A inesperada deportação de um cubano para Eswatini gerou controvérsia e levantou questões sobre as políticas migratórias dos Estados Unidos. Roberto Mosquera, de 58 anos, foi enviado ao remoto reino africano após ser detido na Flórida, num desdobramento que chocou sua família e amigos. Por semanas, não se sabia o paradeiro de Mosquera, até que uma publicação oficial nas redes sociais trouxe à tona os detalhes de sua incomum destinação.
Inicialmente, familiares de Mosquera haviam sido informados pelas autoridades que ele seria deportado para sua Cuba natal, país que ele deixou aos 13 anos. No entanto, o Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) deteve o homem em 13 de junho em um posto de controle em Miramar, Flórida. A verdade sobre seu destino, no entanto, seria revelada por uma fonte inusitada e de alto escalão do governo.
Deportação de cubano para Eswatini revela pacto dos EUA
Em 16 de julho, uma amiga próxima da família, identificada como Ada (que preferiu não revelar seu nome completo por receio de retaliação), reconheceu Roberto Mosquera em uma imagem divulgada no X pela vice-secretária do Departamento de Segurança Nacional (DHS), Tricia McLaughlin. A postagem oficial informava que Mosquera, ao lado de outros quatro detidos, havia sido transferido para Eswatini. Este pequeno país, sem litoral, localizado no sul da África, entre a África do Sul e Moçambique, e governado desde 1986 pelo rei Mswati III – amplamente acusado por críticos de repressão –, era então desconhecido para Ada e muitos que acompanhavam o caso. Para saber mais sobre a nação africana, visite a página de Eswatini na Wikipedia.
Acordo Milionário para Deportados em Eswatini
O envio de Roberto Mosquera para Eswatini faz parte de um acordo mais amplo ao qual a Agence France-Presse (AFP) teve acesso. O documento estipula que Eswatini concordou em receber 160 deportados em troca de 5,1 milhões de dólares (equivalente a aproximadamente R$ 27,7 milhões na cotação atual), valor destinado a desenvolver a “capacidade de gestão de fronteiras e imigração” do país. Além de Mosquera, cidadãos da Jamaica, Laos, Vietnã e Iêmen também foram enviados para lá sob os termos desse pacto, gerando uma onda de deslocamentos incomuns.
O impacto dessas políticas não é recente. Orville Etoria, um migrante jamaicano, foi o primeiro a ser repatriado desse reino africano de volta ao seu país de origem em setembro, um movimento que serviu de precedente. No entanto, o fluxo de deportações não cessou; em 6 de outubro, Eswatini recebeu mais dez expulsos, conforme informou seu governo, sinalizando a continuidade das ações que visam mover migrantes para “terceiros países” como parte de uma estratégia de gestão migratória contestável.
Passado Criminal e Vida Pessoal: A Dupla Perspectiva
A administração Trump defende a política de deportação ao alegar que os estrangeiros enviados para Eswatini são “criminosos” com condenações que incluem de estupro de crianças a assassinato. Contudo, advogados e familiares dos deportados contam uma versão diferente à AFP, garantindo que todos já cumpriram suas penas e viviam em liberdade nos Estados Unidos há muitos anos antes da deportação. Esse contraste gera um debate profundo sobre a validade e a ética da repatriação para um país não-nativo, levantando questões sobre direitos humanos e a segunda chance de indivíduos.
Roberto Mosquera é retratado de maneira chocante pela publicação de McLaughlin no X, que o descreve, e aos demais deportados, como indivíduos de “barbárie” singular, a ponto de seus próprios países de origem se recusarem a recebê-los. A imagem de Mosquera divulgada o mostra com uma espessa barba branca e tatuagens visíveis através de uma camisa laranja. A descrição o vincula como membro da gangue Latin King e o acusa de condenação por “homicídio em primeiro grau”, pintando um cenário de alta periculosidade.
