Abordar a educação financeira infantil desde cedo pode ser fundamental para o desenvolvimento de uma relação consciente com o dinheiro por parte das novas gerações. Antes mesmo de aprenderem a realizar operações matemáticas complexas, crianças e adolescentes já estão expostos ao universo financeiro por meio das compras no supermercado, das decisões de consumo em casa e das conversas cotidianas sobre o tema.
Especialistas da área financeira ressaltam a importância de integrar este diálogo no ambiente familiar, capacitando os filhos a entenderem o valor das finanças de maneira saudável e proativa. Um levantamento conduzido pela Serasa, em parceria com a Opinion Box, revelou que uma parcela significativa dos pais – 53% dos 1.112 responsáveis ouvidos em todo o Brasil – inicia as discussões sobre finanças com seus filhos antes dos oito anos de idade. Este dado reforça a percepção crescente da necessidade de educar sobre dinheiro em fases iniciais do desenvolvimento.
Educação Financeira Infantil: Guia por Idade para Pais
No período em que se celebra o Dia das Crianças, educadores financeiros consultados pela imprensa detalham orientações sobre como os responsáveis podem abordar o assunto. Estas dicas visam estabelecer conceitos de valor, escolha e tempo, adaptando a linguagem e as atividades à medida que a criança ou o adolescente avança em seu desenvolvimento.
A Importância da Educação Financeira desde Cedo
De acordo com Luciana Ikedo, planejadora financeira e autora do livro “Vida Financeira – Descomplicando, economizando e investindo”, é possível começar a inserir a criança em situações que envolvem dinheiro de forma lúdica e natural logo que ela desenvolve a fala. Para Ikedo, a compreensão de conceitos como esperar, escolher e trocar são a base da educação financeira e se desenvolvem nesse estágio.
Carol Stange, consultora financeira, argumenta que o aprendizado sobre finanças se inicia antes da mesada e decorre primariamente da observação do comportamento dos pais. Segundo ela, quando as crianças testemunham seus pais planejando, comparando preços e discutindo dinheiro abertamente e sem receios, elas assimilam o valor intrínseco antes mesmo de compreender os números. Este “aprendizado silencioso” é, na visão de Stange, crucial.
Everton Barros, educador financeiro, sugere que a idade ideal para começar a conversa sobre dinheiro é a partir dos três anos. Nessa fase, as crianças já imitam os comportamentos paternos, manifestam desejos específicos e conseguem assimilar noções básicas quando apresentadas de modo simplificado. Barros enfatiza que o cérebro infantil, em desenvolvimento até os sete anos, é altamente receptivo à formação de hábitos e valores financeiros essenciais. As primeiras perguntas sobre dinheiro surgem por volta dos quatro anos, configurando um “momento perfeito para diálogos naturais”, como ele descreve.
Reinaldo Domingos, presidente da DSOP Educação Financeira, reforça que quanto antes a educação financeira for introduzida, melhor, pois hábitos e condutas relacionados ao dinheiro são moldados desde cedo. Ele sugere que a fase do maternal, quando a criança começa a formular seus primeiros desejos, é oportuna.
A Teoria dos Três Porquinhos: Ensinando a Poupar
Nesse período inicial, Domingos também indica a introdução da “teoria dos três porquinhos”, um método que ensina as crianças a poupar quantias distintas para metas de curto, médio e longo prazo. Este mecanismo permite que a criança entenda que seus desejos podem ser alcançados em diferentes horizontes temporais, valorizando a paciência e a reflexão sobre as escolhas. “A criança precisa começar a respeitar o tempo das coisas, algo que nós, adultos, muitas vezes não aprendemos na infância”, comenta Domingos.
Complementando a teoria, Everton Barros sugere a seguinte divisão para o dinheiro recebido por crianças, seja em aniversários ou mesadas:
- Gastar: Para gratificações e prazeres imediatos.
- Poupar: Para objetivos financeiros de maior porte.
- Doar: Para cultivar empatia e responsabilidade social.
Equilíbrio: Educação Financeira sem Traumas Infantis
A psicóloga Brunna Dolgosky, especializada em arteterapia, adverte que a educação financeira na infância deve ser conduzida com leveza, afeto e atividades lúdicas. Ela defende que a aprendizagem infantil é mais efetiva quando integrada a experiências sensoriais e recreativas, promovendo um desenvolvimento equilibrado entre o controle emocional e a capacidade de tomar decisões. Atividades como “brincar de loja”, criar moedas simbólicas ou customizar cofrinhos ajudam a criança a entender, de forma natural, conceitos como valor, troca e limites. “É uma forma de ampliar o repertório emocional e cognitivo da criança”, afirma a especialista.
