A armadilha populista representa um dilema persistente para as democracias e economias em escala mundial. O fenômeno, que tem raízes em tempos remotos – conforme já observava Platão, descrevendo a demagogia como o ponto fraco da democracia em “A República” –, hoje se manifesta de forma acentuada, como exemplifica a atuação do ex-presidente norte-americano Donald Trump, um caso clássico de liderança populista de direita.
Martin Wolf, comentarista-chefe de economia do renomado *Financial Times* e detentor de doutorado em economia pela *London School of Economics*, mergulha nas complexidades e consequências desse panorama. Ele ressalta a importância de entender não apenas as implicações políticas do populismo, mas, principalmente, seus efeitos perniciosos sobre o cenário econômico.
Economia e a Armadilha Populista: Uma Análise de Wolf
O impacto econômico da ascensão populista é evidenciado de forma contundente pelo histórico da Argentina. Este país tem sido assolado por ciclos populistas desde 1916, quando Hipólito Irigoyen assumiu a presidência. O legado dessa trajetória é visível: o Produto Interno Bruto (PIB) real per capita da Argentina, que antes equivalia a cinco vezes o do Brasil, hoje se situa em apenas 1,25 vez e caiu pela metade em relação ao dos Estados Unidos.
Os pesquisadores Manuel Funke, Moritz Schularick e Christoph Trebesch abordam esse cenário em seu artigo “Populist Leaders and the Economy”, trabalho ao qual o colega de Wolf, Joel Suss, se refere. A pesquisa alinha-se ao consenso atual, destacando que os populistas estabelecem a dicotomia “povo versus elites” no cerne de suas estratégias políticas, apresentando-se como os únicos legítimos representantes dos anseios populares.
As Características e o Escopo do Populismo Contemporâneo
Essa retórica culmina na desqualificação dos opositores, frequentemente rotulados como “inimigos do povo”. Embora nem todo líder populista se torne um ditador, a inclusão de figuras como Hitler na lista analisada no estudo ilustra a inclinação potencialmente autocrática inerente a tais movimentos.
O levantamento é abrangente, englobando 60 países de 1900 até 2020 – ou desde suas respectivas independências –, o que representa 95% do PIB mundial em dois marcos temporais significativos: 1955 e 2015. A análise abrange 1.482 líderes e revela padrões marcantes. O ápice político do populismo foi alcançado em 2018. Outra constatação relevante é que nações que já vivenciaram a liderança populista demonstram maior probabilidade de repetir o padrão. As crises econômicas, por sua vez, funcionam como catalisadores para essa recorrência.
Populistas, de maneira geral, permanecem no poder por um período médio de oito anos, o que corresponde ao dobro do mandato de líderes não populistas. A transição de poder raramente ocorre por meio de eleições regulares. Independentemente de serem de esquerda ou de direita, os populistas tendem a seguir trajetórias semelhantes em sua ascensão e eventual declínio. Historicidade aponta para a América Latina e a Europa como os principais berços e epicentros do populismo global.
Impactos Econômicos e Divergências Ideológicas do Populismo
A conclusão primordial, e de certa forma esperada, é que, embora o populismo costume emergir em cenários de economias em crise, ele tem a propensão de agravar a situação preexistente. Essa premissa aplica-se tanto às vertentes de esquerda quanto às de direita.
O populismo de esquerda, que geralmente foca nas elites econômicas, favorece a imposição de mais impostos, aumento da regulação e políticas de redistribuição de renda. Estima-se que, quinze anos após a ascensão de um líder populista de esquerda, o PIB per capita de um país seja aproximadamente 15% menor do que seria em um cenário alternativo. Em contraste, o populismo de direita, que tende a atacar estrangeiros, minorias e elites políticas, inclina-se para o nacionalismo econômico e o protecionismo – esta última sendo uma preferência comum entre segmentos mais abastados da sociedade. Neste caso, a perda do PIB per capita, em média, é de cerca de 10%.
