Planos ambiciosos de grandes empresas de tecnologia para lançar stablecoins na China, especificamente em Hong Kong, foram suspensos. Esta paralisação acontece em decorrência de expressivas preocupações manifestadas pelo governo chinês a respeito da proliferação de moedas digitais controladas pelo setor privado. As instruções partiram de órgãos reguladores influentes, indicando uma postura mais cautelosa de Pequim frente a essas inovações financeiras.
Grandes conglomerados, incluindo o Ant Group, com suporte da Alibaba, e o JD.com, um gigante do e-commerce, haviam demonstrado anteriormente um interesse considerável em participar do programa piloto de stablecoins de Hong Kong. As companhias planejavam, durante o verão local – que corresponde ao inverno no Brasil –, desenvolver e emitir produtos lastreados em ativos virtuais, tais como títulos tokenizados, sinalizando uma potencial expansão significativa no setor de finanças digitais do território.
Gigantes Tech Freiam Planos de Stablecoins na China Após Pressão
A virada nos acontecimentos se deu após os grupos de tecnologia receberem orientações diretas de órgãos regulatórios chineses para não avançarem com seus projetos. Entre as entidades que intervieram estão o PBoC (Banco Popular da China) e a CAC (Administração do Ciberespaço da China). Fontes próximas às deliberações indicaram que as diretrizes foram claras: as empresas deveriam frear suas aspirações com as stablecoins, revelando a intensidade do escrutínio governamental.
As preocupações do PBoC concentraram-se na permissão para que empresas de tecnologia e corretoras tivessem a autonomia de emitir qualquer modalidade de moeda. Cinco indivíduos com conhecimento das discussões revelaram que os funcionários do Banco Central chinês desaconselharam a participação inicial das empresas no programa de lançamento de stablecoins, demonstrando uma reticência fundamental sobre a desregulamentação da cunhagem monetária. Essa apreensão sugere uma linha de controle estrito por parte da autoridade monetária do país.
Adicionalmente, um dos informantes, familiarizado com os encontros entre o banco central e os grupos tecnológicos, explicou que a emissão de stablecoins administradas por entidades privadas era vista como uma concorrência direta ao ambicioso projeto de moeda digital do PBoC, o e-CNY. Este fator adicionou uma camada estratégica à decisão regulatória, destacando a importância de salvaguardar a iniciativa estatal no campo das moedas digitais.
Reguladores Globais Atentos ao Cenário
O conceito de stablecoins, definido como tokens digitais atrelados a moedas fiduciárias reais, como o dólar americano, é um pilar fundamental no comércio de criptomoedas. A cautela e a resistência demonstradas pelas autoridades chinesas espelham uma preocupação global crescente dos reguladores frente ao avanço das stablecoins.
Em outras jurisdições, esta vigilância já era patente. Durante a administração Trump nos EUA, as stablecoins foram promovidas como um elemento central das finanças tradicionais e um mecanismo para reforçar a dominância do dólar. No entanto, o Banco Central Europeu já havia expressado receios de que uma vasta adoção de stablecoins lastreadas em dólar pudesse complicar sua própria capacidade de gerir a política monetária, evidenciando as complexidades regulatórias envolvidas no panorama financeiro global.
Hong Kong como Laboratório e Visões Divergentes
A Autoridade Monetária de Hong Kong (HKMA), atuando como o banco central do território, iniciou em agosto um processo de aceitação de inscrições para emissores de stablecoins, posicionando a região como um potencial centro de testes no cenário continental. O interesse no programa de Hong Kong intensificou-se durante o verão, e alguns oficiais chegaram a cogitar que stablecoins denominadas em yuan poderiam, em tese, estimular a internacionalização da moeda chinesa.

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Zhu Guangyao, que atuou como ex-vice-ministro das Finanças da China, defendeu publicamente em junho que a “finalidade estratégica por trás da promoção norte-americana de stablecoins é manter a supremacia do dólar”. Segundo ele, para a China, seria vital responder a esse desafio financeiro desenvolvendo uma stablecoin atrelada ao yuan. Em um fórum em Pequim, o ex-ministro afirmou a importância de “aproveitar integralmente os programas piloto em Hong Kong” e que “a stablecoin de yuan deve ser incorporada ao planejamento global da estratégia financeira nacional”, ressaltando a relevância geopolítica da moeda digital.
Contudo, a abordagem regulatória adotou um viés mais prudente. Duas pessoas informadas sobre os projetos dos grupos de tecnologia relataram que a cautela aumentou significativamente após um discurso proferido por Zhou Xiaochuan, antigo governador do PBoC, no final de agosto. Em um fórum financeiro realizado em Pequim, Zhou insistiu na necessidade de uma análise minuciosa das stablecoins e dos potenciais riscos sistêmicos que elas poderiam acarretar para a estabilidade financeira. O ex-governador alertou sobre o “risco de stablecoins serem usadas excessivamente para especulação de ativos”, advertindo que uma alocação inadequada poderia “desencadear fraudes e instabilidade no sistema financeiro”.
Além disso, Zhou Xiaochuan solicitou uma “avaliação cuidadosa da verdadeira demanda de tokenização como fundamento tecnológico”. Ele enfatizou que, embora muitos visualizem as stablecoins como transformadoras do sistema de pagamentos, há na realidade pouco espaço para redução de custos no sistema atual, especialmente nos pagamentos de varejo. Esta perspectiva reforçou a hesitação das autoridades em avançar rapidamente sem uma análise exaustiva.
Repercussões e Silêncio das Instituições
A reviravolta nos planos das gigantes chinesas ressalta a tensão entre a inovação tecnológica no setor financeiro e o controle regulatório estatal. A recusa do PBoC em comentar, assim como a da HKMA sobre rumores de mercado, e a falta de resposta da CAC, Ant e JD.com a pedidos de comentário, indicam a sensibilidade da situação e a discrição mantida pelas partes envolvidas.
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A decisão das gigantes tecnológicas chinesas de frear seus projetos de stablecoins em Hong Kong, influenciada diretamente pela pressão regulatória de Pequim, sinaliza uma fase de maior controle sobre o ecossistema das moedas digitais privadas na China. Esse movimento reforça a estratégia do governo em centralizar o poder de emissão monetária e proteger a implementação do e-CNY. Continue acompanhando as notícias em nossa editoria de Economia para ficar por dentro dos desenvolvimentos no cenário financeiro global.
Crédito da imagem: Dado Ruvic/Reuters