Dolgosky ressalta que uma abordagem muito rígida na hora de ensinar sobre dinheiro pode levar a traumas inconscientes, gerando sentimentos de escassez e até comportamentos compulsivos na vida adulta. Em contraste, uma metodologia que prioriza o diálogo e a criatividade fomenta uma relação mais equilibrada e benéfica com as finanças. Para a psicóloga, o brincar deve permanecer como o pilar central da infância, especialmente na educação financeira, com pais e educadores utilizando situações do cotidiano para introduzir, com carinho, noções de economia sem instilar medo ou culpa.
Estratégias por Faixa Etária: O que Ensinar
Dos 3 aos 5 anos
Nesta faixa etária, o foco principal não reside no valor monetário preciso, pois a criança ainda não domina conceitos matemáticos complexos. O objetivo é transmitir a função e o movimento do dinheiro. Portanto, os conceitos de tempo e troca (escambo) assumem particular relevância. Reinaldo Domingos sugere que esses mecanismos podem ser abordados na prática, com explicações simples sobre temas do dia a dia, como o consumo de água e energia elétrica. Ele também aconselha que os pais expliquem que cofrinhos servem para guardar sonhos e desejos, e não apenas dinheiro, ajudando a criança a compreender os motivos da poupança. Neste estágio, a “mesada voluntária” pode ser introduzida, onde a criança recebe valores ocasionais, geralmente de familiares, de maneira imprevisível.
De 6 a 10 anos
Com essa idade, a criança já começa a ter contato, principalmente no ambiente escolar, com as operações básicas de adição, subtração, divisão e multiplicação. Este é o momento ideal para o entendimento da materialidade do valor monetário. Incentivar a criança a depositar o dinheiro no banco torna-se eficaz, pois ela passa a compreender que a instituição oferece remuneração através de juros, o que contribui para o crescimento do montante guardado. A partir dos sete anos, Domingos recomenda a introdução da “mesada financeira”, um valor fixo mensal. Os pais devem encorajar a criança a dividir essa mesada para equilibrar gastos imediatos (consumo) e poupança (sonhos).

Imagem: www1.folha.uol.com.br
De 11 a 14 anos
A partir desta idade, crianças e pré-adolescentes já têm a capacidade de criar um orçamento próprio. É também nesta fase que podem começar pequenos empreendimentos, como a venda de bijuterias ou doces, para complementar a mesada e atingir seus objetivos financeiros. Outro conceito a ser introduzido é a “mesada de troca”, que envolve a permuta de brinquedos ou outros itens, ensinando a conservar bens e valorizar o que se possui. Domingos enfatiza a importância de apresentar, de forma gradual, o funcionamento do sistema financeiro, incluindo noções sobre bolsa de valores, CDBs diários e títulos do Tesouro Direto. Além disso, temas como direitos do consumidor e educação fiscal devem ser abordados, explicando que impostos e tributos provêm do dinheiro das famílias e devem se reverter em benefícios públicos.
De 15 a 17 anos
Nesta fase, os jovens devem direcionar seu pensamento para a orientação profissional, identificando áreas de interesse e potenciais carreiras futuras. Segundo Domingos, muitos adolescentes começam a buscar programas de jovem aprendiz, nos quais vivenciam o primeiro emprego e recebem um salário. Essa etapa exige acompanhamento e orientação para a boa gestão desses recursos. É crucial também ensinar que empreender não se resume apenas a abrir um negócio, mas também a saber valorizar e “vender” suas próprias horas de trabalho e habilidades.
Erros Comuns e Recomendações aos Pais
Reinaldo Domingos aponta um equívoco frequente cometido pelos pais: confundir mesada com salário ou recompensa. Para ele, a mesada deve ser compreendida como uma doação, sem expectativas de contrapartida. Se o dinheiro acabar antes do fim do mês, é vital que os pais não complementem o valor, permitindo que a criança desenvolva responsabilidade financeira e aprenda a gerenciar seus recursos. Domingos também alerta que remunerar a criança por todas as tarefas realizadas pode criar uma expectativa constante de ganho, o que prejudica o desenvolvimento de valores como senso de dever e colaboração. Desse modo, é fundamental cautela no pagamento de valores adicionais.