Adicionalmente, populistas de direita frequentemente exploram ansiedades culturais, muitas vezes utilizando-as como táticas de distração de problemas mais profundos. Apesar das distinções ideológicas e das estratégias adotadas, ambas as manifestações do populismo compartilham uma hostilidade marcante a instituições independentes, tais como tribunais, universidades e bancos centrais. Este é um ponto de convergência crucial que fragiliza os pilares de uma sociedade democrática.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
O Ciclo Vicioso da Recorrência e a Crise Argentina
Em resumo, a demagogia populista, tal como advertido por Platão há milênios, representa uma grave ameaça à saúde da democracia. Suas políticas, que priorizam ganhos de curto prazo, culminam em danos econômicos duradouros e minam as instituições fundamentais de uma sociedade liberal, notadamente o Estado de Direito – a própria essência da liberdade e da governança democrática. O desfecho é uma erosão da confiança pública e da credibilidade das estruturas sociais. É importante consultar dados de entidades como o Banco Mundial para entender a persistência desses ciclos econômicos desfavoráveis, especialmente em regiões vulneráveis. Para mais informações sobre economias em desenvolvimento, confira as perspectivas da América Latina e Caribe pelo Banco Mundial.
A natureza duradoura e recorrente dos regimes populistas é um aspecto particularmente inquietante. O caso da Argentina serve como um exemplo emblemático neste sentido. O atual presidente, Javier Milei, não é o primeiro líder a empreender esforços para reverter o prolongado declínio do país e, à semelhança de seus predecessores, encontra-se diante de desafios substanciais, aparentando estar à beira de uma potencial falha em sua missão.
Os Desafios da Reconstrução e a Persistência de Legados Populistas
Maurice Obstfeld, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), manifestou sua descrença no plano de Milei de controlar a inflação por meio de um câmbio fixo, uma estratégia que raramente alcança êxito. O economista Matt Klein complementa essa perspectiva, argumentando que a Argentina carece do compromisso nacional, dos recursos adequados e da credibilidade necessária para sustentar tal esquema. A intervenção americana, similar ao “custe o que custar” de Mario Draghi no BCE em 2012, é improvável, dado o contexto de uma guerra comercial com o Brasil e a reduzida prioridade estratégica da Argentina para os Estados Unidos. Os fundos eventualmente injetados podem socorrer alguns fundos de hedge, mas não solucionarão o problema estrutural do país sul-americano.
A Argentina, para iniciar sua recuperação, precisa urgentemente de estabilidade e crescimento econômico contínuos, mantidos por um tempo suficiente para reconquistar a confiança do setor empresarial e dos investidores. Após inúmeros calotes e tentativas frustradas de estabilização e reformas, essa reconstrução não ocorrerá da noite para o dia. Até o momento, nenhum líder conseguiu sustentar um mandato longo o bastante para materializar essa virada. A questão que paira é: será que Javier Milei conseguirá romper esse ciclo?
O problema transcende a herança do descontrole fiscal e monetário. É notória a dificuldade de figuras como Donald Tusk, na Polônia, em reverter o retrocesso institucional deixado por gestões anteriores. O mesmo aplica-se aos Estados Unidos: mesmo que o movimento “Maga” (Make America Great Again) seja derrotado nas urnas, o legado de Donald Trump dificilmente desaparecerá. As instituições e o arcabouço de confiança que o populismo desmantela são notavelmente difíceis de serem reconstruídos, um ponto que os argentinos, com sua longa experiência, podem atestar.
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Esta análise de Martin Wolf sublinha a urgência em compreender e mitigar os efeitos de um fenômeno que ameaça não só a saúde econômica, mas a própria essência democrática. Para aprofundar seu entendimento sobre as tendências econômicas globais e os desafios políticos que influenciam nossa sociedade, continue acompanhando as notícias em nossa editoria de Economia.
Crédito da imagem: Kevin Lamarque – 20.out.25/Reuters



