A iminente votação dos vetos de Lula ao licenciamento ambiental pelo Congresso Nacional configura-se como um momento crucial para as políticas ambientais do Brasil. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), agendou para o dia seguinte a deliberação que avaliará as 63 emendas vetadas pelo chefe do Executivo, e o governo já considera a possibilidade de reversão das suas imposições.
Fontes internas do Planalto indicam que a administração federal recebeu ontem a informação de uma provável nova derrota parlamentar. O cenário é de que deputados e senadores se inclinem pela derrubada das restrições impostas por Lula às normas ambientais, que visavam a proteger ecossistemas sensíveis. A gestão governamental explora agora estratégias para responder a esse potencial revés, mesmo que publicamente. Em agosto passado, o presidente da República havia exercido seu poder de veto em 63 dos aproximadamente 400 artigos do projeto que delineia as diretrizes para o processo de licenciamento ambiental. As medidas derrubaram aspectos que permitiam a licença automática para empreendimentos, fortalecendo a proteção de áreas de elevada importância ecológica e garantindo a exigência de avaliações de impacto ambiental para projetos prioritários.
Em meio a este cenário de alta tensão política, a discussão em torno da lei se acirra. Para os setores ambientalistas, a proposta inicial, antes dos vetos, era classificada como o “PL da destruição”, dado seu potencial para flexibilizar excessivamente as normas e, consequentemente, impulsionar o desmatamento no país. É neste contexto que os legisladores analisarão novamente as determinações presidenciais.
Vetos de Lula ao Licenciamento Ambiental em Pauta no Congresso
A secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, destacou que os vetos presidenciais eram essenciais para salvaguardar os direitos dos povos indígenas e das comunidades quilombolas. Além disso, segundo ela, as emendas assegurariam a “integridade do processo de licenciamento ambiental”, conferindo “segurança jurídica aos empreendimentos licenciados” e tornando o “licenciamento mais ágil, sem comprometer a sua qualidade.” Tais justificativas apontam para uma busca do equilíbrio entre o desenvolvimento e a preservação ambiental, reforçando a importância dos pontos contestados pelo Executivo.
A proposta, criticada por especialistas, gerou alertas sobre a facilitação do desmatamento e o afrouxamento das regulamentações ambientais. A derrubada dos pontos cruciais do texto foi recebida com satisfação por ambientalistas, que anteriormente defendiam um veto integral à iniciativa. Integrantes do próprio governo, incluindo a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, também se posicionaram contra partes do texto original, aconselhando o presidente a anular as disposições consideradas prejudiciais ao meio ambiente. Marina Silva enfatizou ainda que a decisão do governo levou em consideração a opinião pública, citando uma pesquisa onde “mais de 70% da opinião pública brasileira estava preocupada com essa questão.”
Em contrapartida, os defensores do projeto no Congresso, notadamente a bancada do agronegócio, argumentam que as novas normas são fundamentais para a desburocratização dos procedimentos de obtenção de licenças ambientais, agilizando processos e promovendo investimentos. Na mesma época da sanção presidencial, o governo emitiu uma Medida Provisória (MP) para instaurar imediatamente a Licença Ambiental Especial (LAE), instrumento que confere à União a prerrogativa de identificar projetos de relevância estratégica e priorizar sua análise. O presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, demonstrou particular interesse na exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, exercendo sua influência política na alteração, e a MP manteve sua emenda quase na íntegra.
Complementarmente, o governo comunicou a intenção de submeter um novo projeto de lei, com caráter de urgência constitucional, para abordar a questão. Miriam Belchior esclareceu que essa nova proposta visaria a sanar “questões importantes” que, com os vetos, poderiam gerar um “vácuo” na legislação. As articulações políticas se intensificaram com a proximidade da COP30, conferência climática da ONU que o Brasil sediará em Belém. Gleisi Hoffmann e Randolfe Rodrigues, líder do governo no Senado, manifestaram que uma eventual derrubada dos vetos enviaria uma “péssima mensagem” ao cenário internacional sobre o compromisso ambiental brasileiro. Contudo, mesmo parte da base governista busca reverter os vetos para impulsionar empreendimentos em suas regiões eleitorais. A exploração de petróleo na foz do Amazonas, por exemplo, é uma pauta prioritária para parlamentares do Norte, que, em defesa dos interesses locais, mantêm um embate com a ministra Marina Silva e o Ibama pela sua liberação. Para o Planalto, os 63 vetos asseguram o mínimo indispensável para um país com a ambição de liderar a pauta climática global e ser anfitrião da COP30. Para uma compreensão mais aprofundada das complexidades legislativas brasileiras, o site oficial do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) oferece vasto material sobre a importância da legislação ambiental e a proteção dos biomas nacionais.
Principais Vetos e Argumentos do Executivo
O Executivo, ao vetar 63 dispositivos, fundamentou suas decisões na proteção ambiental e na segurança jurídica dos processos, buscando garantir a eficácia do licenciamento ambiental sem comprometer o desenvolvimento. Abaixo, detalhamos os nove principais pontos contestados e as justificativas apresentadas.
1. Restrição da Licença por Adesão e Compromisso (LAC)
O que foi feito: A proposta original pretendia estender a LAC para empreendimentos de médio potencial poluidor. O governo vetou essa ampliação, mantendo a modalidade restrita a atividades de baixo potencial.
Por quê: Esta decisão visa a impedir que empreendimentos com riscos consideráveis, como barragens de rejeitos, sejam submetidos a um procedimento de licenciamento simplificado sem a devida análise técnica. O governo defende que a LAC deve ser limitada, acompanhada de regras claras para o procedimento autodeclaratório, de modo a prevenir vulnerabilidades e assegurar a adequada avaliação dos impactos.
