O crescente uso de stablecoins como alternativa para driblar o IOF no exterior tem se intensificado no Brasil, impulsionado pela recente elevação do Imposto sobre Operações Financeiras para transações cambiais. Criptomoedas atreladas ao valor de ativos de referência, geralmente o dólar, as stablecoins permitem a movimentação de valores sem a incidência do imposto, que subiu de 1,1% para 3,5% em operações como compras internacionais com cartão, aquisição de moeda em espécie e remessas ao exterior. Esta mudança representa uma significativa vantagem financeira para turistas e viajantes.
Dados recentes da plataforma Biscoint corroboram essa tendência. A negociação média da Tether (USDT), uma das stablecoins lastreadas em dólar mais antigas e amplamente negociadas, apresentou um crescimento de 78% em reais, saltando de R$ 53 bilhões em 2024 para R$ 74 bilhões em 2025. Esse aumento substancial no volume movimentado sublinha o interesse crescente do público e do mercado financeiro brasileiro nessas soluções digitais para pagamentos internacionais.
Stablecoin Dribla IOF Alto e Impulsiona Pagamentos no Exterior
Segundo Sarah Uska, porta-voz do Bitybank, uma empresa que oferece cartões atrelados a criptomoedas, a “adoção está crescendo absurdamente”, citando um aumento de 36% no volume de stablecoins vinculadas ao dólar americano transacionado no Brasil entre junho e julho. O impulso para essa escalada no uso das moedas digitais não decorre apenas da alta do imposto, mas também de uma significativa mudança regulatória. Em julho, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aprovou a regulamentação das stablecoins atreladas ao dólar, exigindo que as exchanges mantenham reservas equivalentes para garantir que cada moeda realmente valha um dólar.
A Receita Federal, por sua vez, ressalta que a posse de stablecoins deve ser declarada caso o valor ultrapasse R$ 5.000 por ativo. Da mesma forma, operações com criptomoedas que excedam R$ 30 mil também devem ser declaradas. O órgão informou que, no primeiro semestre deste ano, foram declarados R$ 40 bilhões ao mês, em média, em operações com criptoativos realizadas por pessoas físicas e jurídicas. Apesar de as stablecoins serem, na prática, uma compra indireta de dólar, a legislação atual não as classifica como operações cambiais, justificando a atual isenção do IOF, fator chave para sua crescente popularidade.
Perspectivas do Regulador e Cartões de Criptomoedas
O Banco Central (BC) está ativamente engajado na revisão e alteração dessa regra. Em comunicado, o BC afirmou que questões tributárias são de competência da Receita Federal e que já apresentou uma proposta para regulamentar o uso de ativos virtuais no mercado de câmbio. A “elaboração da regulamentação da prestação de serviços de ativos virtuais no mercado de câmbio está em fase de conclusão.” O regulador adicionou que esta regulamentação abordará, entre outros aspectos, as “condições e requerimentos específicos para utilização de ativos virtuais, inclusive os denominados em moeda estrangeira (stablecoins), em pagamentos internacionais, sempre por meio de instituição autorizada a funcionar e a operar em câmbio pelo Banco Central.” Essas declarações apontam para uma futura adaptação da legislação brasileira que poderá impactar a dinâmica atual de uso dessas moedas.
Dados compilados pela Visa mostram que o volume transacionado por pessoas físicas via stablecoins atingiu US$ 155,5 bilhões nos últimos seis anos. Embora a participação do varejo em valor seja de apenas 0,6% nas transações orgânicas (excluindo robôs), em número de transferências, as pessoas físicas respondem por 55% do total. Isso indica que há uma grande quantidade de pequenas transações realizadas por indivíduos com stablecoins.
