Declínio do Petróleo: Candido Bracher e a Virada Energética

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O declínio estrutural do petróleo, impulsionado por profundas transformações tecnológicas e econômicas globais, é o ponto central da análise de Candido Bracher, que utiliza a máxima “Ênfase, que o argumento é fraco” para descrever discursos que tentam subestimar essa realidade. O empresário e executivo do setor financeiro, com quatro décadas de experiência, recorre a uma anedota histórica para ilustrar a retórica proferida pelo presidente dos EUA na Assembleia-Geral da ONU, cujas afirmações sobre a temática climática foram consideradas contraditórias.

Durante seu pronunciamento, o líder norte-americano desqualificou o consenso científico sobre as mudanças climáticas, declarando que o tema evoluiu de “resfriamento global” para “aquecimento global” e agora “mudança climática” para evitar erros, classificando-o como “a maior fraude já imposta ao mundo”. Adicionalmente, ele defendeu o “carvão limpo e belo” e criticou as energias renováveis como “uma piada”, “caras e ineficientes”, alegando estar “acabando com o que chamam falsamente de renováveis”. Tais afirmações, na visão de Bracher, denotam uma profunda insegurança por parte de quem as profere.

Declínio do Petróleo: Candido Bracher e a Virada Energética

Essa aparente insegurança poderia ser reflexo de uma percepção de que o mundo se encontra em meio a uma mudança estrutural, onde a dependência global do petróleo pode estar atingindo seu ápice. Essa inflexão não seria resultado da escassez do recurso, mas sim de avanços tecnológicos e econômicos que redefinem o panorama energético. A análise ganha suporte em um recente artigo do cientista político Ian Bremmer, fundador da consultoria Eurasia, que elenca uma série de fatores corroborando essa tese.

China como Vetor da Mudança na Demanda por Petróleo

Um dos pilares dessa transformação é a China. O país, que foi um motor de crescimento da demanda global por petróleo, chegando a duplicá-la entre 2010 e 2020, vê esse ímpeto diminuir. Os principais motivos incluem a redução da população em 25 milhões de pessoas desde a pandemia de Covid-19, uma desaceleração do crescimento econômico e, sobretudo, a rapidez sem precedentes de sua transição energética. Diante dos desafios da mudança climática, diversas instituições globais alertam para a urgência de medidas, e a China tem demonstrado um avanço notável.

A revolução energética chinesa é um exemplo marcante. A participação de carros elétricos nas vendas de veículos novos saltou de 5% para expressivos 50% em apenas cinco anos. Além disso, a eletrificação alcança setores como aquecimento e indústria pesada, sustentada por uma expansão histórica em energias renováveis. O país adicionou 270 gigawatts de energia renovável em seis meses, superando o dobro da capacidade instalada no resto do mundo durante o mesmo período.

Outras nações em desenvolvimento também contribuem para essa reconfiguração. Mesmo com o crescimento da Índia, este não seria suficiente para compensar a diminuição da demanda chinesa. A expansão econômica indiana é mais focada em serviços do que em setores intensivos em petróleo, e o país já inicia sua própria transição para veículos elétricos e fontes renováveis. Para as nações em desenvolvimento, a vasta oferta chinesa de painéis solares, baterias, veículos elétricos e tecnologias elétricas permite que avancem no desenvolvimento sem a necessidade de passar pela fase altamente poluente que o mundo industrializado vivenciou no passado.

As consequências desse cenário são claras: a demanda chinesa por petróleo, conforme Bremmer, provavelmente já atingiu seu pico e deve iniciar um declínio estrutural, espelhando o que já acontece na Europa e nos EUA, onde a intensidade do uso de petróleo em transporte, energia e aquecimento está em queda. Geopoliticamente, a China se posiciona na liderança da transição energética, enquanto os Estados Unidos, ao se solidificarem como um “petroestado”, correm o risco de perder competitividade econômica e influência estratégica no longo prazo.

Opep e o Risco para Novas Explorações

A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) também demonstra sinais de percepção dessa tendência estrutural declinante. Historicamente, em mercados estáveis, esperava-se que o cartel administrasse a oferta conservadoramente para evitar quedas de preço. Contudo, o que se observa é o oposto: um aumento na produção e oferta de petróleo, buscando recuperar a participação de mercado perdida para países fora do grupo, como os EUA. Com a perspectiva de redução na demanda, a prioridade se desloca para a defesa da fatia de mercado em detrimento da margem de lucro.

Este contexto exige atenção especial daqueles que planejam iniciar projetos de exploração de petróleo atualmente. Estes empreendimentos, cujos produtos só alcançariam escala comercial em 12 a 15 anos, enfrentam um risco considerável de se deparar com superoferta e preços severamente deprimidos quando entrarem no mercado.

Declínio do Petróleo: Candido Bracher e a Virada Energética - Imagem do artigo original

Imagem: www1.folha.uol.com.br

O Dilema Americano e a Analogia Histórica

O discurso presidencial dos EUA encerra o “capítulo climático” com a oferta de “suprimentos abundantes e acessíveis de energia” a qualquer país que precise, referindo-se obviamente à energia fóssil. Dessa forma, a nação mais poderosa do mundo, sob forte influência do lobby dos combustíveis fósseis, opta por ignorar a ciência climática, minar internamente as energias renováveis, desencorajar sua expansão global e aplicar tarifas para forçar gás e petróleo a parceiros comerciais.

Para ilustrar a sutileza com que interesses econômicos podem se sobrepor, a história oferece paralelos intrigantes. Desde a Antiguidade, a China detinha quase o monopólio da seda e de outros produtos, que eram exportados via “rotas da seda”. Com o avanço da navegação no século 16, a Inglaterra assumiu um papel central no consumo e distribuição desses produtos chineses – chá, porcelana, pólvora. No entanto, os chineses só aceitavam pagamento em prata e não importavam produtos estrangeiros, acumulando um vasto superávit comercial, o que gerava enorme desconforto para os ingleses, cenário que, segundo Bracher, soa familiar.

Em resposta, os ingleses começaram a contrabandear ópio produzido na Índia para a China, causando uma crise de saúde pública e graves impactos sociais. Quando o governo chinês reagiu, proibindo e destruindo carregamentos britânicos em 1839, a Inglaterra declarou guerra “em defesa do livre-comércio” – a famosa Guerra do Ópio. Com superioridade naval, a Inglaterra derrotou a China em 1842, forçando o Tratado de Nanquim, que cedia Hong Kong ao Reino Unido e impunha pesada indenização, entre outras concessões. Este foi o início do que os chineses chamam de “século da humilhação”. Uma nova insurreição em 1856 levou a outra derrota e ao Tratado de Pequim, em 1860, que ampliou privilégios ocidentais e legalizou o comércio de ópio, necessitando de 90 anos e a revolução de 1949 para que a China se libertasse de tal jugo.

A história, portanto, revela que os métodos podem mudar, tornando-se mais discretos e menos explícitos. No entanto, o embate pela imposição de um produto ou de uma lógica que, embora lucrativa para uma parte, é prejudicial para outra, não é um fenômeno novo no cenário global.

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A reflexão de Candido Bracher, pautada nos dados de Ian Bremmer e em um perspicaz paralelo histórico, sublinha a relevância de análises aprofundadas sobre o panorama energético global e os riscos associados a discursos que buscam negar as transformações em curso. Fique conectado com a Hora de Começar para mais análises econômicas e políticas que moldam nosso futuro. Para explorar outras matérias relevantes, acesse nossa seção de Economia e mantenha-se informado sobre os desafios e oportunidades que surgem.

Crédito da imagem: Luciano Salles/Folhapress