2. Garantia de Padrões Nacionais de Licenciamento
O que foi feito: Foram vetados os dispositivos que outorgavam ampla liberdade a cada ente federativo (estados e municípios) para estabelecer critérios e procedimentos de licenciamento sem uma padronização nacional. Isso incluía definir porte, potencial poluidor, tipologias sujeitas ao licenciamento e modalidades específicas de licenças e atividades passíveis de LAC.
Por quê: A justificativa do governo é a prevenção de uma “competição antiambiental”, onde estados e municípios poderiam flexibilizar as regras ambientais para atrair investimentos, potencialmente gerando danos irrecuperáveis ao meio ambiente e promovendo um “dumping” regulatório. A medida reforça a necessidade de um mínimo regulatório uniforme em todo o território nacional.
3. Preservação da Mata Atlântica
O que foi feito: O presidente vetou a emenda que previa a retirada do regime de proteção especial garantido pela Lei da Mata Atlântica no que se refere à supressão de vegetação nativa.
Por quê: A Mata Atlântica é um bioma de suma importância, constitucionalmente reconhecido como patrimônio nacional e já em estado crítico, com apenas cerca de 24% de sua cobertura original remanescente. O veto, portanto, resguarda a aplicação de regras mais rigorosas para a supressão florestal, essenciais para a conservação deste ecossistema fragilizado.
4. Proteção dos Direitos de Povos Indígenas e Quilombolas
O que foi feito: Vetou-se a restrição de consultas a órgãos protetores de povos indígenas e comunidades quilombolas.

Imagem: noticias.uol.com.br
Por quê: O texto do PL aprovado pelo Congresso limitaria a participação de povos e territórios em processo de reconhecimento pela Funai e Fundação Palmares, contrariando o previsto na Constituição Federal e em legislações específicas. Ao garantir a consulta irrestrita, o veto assegura a participação plena desses povos nas decisões que afetam diretamente seus modos de vida e territórios tradicionais, prevenindo conflitos e fortalecendo o diálogo social.
5. Veto à Dispensa de Análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR)
O que foi feito: Foi vetada a disposição que isentava o produtor rural com Cadastro Ambiental Rural (CAR) pendente de análise dos órgãos ambientais estaduais da obrigatoriedade de licenciamento.
Por quê: Esta medida visa a proteger o meio ambiente, ao condicionar a dispensa do licenciamento ambiental à análise e aprovação do CAR. A não análise do cadastro poderia criar uma brecha para atividades irregulares, enquanto o veto impõe um critério de regularização fundiária e ambiental, garantindo que apenas os proprietários com situação regularizada sejam beneficiados.
6. Manutenção de Condicionantes e Compensações
O que foi feito: Vetou-se o dispositivo que restringia a aplicação de condicionantes ambientais e medidas compensatórias somente aos impactos diretos dos empreendimentos, excluindo os indiretos ou os efeitos sobre serviços públicos agravados pela sua implantação.
Por quê: O Executivo assegura que o princípio da precaução e o da responsabilidade ambiental prevaleçam. Qualquer nexo de causalidade entre um empreendimento e impactos ambientais, sejam eles diretos ou indiretos, deve gerar a exigência de medidas mitigadoras, compensatórias ou de controle. Tal veto preserva a integralidade e a eficácia do licenciamento ambiental, cobrindo todas as esferas de impacto.
7. Proteção às Unidades de Conservação
O que foi feito: Foi vetado um artigo que removeria o caráter vinculante da manifestação dos órgãos gestores de Unidades de Conservação (UCs) nos processos de licenciamento de empreendimentos que afetassem diretamente essas áreas ou suas zonas de amortecimento.
Por quê: A medida reafirma a importância da avaliação técnica especializada na proteção de áreas ambientalmente estratégicas. A decisão garante que os impactos sobre UCs sejam criteriosamente analisados e considerados nas decisões de licenciamento ambiental pelos órgãos responsáveis pela sua gestão, mantendo a prerrogativa e a expertise técnica na defesa dessas áreas.
8. Manutenção da LAE com Veto ao Processo Monofásico
O que foi feito: Embora a criação da LAE (Licenciamento Ambiental Especial) tenha sido considerada um avanço na modernização do licenciamento, foi vetado o dispositivo que estabelecia um procedimento monofásico, o qual permitiria a emissão de todas as licenças de uma só vez.
Por quê: A adoção de um processo monofásico implicaria que empreendedores arcassem com custos significativos antes mesmo de ter a viabilidade ambiental do projeto comprovada, um dos primeiros passos do processo. Adicionalmente, esse modelo poderia gerar incerteza jurídica e fomentar judicializações, daí o veto presidencial em prol de uma tramitação mais sequencial e segura.
9. Manutenção da Responsabilidade de Instituições Financeiras
O que foi feito: Foi vetado o dispositivo que fragilizava a responsabilidade de instituições financeiras em casos de danos ambientais gerados por projetos por elas financiados.
Por quê: Essa medida fortalece a ideia de que o crédito concedido por bancos deve estar condicionado ao cumprimento integral da legislação ambiental. O veto incentiva a prevenção de danos e alinha o financiamento ao desenvolvimento sustentável, reforçando que o financiador tem a prerrogativa de exigir o licenciamento ambiental válido do empreendedor antes de conceder recursos.
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Este embate legislativo evidencia as complexidades do cenário político-ambiental brasileiro e o futuro da legislação de licenciamento ambiental. Os próximos passos do Congresso e a reação do governo a um possível revés serão determinantes para a agenda ambiental do país, especialmente em ano de sediar uma conferência climática global. Continue acompanhando nossa editoria de Política para mais atualizações sobre o desenrolar desta e de outras notícias relevantes.
Crédito da imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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