Comércio em Bangu: Empreendedorismo e Acolhimento no Complexo

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O Comércio em Bangu: Empreendedorismo e Acolhimento no Complexo revela a vibrante e resiliente dinâmica de negócios que prospera nas imediações do Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Operando há quase quatro décadas, este complexo prisional, que atualmente abriga 23.303 detentos, gera um intenso movimento de dezenas de milhares de parentes, amigos e advogados, movimentando um variado comércio na região.

Desde a venda de roupas com regulamentação específica para o uso intramuros, passando por bolsas transparentes que agilizam a inspeção na entrada, até o fornecimento de cigarros, a gama de produtos e serviços oferecidos é diversificada. No entanto, o motor principal desses estabelecimentos é o atendimento dedicado às necessidades das famílias dos custodiados, oferecendo desde refeições completas até um local seguro para pernoitar.

As narrativas que se desenrolam neste cenário são fundamentais para compreender a intrínseca relação entre a vida dos detentos, suas famílias e a economia local. O fluxo contínuo de pessoas cria uma demanda constante por serviços e produtos, moldando uma paisagem comercial única. Este cenário inspirou o título

Comércio em Bangu: Empreendedorismo e Acolhimento no Complexo

, destacando a capacidade de inovação e dedicação de personagens como a pastora Andileia Santos, a empreendedora Célia Oliveira e o atencioso Ricardo Domingos Pinheiro, conhecidos na região por seus negócios e por um apoio que vai muito além da transação comercial.

A Jornada Empreendedora de Andileia Santos

Aos 51 anos, a pastora Andileia Santos se tornou um fenômeno nas redes sociais, acumulando mais de 500 mil visualizações no TikTok. Ela é a força por trás da preparação e venda de “jumbos” – kits de comida balanceados e saborosos, preparados por suas próprias mãos com temperos e receitas tradicionais, que as famílias entregam aos detentos nos dias de visita.

A jornada diária de Andileia começa à 1h da madrugada e se estende até as 17h, encerrando apenas ao término das visitas. A paixão pela cozinha e a atenção aos detalhes são notáveis; à 7h da manhã, pratos como dobradinha e carne assada já estavam prontos para embalagem. Para gerenciar a alta demanda, a pastora conta com uma equipe de oito pessoas, que a auxiliam na minuciosa preparação. A logística é crucial, seguindo à risca as normas prisionais: cada detento tem direito a receber duas bolsas transparentes, uma para alimentos e outra para produtos de higiene ou biscoitos, sendo os alimentos armazenados em até quatro potes específicos.

A pastora relata que, em um único dia, chegou a preparar mais de oito desses combos personalizados, que geralmente rendem ao menos três refeições. Os preços variam de acordo com o conteúdo: R$ 125 para o combo com uma proteína e acompanhamentos, R$ 165 com duas opções de proteína e R$ 205 para o kit mais completo, que inclui três proteínas. O toque carismático de Andileia e seus “bom dias” contagiantes a levaram ao sucesso online, com quase 10 mil seguidores em quatro meses. Através do TikTok, sua clientela se expandiu, atraindo compradores de estados como Bahia, Brasília, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo e Maranhão.

O caminho não foi fácil. Anos vendendo roupas e alguns kits de comida preparados em casa, a pandemia e a consequente suspensão das visitas, que mergulhou a região em uma crise financeira, testaram sua resiliência. Atualmente, Andileia busca novos horizontes, aceitando encomendas para eventos. Ela desmistifica a ideia de que o comércio em torno do presídio é uma “mina de dinheiro”, enfatizando que é um “rio de trabalho” e notando a solidariedade entre as famílias, que frequentemente compartilham o que têm para que ninguém fique sem.

