DF mantem 2ª pior cobertura de CAPS do país há 6 anos

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O Distrito Federal sustenta há mais de seis anos a alarmante posição de segunda pior cobertura de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em todo o Brasil. Atualmente, a capital federal dispõe de apenas 18 unidades, um número que tem demonstrado um ritmo de expansão considerado lento frente à crescente demanda por serviços de saúde mental na rede extra-hospitalar. Este cenário levanta preocupações significativas sobre a qualidade e acessibilidade do atendimento psicológico e psiquiátrico para a população local.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, a proporção é de 0,54 CAPS para cada 100 mil habitantes no Distrito Federal, superando apenas o estado do Amazonas. Este índice contrasta drasticamente com a média nacional de 1,13 CAPS por 100 mil habitantes, revelando uma defasagem que perdura e mantém o DF em uma situação crítica na gestão da saúde mental pública. Esta precariedade de infraestrutura persistiu inalterada durante os dois mandatos do governador Ibaneis Rocha (MDB), eleito em 2018 e reeleito em 2022.

DF mantem 2ª pior cobertura de CAPS do país há 6 anos

Ainda nesse contexto desafiador, o Distrito Federal segue operando com 116 leitos psiquiátricos de internação de longa permanência. Esta modalidade de acolhimento reproduz uma lógica manicomial que é expressamente proibida tanto pela legislação federal quanto por lei distrital, sublinhando uma contradição flagrante na política de saúde mental local. O contraste entre a escassez de serviços comunitários e a manutenção de leitos em desacordo com a legislação vigente ressalta os complexos desafios enfrentados pela Secretaria de Saúde (SES-DF).

Ao ser questionada, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal atribuiu a estagnação na cobertura de CAPS à ausência de um acompanhamento adequado do crescimento populacional por parte da rede de serviços de saúde mental. A pasta enfatiza que a abertura de novos CAPS demanda não apenas vultuosos investimentos financeiros, mas também a contratação de profissionais especializados e um período de adaptação orçamentária e administrativa. Embora não seja possível determinar um valor exato do investimento em saúde mental na rede pública, a Secretaria estima que os gastos anuais médios orbitam em torno de R$ 285 milhões.

Há previsão para a criação de cinco novos CAPS até 2026. Contudo, até o momento, apenas dois deles tiveram suas obras iniciadas, localizados no Recanto das Emas e no Gama. O investimento previsto para essas construções é de R$ 28 milhões. Segundo o psicólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB), Pedro Henrique Antunes da Costa, a cobertura insuficiente de CAPS impacta severamente o cuidado em saúde mental. “Se há poucos CAPS, já quebra bastante do fluxo assistencial da rede que tem os CAPS como dispositivos fundamentais. Eles são os principais dispositivos especializados”, pontua o professor, evidenciando a essencialidade desses centros para uma atenção qualificada.

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e seus Desafios no DF

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), instituída pelo Ministério da Saúde em 2011, foi concebida para oferecer uma atenção integral a pessoas com transtornos mentais e demandas decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Essa rede se estrutura em sete níveis de atenção interligados, abrangendo desde a atenção primária até a reabilitação psicossocial. Mais informações sobre a RAPS e seus componentes podem ser encontradas na página oficial do Ministério da Saúde.

No Distrito Federal, os serviços especializados dentro da RAPS incluem: 18 CAPS, 1 Centro de Orientação Médico Psicopedagógica (COMPP), 1 Adolescentro, 2 residências terapêuticas, 1 unidade de acolhimento, 59 leitos clínicos em saúde mental e 121 leitos psiquiátricos. Para operar essa rede, a capital conta com 121 psiquiatras e 285 psicólogos. Apesar dessa estrutura, o professor Pedro Henrique Antunes da Costa adverte que o Distrito Federal enfrenta “lacunas severas nos sete níveis de atenção”, exemplificando com a escassez de consultórios de rua e a ausência de centros de convivência na atenção básica.

Demanda Crescente e os Desafios do Atendimento

Os dados da Secretaria de Saúde do DF demonstram um crescimento exponencial na busca por atendimentos psicossociais. Em 2022, foram registrados 212 mil atendimentos especializados nos CAPS do DF, número que saltou para 354 mil em 2024, um aumento expressivo de 66% em dois anos. No primeiro semestre de 2025, os procedimentos já totalizavam 199.088, evidenciando uma média de 1.106 atendimentos por dia.

