O Tribunal de Contas da União (TCU) intensificou as cobranças sobre as manobras fiscais do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), visando o cumprimento das regras orçamentárias do país. As recentes decisões do órgão fiscalizador estão sendo interpretadas por membros do Poder Executivo como um fator de risco, podendo até mesmo culminar na reprovação das contas do atual presidente.
Um dos posicionamentos mais contundentes do Tribunal envolveu uma diretriz clara: a equipe econômica do governo deve direcionar seus esforços para alcançar o centro da meta de resultado primário, e não apenas se limitar ao seu piso. Essa prática de buscar o limite inferior tem sido adotada desde a implementação do novo arcabouço fiscal. Contudo, essa não foi a única orientação significativa emitida pelo TCU nas últimas semanas.
TCU Intensifica Cobranças sobre Manobras Fiscais do Governo Lula
No início de outubro, o plenário da corte de contas deliberou que a inclusão de receitas de natureza incerta no Orçamento, com o objetivo de evitar congelamento de despesas, é considerada irregular. Além disso, a área técnica do Tribunal está em processo de elaboração de um novo aviso contra a “prática reiterada de exclusão de despesas e/ou renúncias de receitas”, que tem sido utilizada para atingir as metas fiscais.
Nos bastidores, dois importantes integrantes do governo, que optaram por manter anonimato, revelaram à reportagem que as recentes decisões do TCU configuram um claro recado político. Eles sugerem que o Tribunal pode recomendar ao Congresso Nacional a reprovação das contas do Presidente Lula, caso não sejam implementadas alterações na gestão da política fiscal governamental. A última ocasião em que uma recomendação dessa magnitude ocorreu foi em 2016, quando as contas de Dilma Rousseff (PT) referentes a 2015 foram reprovadas, impulsionadas pelo escândalo das pedaladas fiscais, que consistiam na autorização de gastos sem respaldo orçamentário e o atraso de repasses a bancos públicos para cobrir benefícios e subsídios sociais.
A percepção da gravidade desses alertas, no entanto, varia dentro do governo. Técnicos com experiência nos julgamentos das pedaladas fiscais demonstram maior cautela e advogam pela implementação de ações corretivas ainda no ano corrente, buscando prevenir futuras acusações de ilegalidade. Naquele período, a morosidade em reagir às advertências do Tribunal foi vista como a continuidade de práticas irregulares, fortalecendo a fundamentação para a reprovação das contas pela corte de contas. Paralelamente, outra parcela de membros do Executivo confia na capacidade de reverter as decisões desfavoráveis do TCU.
Revisão das Metas Fiscais e Riscos de Contingenciamento
Ao ser procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou sobre o tema. O Ministério do Planejamento e Orçamento afirmou, por sua vez, que “sempre observa e cumpre as decisões do TCU”. O Tribunal, em resposta, declarou que “se manifesta por meio de seus acórdãos”, reiterando seu posicionamento oficial.
No final de setembro, em uma decisão unânime, o plenário do TCU ratificou que perseguir o piso inferior da meta de resultado primário não está em conformidade com as regras estabelecidas pela legislação. Segundo a corte, a abordagem correta é buscar o alvo central estabelecido pelo próprio governo. A meta fiscal atual prevê um déficit zero, contudo, a Lei do Arcabouço Fiscal permite uma margem de tolerância para um resultado negativo de até R$ 31 bilhões. O governo tem operado próximo a esse limite, projetando um déficit de R$ 30,2 bilhões em seu mais recente relatório de avaliação orçamentária, enquadrando-se, portanto, dentro do intervalo permitido.
O Executivo já sinalizou que entrará com um pedido de reconsideração da decisão. Entretanto, caso a postura do TCU não seja revista até a divulgação do próximo relatório de avaliação de receitas e despesas, prevista para 22 de novembro, técnicos que auxiliam a Junta de Execução Orçamentária (JEO) admitem a recomendação de um congelamento de despesas no valor de R$ 30 bilhões para tentar alcançar o centro da meta.