Das Marquises ao Acolhimento em Dormitório: A História de Célia Oliveira

No início dos anos 2000, Célia Oliveira vivia uma realidade diferente, trabalhando como guardadora de bolsas em outro presídio, no Centro do Rio. Contudo, o anúncio do fechamento da unidade impulsionou-a a buscar novas oportunidades, chegando a Bangu. “Meu leque abriu”, descreve Célia, que expandiu seus serviços para incluir a venda de salada de frutas, produto permitido no interior do complexo penitenciário, além de continuar guardando bolsas.

A inspiração para seu negócio de hospedagem veio de uma observação impactante. Residindo em Bonsucesso, ela saía de madrugada para chegar cedo a Bangu e frequentemente via pessoas dormindo nas marquises, expostas ao relento, à chuva e aos mosquitos. Naquela época, não havia dormitórios, e a visão de famílias dormindo no chão em papelões tocou profundamente a empreendedora. Foi então que ela alugou uma pequena loja e instalou colchões infláveis, marcando o início de um empreendimento que, após um ano de esforço, começou a render frutos.

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Imagem: g1.globo.com

Com a aquisição do imóvel atual, Célia expandiu o dormitório para dois andares, com capacidade para acomodar mais de 30 pessoas por noite. As diárias para quartos coletivos variam entre R$ 25 e R$ 28, com preferência por camas baixas para gestantes, idosas e pessoas com dificuldades de locomoção. Quartos individuais podem chegar a R$ 80. O local segue regras rigorosas, não permitindo bebidas alcoólicas, palavrões ou discussões relacionadas a facções e religiões. Para Célia, o dormitório não é apenas um negócio, mas um espaço de acolhimento e carinho, onde as famílias podem se sentir em casa, em um ambiente que ela tenta tornar menos “pesado e triste” possível.

Ricardinho do Bar: Apoio ‘Psicológico’ a Ex-Detentas

Outra figura notável no comércio em Bangu é Ricardo Domingos Pinheiro, o “Ricardinho do Bar”. Há uma década, seu estabelecimento funciona em frente ao Presídio Djanira, a unidade feminina do complexo. Além de vender lanches, Ricardinho oferece itens essenciais para as detentas, como xampu e absorventes. Embora o movimento no presídio feminino seja menor comparado ao masculino, o trabalho de Ricardo se destaca pelo suporte humanitário que presta, lembrando a atuação de um assistente social ou psicólogo.

Ricardinho auxilia famílias e, principalmente, acolhe mulheres recém-libertadas. Quando as ex-detentas saem da prisão sem contato familiar ou sem saber para onde ir, ele assume a responsabilidade de acalmá-las, ajudando-as a contatar seus entes queridos, muitas vezes passando horas buscando informações nas redes sociais para reencontrá-los. Essa dedicação, embora cansativa, é recompensadora para o comerciante.

O comerciante critica que a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) do Rio de Janeiro frequentemente libera detentas em horários noturnos, expondo-as a riscos de segurança. Ele questiona a falta de humanidade da medida, pois “essa rua aqui à noite não tem ninguém, é um deserto”, tornando o suporte prestado ainda mais crucial. Segundo informações disponibilizadas no site oficial da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), os alvarás de soltura são processados sem um horário fixo definido para as liberações. Ricardinho, em muitas ocasiões, acompanha as mulheres até a rodoviária, entrega dinheiro enviado via PIX ou até as leva a endereços de memória, vivenciando reencontros emotivos e gratificantes.

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As histórias da pastora Andileia, de Célia Oliveira e de Ricardinho do Bar ilustram a face mais humana do comércio em Bangu, onde o empreendedorismo se entrelaça com o suporte social e emocional em um ambiente complexo. Longe de ser apenas uma transação, o que se vê no entorno do Complexo Penitenciário de Gericinó é uma rede de apoio essencial para detentos, suas famílias e para a reintegração social. Para continuar acompanhando reportagens exclusivas sobre o desenvolvimento das cidades e a vida social brasileira, explore nossa editoria de Cidades.

Crédito da imagem: Gustavo Wanderley/g1

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