Um novo projeto de lei na capital baiana, em fase de tramitação, propõe modificações significativas na regulamentação para a edificação de prédios na orla de Salvador. A iniciativa da prefeitura visa flexibilizar o limite de altura das construções, o que tem gerado intensos debates em diversos setores da sociedade. Especialistas alertam para as possíveis consequências, incluindo o risco de sombreamento das praias, uma questão ambiental e de uso público central para os moradores.
A discussão central envolve a harmonização entre o desenvolvimento imobiliário e a preservação do extenso litoral soteropolitano. Com 64 quilômetros de praias na parte continental, que se estendem para 105 quilômetros ao incluir as três ilhas municipais, a orla de Salvador representa um espaço vital de lazer e interação. Essa área estratégica da cidade tem sido palco de constantes debates sobre ocupação e uso do solo, englobando desde os projetos do setor imobiliário até o planejamento da prefeitura para reabilitar áreas degradadas, e os interesses da população.
Projeto Flexibiliza Lei para Prédios na Orla e Pode Sombrear Praias de Salvador
Recentemente, a gestão municipal, sob a liderança do prefeito Bruno Reis (União Brasil), encaminhou uma proposta para a Câmara Municipal que busca afrouxar as atuais restrições construtivas. O texto em questão permite um acréscimo de até 50% no limite de altura dos imóveis localizados na orla, com o intuito de substituir construções antigas e deterioradas ou otimizar o uso de espaços considerados subutilizados. Uma das disposições mais polêmicas do projeto é a isenção de estudos de sombreamento das praias para novos empreendimentos nessas áreas. O projeto ainda está em discussão e não foi submetido à votação.
Historicamente, Salvador se distingue de outras metrópoles brasileiras por sua rigorosa legislação urbanística relativa à construção na faixa litorânea. Este rigor foi particularmente notório na orla atlântica, onde a posição do sol (poente em direção oposta ao mar) naturalmente intensifica o debate sobre sombreamento. Contudo, as diretrizes foram gradativamente relaxadas nas últimas atualizações do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) e da Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo (Louos), a revisão mais recente sendo de 2016.
Atualmente, a legislação em vigor estabelece um patamar máximo de 75 metros para edifícios na orla atlântica, equivalente a cerca de 25 andares. Essa normativa também exige a apresentação de estudos técnicos detalhados para garantir que não haja projeção de sombra na faixa de areia entre 9h e 15h, abrindo uma ressalva específica para a intervenção em áreas consideradas degradadas.
A nova proposta enviada à Câmara pelo prefeito visa ampliar o alcance dessas exceções, permitindo que os novos prédios atinjam até 112,5 metros de altura – o equivalente a mais de 35 andares – em áreas que a prefeitura considere subutilizadas ou onde existam imóveis deteriorados. Crucialmente, esta permissão se daria independentemente da geração de sombra sobre a areia da praia, um ponto que acendeu o alerta de diversos órgãos e defensores da causa ambiental.
A promotora de Justiça Hortênsia Pinho criticou o projeto, argumentando que “espaço subutilizado é um termo genérico” e que a proposta, na prática, confere “carta-branca para ampliar o gabarito da orla”. Ela também manifestou preocupação com a ideia de que o projeto possa acabar por beneficiar proprietários que não cumpriram a função social de seus terrenos. O Ministério Público estadual recomendou a interrupção do trâmite legislativo, alegando que o projeto de lei antecipa indevidamente a revisão do PDDU, que requer estudos técnicos aprofundados e, sobretudo, ampla participação popular. A prefeitura, por sua vez, já havia iniciado a contratação de estudos preliminares para o reexame do PDDU, cujo desfecho está previsto para 2026. Para saber mais sobre o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, você pode consultar informações detalhadas em fontes oficiais, como a Prefeitura Municipal de Salvador.
Em nota oficial, a administração municipal de Salvador buscou tranquilizar a população, assegurando que o projeto não tem a intenção de permitir o sombreamento das faixas de areia, mesmo nos cenários de exceção que possibilitam edificações com mais de 75 metros de altura. Conforme a nota, “para deixar esse ponto excepcional mais claro, uma emenda foi apresentada durante o processo de discussão do projeto, garantindo-se a realização de estudo específico de sombreamento”.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Na Câmara Municipal, o líder da maioria, vereador Kiki Bispo (União Brasil), informou que o projeto está passando pela fase de audiências públicas e que a deliberação em plenário ainda está pendente. O vereador garantiu, no entanto, que a seção que aborda a exigência de estudos de sombreamento deverá ser objeto de revisão. “Nenhum vereador em sã consciência vai flexibilizar o gabarito e permitir sombra na praia. Salvador não vai seguir esse caminho”, assegurou Bispo, reiterando o compromisso com a proteção das praias.
Diante da controvérsia, a Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-BA), entidade representativa do setor, optou por não emitir posicionamento público sobre o projeto de lei quando procurada. Paralelamente, os movimentos sociais organizados têm levantado críticas severas sobre a perceived ausência de um diálogo inclusivo com a comunidade. Maura Cristina da Silva, coordenadora do Movimento Sem Teto da Bahia, expressou indignação: “Não se discute, não se faz uma leitura do plano e vão mudando os artigos. É desrespeitoso, desonesto”, pontuou, evidenciando a insatisfação com a metodologia do processo decisório.
A questão da altura dos prédios na orla tem ganhado grande visibilidade em Salvador nos últimos anos, especialmente após a aprovação de grandes empreendimentos em regiões como as praias do Buracão, no Rio Vermelho, e Stella Maris. O prefeito Bruno Reis defende que essas obras estão plenamente alicerçadas na legislação vigente. Essas construções recentes levaram à proposição de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por partidos de oposição (PT, PSOL, PSB e PC do B), a qual foi parcialmente acatada em 16 de outubro, pelo Tribunal de Justiça da Bahia.
O desembargador José Cícero Landim Neto determinou a suspensão dos efeitos de um artigo específico da legislação que dispensava a exigência do estudo de sombreamento em determinadas situações. Importante ressaltar que a decisão judicial não afeta edificações já finalizadas ou aquelas que obtiveram licenças com base na legislação anterior à suspensão. Em sua análise, o desembargador salientou os impactos ambientais negativos provocados pelo sombreamento das praias, frisando a interferência na paisagem urbana e no conforto ambiental oferecido a cidadãos e turistas.
Confira também: crédito imobiliário
Em suma, a proposta de flexibilização para a altura de prédios na orla de Salvador tem potencial para redefinir o panorama urbanístico da capital baiana. A tensão entre desenvolvimento imobiliário e a preservação do meio ambiente costeiro permanece um ponto crítico, com diversos atores exigindo um debate mais aprofundado e transparente. Continue acompanhando a cobertura completa em nossa editoria de Cidades para mais detalhes sobre os rumos do planejamento urbano e seus impactos na vida dos soteropolitanos.
Crédito da imagem: Kelvin Klay/Folhapress