Embora um recurso junto ao TCU suspenda temporariamente a decisão do plenário, técnicos ressaltam que, no contexto das pedaladas fiscais, essa estratégia não foi suficiente para proteger gestores que adiaram ajustes nas contas. Em 2014, quando o Tribunal emitiu os primeiros alertas sobre irregularidades, houve um grupo no governo que defendeu a correção imediata, enquanto outro apostou na eficácia do efeito suspensivo dos recursos. No desfecho, a corte não apenas manteve seu entendimento, como também enfatizou que o ajuste, realizado apenas no final de 2015, deveria ter sido implementado imediatamente após o primeiro aviso, constituindo um dos fundamentos para o processo de impeachment de Dilma em 2016. É esse histórico que motiva a cautela de parte dos técnicos, que buscam evitar um desfecho semelhante.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Críticas e Posicionamento do Tribunal
Os mais precavidos também buscam uma leitura abrangente das posições recentes do TCU, concluindo que o cenário atual não se mostra favorável. Críticos internos avaliam que o Tribunal está fomentando um palco político para a oposição taxar o governo com a chancela de irregularidade fiscal. Contudo, dentro do próprio Tribunal, a percepção, tanto de ministros quanto de técnicos, é de que o TCU está meramente desempenhando sua função institucional.
Em outra deliberação crucial, o plenário optou por “dar ciência” ao Ministério da Fazenda sobre a irregularidade de incluir, no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), estimativas de receitas frágeis e com elevado grau de incerteza. Essa prática, segundo o TCU, viola os princípios de prudência e responsabilidade previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Um exemplo concreto foi a projeção de arrecadação a partir de acordos após julgamentos de disputas tributárias no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O governo contabilizou R$ 56 bilhões para 2024 e R$ 28 bilhões para 2025. Contudo, pouquíssimos recursos entraram efetivamente nos cofres públicos. Enquanto essas projeções constavam nas estimativas, contribuíram para mitigar a necessidade de contenções de gastos. Na linguagem do TCU, “dar ciência” significa informar ao órgão envolvido, com certeza, sobre a natureza irregular de uma situação analisada. Embora não configure uma determinação direta para a conduta do governo, funciona como um aviso de que a persistência na irregularidade pode acarretar responsabilização futura, elevando o nível do alerta emitido.
O processo que analisou a questão das receitas foi relatado pelo ministro Jorge Oliveira, que anteriormente atuou como ministro e figura de confiança do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e foi indicado por ele para ocupar uma cadeira no TCU. Oliveira, inclusive, assumirá a presidência do Tribunal, sucedendo Vital do Rêgo.
Novos alertas ao governo estão sendo formulados a partir de outros julgamentos. No início de setembro, auditores da AudFiscal (unidade responsável pelas auditorias relacionadas às contas públicas) emitiram um parecer recomendando que o Executivo seja alertado sobre a “prática reiterada de exclusão de despesas e/ou renúncias de receitas” com a finalidade de cumprir a meta fiscal. De acordo com os técnicos, as exceções somam R$ 89,9 bilhões entre 2024 e 2025, impactando negativamente a credibilidade das regras e impulsionando o endividamento do país. O parecer ainda aguarda avaliação do relator, ministro Benjamin Zymler – o mesmo responsável pela decisão referente ao centro da meta fiscal –, antes de ser submetido ao plenário do Tribunal.
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Diante do exposto, o TCU reforça seu papel de fiscalizador das contas públicas, colocando em evidência as manobras fiscais adotadas pelo governo Lula. A evolução dessas cobranças e as possíveis respostas do Executivo serão determinantes para o cenário político-econômico do país nos próximos meses. Para acompanhar mais análises e notícias sobre os desdobramentos dessa e outras questões, continue navegando em nossa editoria de Política.
Crédito da imagem: Gabriela Biló – 14.abr.23/Folhapress
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