Em Hong Kong, a metrópole conhecida por seu dinamismo e arranha-céus luxuosos, a realidade da moradia para grande parte da população é assombrosa: a vida nos apartamentos-caixão. O recente documentário do programa Fantástico, exibido no domingo, 19 de novembro, expôs as condições de vida nessas micro-habitações, que muitas vezes carecem de janelas e são equipadas com mini-banheiros, enquanto a sorte define quem terá acesso a uma minicozinha compartilhada. A procura por um lar em uma das cidades mais densamente povoadas do planeta empurra milhares de pessoas para essas moradias extremamente limitadas, redefinindo o conceito de dignidade habitacional e gerando uma crise humana de grandes proporções. Essas unidades, com metragem insignificante, são o único recurso para muitos diante do implacável mercado imobiliário local.
Esses espaços, designados por “apartamentos-caixão”, representam não apenas um desafio físico, mas também um peso emocional esmagador para seus ocupantes. Indivíduos como a Miss Lee buscam recomeçar suas vidas nesses diminutos cômodos, onde o convívio diário se dá entre pilhas de sacolas, pequenos pertences e, em seu caso, sua cachorrinha, Bibi. O impacto psicológico é profundo. “Morar lá é devastador. Devastador. Sinto falta da minha casa. Quero muito voltar para o mundo de quando eu era pequena”, desabafa Miss Lee, expressando um anseio profundo por um passado mais seguro e confortável, um reflexo do desamparo sentido no presente. Essa dor transcende a carência material, alcançando a esfera emocional e a sensação de perda da própria identidade em meio a tal privação espacial.
Crise em Hong Kong: A Devastadora Realidade dos Apartamentos-Caixão
A experiência de conviver em ambientes tão restritos também afeta profundamente as relações sociais entre os moradores. Gam-Tin Ma, outro residente dessas micromoradias, descreve a dinâmica peculiar que se estabelece: “Somos só pessoas aleatórias num mesmo lugar. É como se não quiséssemos ser inimigos nem amigos.” Essa citação ressalta uma coexistência marcada pela ausência de laços verdadeiros, onde a intimidade forçada pelo espaço apertado não se traduz em camaradagem, mas sim em uma barreira invisível de isolamento emocional e defensivo. Cada morador parece existir em uma ilha particular dentro do coletivo, navegando entre o desejo de não entrar em conflito e a incapacidade de formar conexões genuínas.
Especialistas apontam que a gênese dessa profunda crise de moradia em Hong Kong reside em uma convergência de fatores críticos: a intensa especulação imobiliária e a crescente precariedade do trabalho. Essa combinação perversa cria um ciclo vicioso onde os preços dos imóveis atingem patamares inacessíveis para a maioria, enquanto as oportunidades de emprego não oferecem remuneração suficiente para custear uma moradia digna. Betty Xiao Wang, professora da renomada Universidade de Hong Kong, oferece uma perspectiva inquietante sobre a situação, traçando um paralelo entre a invisibilidade dos sem-teto em grandes cidades ocidentais e a dos moradores de apartamentos-caixão em Hong Kong. “Há moradores de rua em Londres, Nova York. Aqui, basicamente, eles estão alojados nas casas-caixão”, observa ela. A professora ainda questiona a viabilidade de uma proibição completa dessas moradias precárias: “Se o governo proibisse completamente, pra onde iriam?”. Essa questão lança luz sobre a complexidade do problema e a ausência de alternativas reais para essa parcela da população, que já se encontra à margem do sistema habitacional convencional.
A realidade financeira para esses moradores é tão desanimadora quanto as condições de vida. A Miss Lee, por exemplo, arca com um custo mensal de aproximadamente R$ 1.400 por um espaço onde, paradoxalmente, mal consegue esticar as pernas ou realizar movimentos básicos com conforto. Esse valor elevado, incompatível com a qualidade de vida oferecida, destaca o contraste gritante com o florescente mercado imobiliário de luxo de Hong Kong. A cidade se orgulha de seus arranha-céus monumentais, alguns com mais de 100 metros de altura, símbolos de opulência e prosperidade acessíveis a uma elite extremamente restrita. Enquanto isso, para uma vasta maioria, a rotina diária é reduzida a um constante esforço pela sobrevivência, onde cada respiração é uma batalha para resistir em condições desumanas.
A demanda por moradia é tão intensa que soluções criativas e, por vezes, angustiantes são buscadas pelos indivíduos. Mr. Tang, um morador que compartilha um apartamento de modestos nove metros quadrados – um espaço equivalente a um pequeno quarto ou até mesmo menor –, ilustra bem a urgência e a modéstia dos desejos de quem enfrenta essa situação. Seu anseio não é por luxo ou por um amplo lar, mas por dignidade e funcionalidades básicas. Ele sonha em ter “Um banheiro em que eu consiga entrar de frente. Uma cozinha. Um espaço para colocar uma cadeira e uma mesa ao lado da cama.” Esses pedidos simples por privacidade e conforto essenciais sublinham a gravidade da privação vivenciada, revelando que a moradia em Hong Kong transcendeu a mera necessidade para se tornar um símbolo de aspiração por direitos humanos fundamentais.

Imagem: dentro as micromoradias em Hong Kong via g1.globo.com
O dilema de Hong Kong serve como um estudo de caso contundente sobre as consequências de políticas urbanas e econômicas que favorecem o crescimento sem garantir o bem-estar social. A falta de regulação eficaz do mercado imobiliário e a concentração de riqueza continuam a marginalizar comunidades inteiras, aprisionando-as em condições de vida subumanas. Para uma análise mais aprofundada sobre as questões econômicas globais que afetam os mercados imobiliários, é importante consultar fontes como a BBC News Brasil, que frequentemente aborda as crises de habitação em diversos países. A cidade, apesar de sua fachada futurista, lida com uma ferida aberta que afeta o coração de sua sociedade, questionando os verdadeiros custos do desenvolvimento desenfreado e da desigualdade.
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Em suma, a situação dos apartamentos-caixão em Hong Kong revela um cenário alarmante de crise de moradia, impulsionada por complexos fatores socioeconômicos. Acompanhe a editoria de Cidades de Hora de Começar para mais análises e reportagens sobre desafios urbanos e soluções habitacionais em diferentes partes do mundo, buscando sempre uma perspectiva crítica e informativa sobre questões que impactam diretamente a vida em sociedade. Saiba mais sobre a realidade de diversas metrópoles aqui.
Crédito da imagem: Fantástico



