Um estudo inédito recente aponta que o crescimento econômico do Brasil Imperial, especialmente entre 1820 e 1900, foi significativamente subestimado. Contrariando estimativas prévias, a renda nacional no período pode ter dobrado, desafiando a percepção de uma economia estagnada.
A pesquisa, conduzida pelos renomados economistas Edmar Bacha, um dos arquitetos do Plano Real, Guilherme Tombolo e Flávio Versiani, intitula-se “Estagnação secular? Uma nova visão do crescimento do Brasil no século 19”. O artigo foi publicado na prestigiada edição de setembro do Journal of Iberian and Latin American Economic History, vinculada à Universidade Carlos 3º de Madri, e apresenta uma metodologia atualizada com base em novas evidências.
Novo Estudo Revisa Crescimento do Brasil Imperial no Século XIX
Esta nova avaliação vem contestar concepções históricas consolidadas na literatura econômica, que indicavam que o Produto Interno Bruto (PIB) per capita brasileiro teria permanecido estagnado ao longo do século 19. Os pesquisadores estimam um crescimento médio anual de 0,9% para a economia do país nesse intervalo.
A tese da inércia econômica durante o Brasil Império era amplamente sustentada por dados do Projeto Maddison (MPD), uma influente base de informações para estudos de crescimento global. Criada pelo economista britânico Angus Maddison (1926-2010) e mantida pela Universidade de Groningen, na Holanda, esta base em edições recentes sugeria um crescimento marginal do PIB per capita brasileiro de apenas 0,8% entre 1800 e 1900. Similarmente, o MPD estimava um aumento de apenas 25% no indicador per capita desde a Independência até o fim da monarquia, o que representaria uma alta anualizada de módicos 0,3%.
Os autores do estudo atual argumentam que o consenso sobre o crescimento nulo ou muito baixo, principalmente na primeira metade do século 19, é falho. Eles atribuem essa imprecisão a métodos inadequados utilizados nos estudos que subsidiaram o MPD e a insuficiência de evidências estatísticas empregadas naquelas análises. Para sustentar a revisão, o trabalho cita, por exemplo, o estudo de Absell e Tena-Junguito (2016), que já indicava um crescimento expressivo de 161,3% nas exportações brasileiras entre 1821 e 1850, destoando dos 62,5% registrados pelas estatísticas oficiais. A análise mais recente eleva a taxa de crescimento anual das exportações para 3,5%, um valor significativamente acima do crescimento populacional, que era de 1,5% ao ano na época.
Em um período onde não existiam instituições como o IBGE para a coleta sistemática de dados econômicos, os pesquisadores empregaram um modelo baseado em séries de tempo para variáveis disponíveis. Eles estimaram o tamanho do PIB com fundamento em indicadores como exportações, importações, orçamento do governo e o volume de dinheiro em circulação na economia. Esta abordagem mais abrangente permitiu uma reconstituição mais precisa da atividade econômica do século 19.
Os resultados da nova pesquisa, com a taxa de crescimento anual de 0,9% ao longo dos 80 anos do Império, superam significativamente as estimativas anteriores. Pensadores como Celso Furtado (1920-2004) já defendiam uma queda real na renda per capita, enquanto trabalhos de Prados de la Escosura (2009) sugeriam estagnação e o artigo de Abreu, Lago e Vilela (2022) indicava um aumento modesto de 0,2% a 0,5%.
Os economistas por trás do estudo reconhecem a ampla margem para erros de medição inerente ao período, mas enfatizam a solidez de sua abordagem: “A margem para erro de medição é, de fato, grande. O que podemos afirmar é o uso de séries semelhantes às de estudos anteriores. As diferenças são que nossas séries monetárias são mais recentes e agregadas de acordo com uma metodologia que respeita suas relações com o PIB nominal no século 20”, detalham os autores, validando a pertinência de sua revisão. Uma das bases de dados amplamente utilizadas para a contextualização global dessas estimativas é o Maddison Project Database.

Imagem: www1.folha.uol.com.br
Além das inovações metodológicas, o estudo apresenta argumentos históricos robustos para corroborar a ideia de um Brasil Império mais dinâmico economicamente. Entre os fatores citados, destacam-se a intensificação da integração comercial doméstica, especialmente entre as regiões de Minas Gerais e Rio de Janeiro, e o vigoroso crescimento da cafeicultura, que impulsionou a economia e a infraestrutura. O final do século também foi marcado pela expansão da malha ferroviária e um significativo influxo de imigração europeia. A melhoria nos termos de troca, que medem a relação entre os preços das exportações e das importações, juntamente com efeitos benéficos como a abertura dos portos e a vinda da corte portuguesa para o Brasil, são igualmente apontados como propulsores do crescimento.
“Há muitas evidências de um clima favorável para o crescimento econômico na primeira metade do século 19”, escrevem os autores. Eles detalham que “Houve um forte investimento no tráfico de escravos africanos, provavelmente financiado por comerciantes britânicos, e uma grande proporção do aumento líquido na força de trabalho escravizada estava aparentemente ligada a uma expansão de bens produzidos não para exportação, mas sim para o mercado interno”, mostrando uma dinâmica econômica complexa e com diversos motores de desenvolvimento.
Ao confrontar esses novos dados com cenários globais, o estudo indica que o ritmo de crescimento brasileiro se alinhava ao de países da Europa Ocidental e outras nações latino-americanas do mesmo período, embora permanecesse aquém do desempenho dos Estados Unidos, que superava 1% ao ano. Ao final do século 19, a população brasileira era, em média, duas vezes mais rica do que em 1820, com uma renda per capita estimada em US$ 1.431 (em dólares de 2011). Este valor representa um salto de 64% em relação aos US$ 874 levantados por estimativas anteriores, mesmo ainda distante dos mais de US$ 8.000 registrados nos EUA à época.
A conclusão dos pesquisadores é categórica: “O Brasil estagnou no século 19? Nossa resposta é não. O ritmo de crescimento do PIB per capita do Brasil foi bastante normal para o padrão geral do século”, reiteram, desconstruindo a narrativa da estagnação. Conectando as descobertas deste estudo com uma pesquisa anterior dos mesmos autores sobre o século 20, eles afirmam que, mesmo se a renda em 1900 fosse inferior à sua nova estimativa, as taxas de crescimento historicamente projetadas para o período subsequente colocariam o país em uma posição econômica ainda melhor do que a situação atual. Para o período de 1900 a 1980, que engloba o “milagre econômico” da ditadura militar, o estudo anterior já havia revisado para baixo a estimativa de taxa de crescimento anual do PIB de 3,2% para 2,5%, o que reforça a necessidade de reavaliações constantes das séries históricas.
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Esta reavaliação histórica sublinha a complexidade da economia brasileira e oferece uma nova perspectiva sobre a formação de nossa nação. Continue acompanhando as análises e notícias sobre Economia em nosso portal e aprofunde-se nos debates que moldam o entendimento do nosso país.
Crédito da imagem: Eduardo Knapp – 6.set.2022/Folhapress
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