Um dos grandes motivadores desse cenário são os cartões de criptomoedas, que possibilitam o uso de stablecoins da mesma forma que as moedas fiduciárias. Antônia Souza, diretora de Moedas Digitais da Visa para a América Latina e o Caribe, esclarece que, em vez de debitar de uma conta bancária tradicional, o cartão acessa diretamente os fundos na carteira de criptoativos do usuário. “Para usuários e estabelecimentos, a experiência de uso e recebimento permanece inalterada; porém, no processo, ocorre uma conversão em tempo real entre stablecoin e moeda fiduciária,” detalha Souza. No Brasil, empresas como Crypto.com, Picnic e Kast já oferecem cartões de criptomoedas, atendendo tanto pessoas físicas quanto jurídicas e cartões corporativos. A Visa, inclusive, fornece infraestrutura para instituições financeiras emitirem suas próprias stablecoins, como o BBVA, que lançará uma stablecoin lastreada em euros neste ano.
A Mastercard também tem se posicionado neste segmento, lançando neste mês um cartão pré-pago em parceria com a corretora de criptomoedas Binance. O cartão permite pagamentos e saques em moeda local, convertendo o valor automaticamente no momento da transação. Segundo Guilherme Nazar, vice-presidente regional da Binance para a América Latina, “o saldo é debitado diretamente da conta Binance assim que a compra é aprovada,” garantindo um processo fluido. Além disso, aplicativos especializados como o Dolarapp permitem a conversão de Pix em reais para stablecoins como USDT e USDC com um spread cambial de apenas 0,5%, possibilitando o uso de um cartão atrelado para compras no exterior sem o IOF.

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Sarah Uska enfatiza as vantagens: “As stablecoins estão sendo bem vistas por empresas e por pessoas físicas. Elas funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana, e são rápidas, mandando o dinheiro em minutos. O fornecedor lá fora nem sabe que passou por stablecoin. Além disso, como ela reduz intermediário, reduz o custo.” Transações cambiais tradicionais envolvem bancos e corretoras, elevando taxas, enquanto as stablecoins operam diretamente via blockchain, online, eliminando a necessidade de registro junto ao Banco Central e, consequentemente, reduzindo os custos operacionais para os usuários.
Apesar dos benefícios, especialistas alertam para potenciais riscos jurídicos. Ana Cláudia Utumi, sócia-fundadora da Utumi Advogados, compara as remessas via stablecoins às operações de “blue chip swaps” dos anos 1990 e 2000, onde grandes empresas e bancos realizavam transferências de recursos ao exterior sem declaração ao BC para evitar o IOF. Tais operações foram consideradas ilegais pelo Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) em um julgamento posterior. A advogada aponta um “limbo jurídico” atual, onde o Banco Central considera que criptomoeda não substitui o câmbio, mas a Receita Federal pode ter um entendimento diferente. “Quem usa stablecoin para fazer remessas precisa se preocupar, pois há precedente jurídico [contrário]”, adverte.
Henrique Coimbra Figueiredo, do Vilas Boas Lopes Frattari Advogados, corrobora o aviso, afirmando que “se ficar constatado que a remessa para o exterior foi feita de forma oculta, sem declaração para a Receita Federal e Banco Central, seria um problema”. Caso as operações sejam julgadas irregulares, os usuários poderiam enfrentar a cobrança de 25% de IOF, somada a uma multa de 100% por evasão fiscal. Esta controvérsia jurídica em torno da classificação fiscal e regulatória das stablecoins destaca a necessidade de atenção por parte dos usuários e do mercado em geral, especialmente enquanto as entidades reguladoras como o Banco Central finalizam suas propostas de normatização para esses ativos virtuais. Para mais informações sobre a regulamentação do IOF e as normas para criptoativos no Brasil, pode-se consultar diretamente as orientações oficiais em sites como o da Receita Federal.
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Em suma, as stablecoins surgem como uma ferramenta cada vez mais atraente para transações internacionais no cenário brasileiro, oferecendo uma alternativa ao IOF elevado e modernizando as formas de pagamento. Contudo, o rápido avanço dessa tecnologia impõe desafios regulatórios, e é crucial que os usuários se mantenham informados sobre a legislação vigente e futuras atualizações para garantir a conformidade fiscal. Continue acompanhando as notícias em nossa editoria de Economia para mais detalhes sobre as últimas tendências e regulamentações no mercado de criptoativos e finanças.
Crédito da imagem: Pedro Affonso – 19.dez.2024/Folhapress