As portas de entrada para o atendimento incluem os três Consultórios de Rua (em Ceilândia, Taguatinga e Plano Piloto) e as Unidades Básicas de Saúde (UBSs). O segundo nível de atendimento, voltado a transtornos mentais graves ou uso problemático de substâncias, é operacionalizado pelos 18 CAPS existentes. Dentre eles, há:

  • 1 CAPS I, em Brazlândia, que atende todas as idades.
  • 5 CAPS II, localizados no Paranoá, Planaltina, Asa Norte, Taguatinga e Riacho Fundo, dedicados a adultos.
  • 1 CAPS III, em Samambaia, que funciona 24 horas, incluindo finais de semana e feriados, com capacidade para até 5 leitos de acolhimento noturno para adultos.
  • 4 CAPS Álcool e Drogas (AD II), no Guará, Santa Maria, Sobradinho e Itapoã, para pessoas a partir de 16 anos.
  • 3 CAPS Álcool e Drogas (AD III), em Ceilândia, Samambaia e Asa Sul, com funcionamento 24 horas, leitos (máx. 12) e para pessoas a partir de 16 anos.
  • 4 CAPSi (Infantil), na Asa Norte, Taguatinga, Recanto das Emas e Sobradinho, para crianças e adolescentes.

Para crianças de 0 a 12 anos com sofrimento mental moderado, o DF oferece o Centro de Orientação Médico Psicopedagógica (COMPP), fundado em 1969. Esta unidade, que presta atendimento ambulatorial e orientação médica, psicológica, pedagógica e social, apresenta uma fila de espera alarmante de cerca de dois anos para o primeiro atendimento. Já adolescentes de 12 a 17 anos com casos moderados, vítimas de violência ou usuários de substâncias psicoativas são encaminhados ao Adolescentro, que oferece atendimento multiprofissional e interdisciplinar.

Residências Terapêuticas e Unidades de Acolhimento: Déficit Crítico

Após o atendimento nos CAPS, pacientes podem ser direcionados para Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) ou Unidades de Acolhimento (UA). As residências terapêuticas buscam oferecer moradia a egressos de internações psiquiátricas de longa duração em situação de vulnerabilidade, com vagas vitalícias. O DF conta com apenas duas SRTs no Paranoá, uma feminina e outra masculina, cada uma com 10 vagas, ambas inauguradas em 2024 e atualmente com ocupação máxima. Há uma fila de espera de 83 pessoas, algumas aguardando por mais de 15 a 20 anos, conforme revelado pela subsecretária de Saúde Mental do DF, Fernanda Falcomer.

DF mantem 2ª pior cobertura de CAPS do país há 6 anos - Imagem do artigo original

Imagem: g1.globo.com

As unidades de acolhimento, por sua vez, oferecem residência temporária por até seis meses para pacientes do CAPS que necessitam de acolhimento terapêutico e protetivo, com equipe qualificada e funcionamento 24 horas. No DF, há apenas uma unidade em Samambaia, com 15 vagas, que geralmente opera com lotação máxima. Idealmente, para cada 10 leitos em enfermarias especializadas de hospitais gerais, uma UA com 15 vagas seria necessária. Considerando os 59 leitos clínicos existentes no DF, o mínimo recomendável seria 10 unidades de acolhimento. A situação é ainda mais grave no que tange a crianças e adolescentes: o DF não possui nenhuma UA infantil. Baseando-se na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2021 (IBGE), que indica que um em cada cinco jovens de 13 a 17 anos no DF teve contato com drogas, seriam necessárias pelo menos 10 UAs para crianças e jovens apenas nesse grupo etário.

Atendimentos Hospitalares e a Permanência de Leitos Proibidos

Os atendimentos de emergência em saúde mental nos hospitais do Distrito Federal também registraram um aumento significativo. Em 2021, foram 21.276 atendimentos, saltando para 48.764 em 2024, o que representa um crescimento de 129% em apenas dois anos. De janeiro a abril de 2025, a média diária foi de 117 atendimentos, totalizando 14.074. Os 59 leitos clínicos em saúde mental disponíveis para tratamento hospitalar de crises agudas estão distribuídos em oito hospitais: HMIB (10), HRC (3), HRGu (5), HUB (14), HRG (8), HRL Paranoá (3), HRS (10) e HRSM (6). Contudo, o Ministério da Saúde preconiza um leito clínico para cada 23 mil pessoas, indicando que o DF precisaria de cerca de 130 leitos – mais que o dobro da capacidade atual.