O Papel da Mesada e as Novas Formas de Lidar com o Dinheiro
Carolina Stage considera a mesada como um “laboratório” onde a criança coloca em prática o que aprendeu por observação. Ela observa que muitos pais evitam falar de dinheiro por medo de “tirar a inocência” dos filhos, mas ressalta que o que realmente protege é ensinar, e não esconder. “Falar sobre dinheiro é dar ferramentas para que o seu filho cresça sabendo se cuidar, se planejar e se respeitar. No fim, é isso que todo pai e mãe desejam: filhos preparados para o mundo e não reféns dele”, conclui a especialista. A pesquisa da Serasa ainda indica uma transformação: o tradicional cofrinho vem sendo substituído por métodos digitais. Dados apontam que 28% das crianças e adolescentes recebem mesada via Pix, conta digital ou cartão, e 73% já tiveram acesso ao primeiro cartão ou conta antes dos 15 anos. A nova geração está conectada: quatro em cada dez jovens usam Pix, e 22% possuem cartão de débito vinculado à conta dos pais.
Regras Essenciais para a Gestão da Mesada
Carol Stange salienta que a mesada precisa de propósito e limites bem definidos. Três regras são particularmente úteis:
- Dividir para entender: Alocar uma parte para gastos, outra para poupança e uma terceira para doações.
- Combinado é combinado: Se a mesada for semanal, não deve ser antecipada ou complementada.
- Reflexão antes da compra: Incentivar a criança a questionar a real necessidade do item antes de comprar, prevenindo o consumo impulsivo.
“Quando a criança gasta tudo no primeiro dia, dói assistir, eu sei. Mas é nessa hora que o aprendizado acontece. Se os pais resgatam o erro, a lição se perde”, reforça a especialista, indicando que os equívocos na infância são valiosas oportunidades para evitar problemas maiores na vida adulta.
Brincadeiras e Jogos: Aprendendo sobre Finanças de Forma Lúdica
Carol Stange sugere algumas brincadeiras para introduzir a educação financeira:
- Mercadinho em casa: A criança atua como comprador e vendedor, usando dinheiro fictício para aprender sobre troco e prioridades.
- Desafio do cofrinho: Uma competição amigável para ver quem mantém uma meta de poupança por mais tempo, seguida de discussão sobre o aprendizado.
- Jogos de tabuleiro: Títulos como Banco Imobiliário ou Jogo da Vida oferecem experiências práticas sobre gestão de recursos.
Introduzindo Conceitos de Investimento
A partir do momento em que a criança diferencia gastar de poupar, já é possível introduzir a ideia de “fazer o dinheiro render”. Carol Stange sugere começar com explicações visuais de juros compostos, utilizando objetos como copinhos, pedacinhos de papel, tampinhas ou o crescimento de uma planta. Posteriormente, pode-se apresentar o que são investimentos seguros, como o Tesouro Direto, e o que implica risco, como ações. “O objetivo não é transformar a criança em mini-investidora, mas em alguém que entende que há diferentes formas do dinheiro crescer sozinho”, detalha a especialista.
Presentes Financeiros: Equilibrando Diversão e Aprendizado
Oferecer um “presente financeiro” é uma possibilidade, segundo Carol Stange. Isso pode incluir um novo cofrinho, um livro sobre dinheiro, uma ação de uma empresa conhecida pela criança ou um título do Tesouro Direto com valor simbólico para o futuro. O essencial é manter o encanto da ocasião. “É possível unir os dois: um presente divertido e outro que planta uma semente de independência, como um brinquedo e uma cartinha com uma mini ‘ação’ em nome dela. Assim, o presente se torna uma história, e não apenas um objeto”, afirma a consultora financeira. Contudo, Luciana Ikedo alerta para os riscos de substituir completamente os presentes tradicionais por investimentos financeiros em datas comemorativas, o que pode gerar frustração nas crianças. A chave está no equilíbrio, combinando o carinho de um brinquedo simples (ou feito à mão) com a introdução de conceitos financeiros. “O que ensina não é o presente em si, mas o diálogo que o acompanha”, explica. Ao lidar com o excesso de presentes de parentes ou a comparação com colegas, Ikedo sugere usar esses momentos para ensinar valores como empatia, gratidão e respeito às diferenças. Luciana ainda defende a poupança com foco em consumo como uma estratégia inicial, mas sempre acompanhada de reflexão. Ela ressalta o risco de restringir o ato de guardar dinheiro apenas à compra de bens e, por isso, incentiva ensinar outras possibilidades, como investir para o futuro, ajudar alguém ou financiar experiências enriquecedoras.
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Compreender os conceitos de finanças e investimentos desde a tenra idade prepara o indivíduo para tomar decisões mais conscientes e planejadas no futuro. Esperamos que este guia completo sobre a educação financeira infantil por idade auxilie pais e responsáveis a promover um desenvolvimento econômico saudável para seus filhos. Continue explorando nossos conteúdos e aprofunde seus conhecimentos em nossa editoria de Economia.
Crédito da imagem: Julia Maria Porfirio – 25.set.2025/Folhapress
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