A recente observação da menopausa em gorilas-da-montanha, da subespécie Gorilla beringei beringei, está redefinindo as fronteiras do que se conhece sobre os ciclos reprodutivos de grandes primatas. Até então, a menopausa era amplamente considerada um fenômeno quase exclusivo da espécie humana, envolto em mistérios biológicos. Contudo, evidências colhidas de fêmeas selvagens no leste-central da África, mais especificamente em Uganda, sugerem fortemente que esses símios também passam por uma fase pós-reprodutiva.
Esta pesquisa transformadora, divulgada no último dia 13 na respeitada revista científica PNAS, é fruto do trabalho meticuloso de Nikolaos Smit e Martha Robbins, pesquisadores do prestigiado Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionista, sediado na Alemanha. O estudo fundamentou-se em um extenso programa de monitoramento da população de gorilas-das-montanhas residentes no Parque Nacional Impenetrável de Bwindi, um local com nome sugestivo na nação africana, cuja tradução, “local cheio de trevas”, evoca a densidade de sua floresta e seu caráter singular.
Menopausa em Gorilas-da-Montanha Desafia Concepções Científicas
Dentre as 25 fêmeas adultas que foram alvo de acompanhamento contínuo na região de Bwindi, sete delas demonstraram um notável tempo de vida pós-reprodutivo, que se estendeu por mais de uma década. Notavelmente, duas dessas fêmeas atingiram idades próximas aos cinquenta anos, um marco extraordinariamente raro para gorilas vivendo em seu habitat natural. Tais dados conferem robustez à tese de que a transição para uma fase não-reprodutiva é uma realidade para esses majestosos primatas.
O conceito de “tempo de vida pós-reprodutivo” para as gorilas foi meticulosamente aferido com base no intervalo habitual entre o nascimento de cada filhote da espécie, que varia de quatro a seis anos. Se uma fêmea não gerava um novo filhote após o dobro desse período — cerca de oito a doze anos —, e se essa ausência de gestação era acompanhada pela interrupção das relações sexuais, os cientistas a consideravam em uma etapa pós-reprodutiva. As fêmeas estudadas no grupo de Bwindi também exibiam uma idade superior a 35 anos, o limite máximo conhecido para partos na natureza para essa espécie, e não acasalavam havia, no mínimo, sete anos e meio.
De acordo com as estimativas apresentadas pelos pesquisadores, as fêmeas da população gorila em Uganda dedicam ao menos 10% de sua vida adulta — que tem início por volta dos dez anos de idade — a um estado pós-reprodutivo, período que guarda paralelos significativos com a menopausa experimentada pelas mulheres humanas. Embora a comprovação cabal do fenômeno da menopausa ainda demande análises mais aprofundadas, uma vez que a redução na natalidade poderia ser associada à maior perda fetal com o avançar da idade, análises hormonais em fêmeas mais idosas da espécie já apontam para alterações semelhantes às observadas no sexo feminino humano.
Se as descobertas forem corroboradas integralmente, as gorilas-da-montanha de Uganda ingressarão numa seleta lista de mamíferos em que a menopausa é registrada. Este grupo inclui uma população de chimpanzés em Ngogo, também localizada em Uganda, e diversas espécies de cetáceos com dentes, como orcas, falsas-orcas, belugas e narvais. A presença da menopausa nesses animais traz à t tona uma questão crucial para a biologia evolutiva: qual a vantagem de abdicar da capacidade reprodutiva durante uma parte considerável da vida adulta?
À primeira vista, sob uma perspectiva simplista da seleção natural, tal estratégia pareceria contraintuitiva. O conceito original, formulado pelos naturalistas britânicos Charles Darwin e Alfred Russel Wallace no século XIX, sugeriria que indivíduos com menor produção de descendentes teriam menos chances de transmitir suas características genéticas para as futuras gerações, implicando que a propensão à menopausa deveria ser eliminada da população ao longo do tempo. No entanto, o entendimento moderno da evolução é mais complexo.

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Considerando a finitude dos recursos ambientais — sejam eles alimentos, abrigo ou parceiros sexuais — e as limitações inerentes à saúde e vitalidade do organismo ao longo da vida, outras estratégias podem ser mais vantajosas. Em vez de uma produção desenfreada de filhotes, é possível que a natureza favoreça a geração de um número menor de descendentes, mas com um “investimento” mais significativo em seu cuidado e sobrevivência, garantindo assim que a prole alcance a maturidade e consiga, por sua vez, reproduzir-se.
Essa perspectiva conduz a uma das possíveis explicações para a menopausa, a célebre “hipótese da avó”. Segundo esta teoria, após uma determinada idade, a fêmea redireciona seus esforços do investimento reprodutivo direto para o cuidado e suporte dos filhotes de suas próprias filhas ou filhos. Como os netos compartilham uma parte substancial da herança genética da avó, essa ajuda indireta contribuiria para o seu sucesso reprodutivo e evolutivo global. Contudo, para as gorilas-da-montanha, os autores do estudo ponderam que essa hipótese é menos provável, visto que as fêmeas dessa espécie costumam transitar entre diferentes grupos sociais ao longo da vida, dificultando o acompanhamento e o cuidado com os próprios netos, elemento central da teoria.
Em substituição à “hipótese da avó”, ganha força a “hipótese da mãe”. Esta sugere que o tempo de vida pós-reprodutivo teria um valor inestimável para que as mães auxiliassem na finalização da criação dos filhotes mais velhos e atuassem como aliadas sociais deles, inclusive em sua vida adulta. Tal dinâmica reforçaria a coesão do grupo e aumentaria as chances de sobrevivência da prole. A validação definitiva dessa proposta, contudo, dependerá de futuros e aprofundados estudos que consigam desvendar as complexas dinâmicas sociais dessas fascinantes comunidades de gorilas.
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Em suma, a constatação da menopausa em gorilas-da-montanha não só enriquece o nosso conhecimento sobre a biologia dessas espécies, mas também estimula novos debates acerca das complexas estratégias evolutivas para a longevidade e a perpetuação genética. A compreensão dos fatores que levam ao investimento pós-reprodutivo em primatas pode fornecer insights inestimáveis sobre a nossa própria jornada evolutiva e o papel das fêmeas na conformação de estruturas sociais complexas. Para análises mais aprofundadas sobre descobertas científicas e seus desdobramentos, continue explorando as nossas análises.
Crédito da imagem: Edward Echwalu/Reuters