Em um grave descompasso com a legislação, o Distrito Federal mantém 121 leitos psiquiátricos de longa permanência. Estes leitos, distribuídos entre o Hospital de Base (36), Hospital São Vicente de Paulo (83) e Hospital da Criança (2), são expressamente proibidos por uma lei distrital de quase 30 anos e pela lei federal sancionada em 2001 (reforma psiquiátrica), que determinam a extinção progressiva de internações de longa permanência. No Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), o único hospital psiquiátrico do DF e onde a maioria dos leitos está concentrada, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) tem denunciado sistematicamente as más condições estruturais e o tratamento desumano dos pacientes. Nos últimos quatro meses, duas pessoas morreram no HSVP: Eva de Oliveira, 52 anos, em 22 de abril de 2025, e Raquel Franca de Andrade, 24 anos, em 25 de dezembro de 2024.

Canais de Apoio à Saúde Mental

Para quem busca ajuda em saúde mental, o Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde do DF indicam diversos canais. A Atenção Primária, via UBSs, é a porta de entrada preferencial, responsável pela avaliação e manejo inicial. É possível também procurar diretamente um dos 18 CAPS, que oferecem cuidado especializado em sofrimento psíquico grave e persistente. Em situações de risco agudo (ideação suicida, tentativas), o acesso deve ser via urgência e emergência do SUS, SAMU 192 (que conta com o Núcleo de Saúde Mental – NUSAM no DF), UPA 24h ou Pronto Socorro psiquiátrico de referência no HSVP.

Outro canal vital é o Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece apoio emocional e prevenção do suicídio através do telefone 188 (ligação gratuita, 24h), além de atendimento por e-mail, chat e voip em www.cvv.org.br. Esses serviços visam oferecer suporte em momentos de crise, promovendo a escuta ativa e o sigilo total aos que precisam conversar.

Esclarecimentos da Secretaria de Saúde do DF

A Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) reforça que a organização da atenção à saúde mental ocorre através da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que integra serviços em todos os níveis do SUS para garantir acesso oportuno e cuidado contínuo. A SES-DF salienta que o direcionamento dos usuários considera aspectos multifatoriais, sinais de agravamento psíquico e recursos disponíveis na rede, não se baseando exclusivamente em diagnósticos. Isso significa que o atendimento pode ser realizado nas UBSs (Atenção Primária), Policlínicas, CAPS e ambulatórios especializados (Atenção Secundária) ou, em casos específicos, demandar atenção hospitalar (Atenção Terciária).

Devido a essa estrutura integrada, a Secretaria explica que não é viável aferir um valor exato de investimento em saúde mental na rede pública, pois os custos são diluídos no orçamento geral de cada nível de atenção. Os recursos para novos CAPS, por exemplo, contemplam apenas a parte estrutural, não incluindo despesas de custeio e manutenção. No entanto, estima-se que o investimento médio anual nos serviços especializados em saúde mental ronde os R$ 285 milhões, e outros R$ 28 milhões serão investidos na construção dos cinco novos CAPS planejados. A SES-DF reitera que os CAPS, como serviços de base territorial e comunitária, são fundamentais no tratamento de transtornos mentais graves e persistentes e do uso prejudicial de álcool e outras drogas, com equipes multiprofissionais atuando de forma interdisciplinar.

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A manutenção da segunda pior cobertura de CAPS do Brasil por tanto tempo no Distrito Federal reflete uma grave defasagem na estrutura de saúde mental pública, que enfrenta demanda crescente, persistência de práticas manicomiais proibidas por lei e um impacto direto no bem-estar da população. A ampliação e fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial são essenciais para reverter esse cenário crítico. Para mais informações sobre políticas públicas e a vida na capital, continue acompanhando a editoria de Cidades em nosso portal.

Crédito da imagem: Jhonatan Cantarelle/Agência Saúde-DF

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