generalizado entre os secretários de Segurança Pública de diversas regiões do Brasil, os quais, por sua vez, teriam sido os articuladores primários de tais demandas junto ao Congresso Nacional. Esta articulação sugere que as mudanças aprovadas são uma resposta direta do Poder Legislativo a uma pauta considerada prioritária pelos órgãos de segurança estaduais, visando a dotar o sistema penal de instrumentos mais rígidos no controle da criminalidade organizada e reincidente.
Para aprofundar seu conhecimento sobre o papel e funcionamento das audiências de custódia no Brasil, um mecanismo crucial para a garantia de direitos em prisões em flagrante e que passa por modificações significativas, o Conselho Nacional de Justiça oferece informações detalhadas sobre o tema e sua relevância jurídica e social.
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A aprovação destas novas regras representa um ponto de inflexão na legislação penal brasileira, com potencial para redefinir os parâmetros da prisão preventiva e das audiências de custódia, impactando diretamente o sistema de justiça criminal. As implicações deste projeto são vastas e continuarão a ser debatidas por juristas e pela sociedade civil, moldando a aplicação da lei no país. Para mais notícias sobre os desenvolvimentos legislativos e impactos na sociedade brasileira, continue acompanhando nossa editoria de Política e mantenha-se informado sobre as decisões que afetam seu cotidiano.
Crédito da imagem: Agência Câmara dos Deputados