Contudo, sua amiga Ada oferece uma visão diametralmente oposta: ela garante que ele “não é o monstro nem o prisioneiro bestial que dizem”. Ada esclarece que Mosquera, embora tenha sido membro de uma gangue em sua juventude, foi condenado por tentativa de homicídio em julho de 1989 após atirar na perna de um homem. Documentos judiciais acessados pela AFP corroboram que ele foi sentenciado a nove anos de prisão, liberado em 1996, e subsequentemente preso em 2009 por delitos como roubo de carro e agressão a um agente de segurança. Apesar de seu histórico, Ada relata uma significativa transformação: “Quando Roberto foi embora, sua vida mudou. Ele se casou, teve quatro filhas lindas. Ele se manifestou contra a violência de gangues e tem uma família que o adora”, destacando a reabilitação do indivíduo.
Após sua primeira condenação, um juiz revogou sua autorização de residência e ordenou sua deportação. No entanto, ele permaneceu em solo americano, pois Cuba, conforme advogados, não aceitava deportados, o que o mantinha em um limbo legal. Por 13 anos, Mosquera trabalhou para uma empresa de encanamento e se apresentava anualmente às autoridades de imigração, cumprindo com as exigências. Contudo, foi detido e finalmente deportado em circunstâncias que Ada considera atrozes, reacendendo o debate sobre a aplicação da lei.
Eswatini: Um “Buraco Negro Legal” para os Deportados
Em Eswatini, a situação dos migrantes é preocupante e cercada de denúncias. Eles foram encarcerados em uma prisão de segurança máxima, e o contato com suas famílias é severamente restrito a curtas videochamadas, sempre sob a vigilância ostensiva de guardas armados, segundo informações de suas equipes jurídicas à AFP. O advogado Tin Thanh Nguyen, radicado nos Estados Unidos, classificou essa condição como um “buraco negro legal”, enfatizando a falta de acesso à justiça e transparência dos procedimentos.
Ada, que conhece Mosquera desde a infância, compara a situação a um “pesadelo”, refletindo o desespero de quem não pode ajudar um amigo à distância. As denúncias dos advogados não param por aí: os deportados teriam tido contato negado tanto com seus próprios advogados quanto com um defensor local, Sibusiso Nhlabatsi. Ele tentou visitá-los no Centro Correcional de Matsapha, localizado a 30 quilômetros da capital, Mbabane, um local conhecido por abrigar presos políticos, mas teria sido informado por agentes penitenciários que os homens se recusaram a vê-lo.
“Sabemos com certeza que isso não é verdade”, declarou Alma David, advogada americana de Mosquera e de um deportado do Iêmen. Segundo ela, seus clientes disseram às famílias que nunca foram notificados das visitas de Nhlabatsi e que, na verdade, buscaram ativamente aconselhamento jurídico em diversas ocasiões. Na semana passada, Nhlabatsi conseguiu uma ordem judicial para representar os homens, porém, o governo de Eswatini recorreu imediatamente, gerando um efeito suspensivo e mantendo os deportados na incerteza jurídica, prolongando sua espera por assistência legal.
Campanha de Deportação e Críticas de Direitos Humanos
O envio desses homens para Eswatini integra a campanha do governo Trump de expulsar imigrantes em situação irregular para “terceiros países”. Outras nações africanas, como Gana, Ruanda e Sudão do Sul, também foram destinos em acordos nebulosos que suscitaram severas críticas de grupos de direitos humanos e observadores internacionais. Um advogado relatou à AFP que muitos deportados só foram informados de seu destino final após já estarem a bordo do avião, intensificando as acusações de opacidade e desrespeito a procedimentos básicos de informação e consentimento.
“É como um tráfico de pessoas moderno, usando canais oficiais”, criticou Nguyen, que representa migrantes do Vietnã e do Laos, denunciando uma prática que ele considera abusiva e desumana. As incertezas em torno das intenções de Eswatini persistem. Sob o governo de Mswati por 39 anos, o país afirmou que sua intenção é devolver todos os deportados aos seus países de origem. Até o momento, entretanto, apenas o jamaicano Etoria foi repatriado e, mesmo ele, “ainda está se adaptando à vida em um país onde não vive há 50 anos”, conforme revelado por sua advogada em Nova York, Mia Unger, à AFP, sublinhando os desafios complexos de reintegração após décadas no exterior.
Para Roberto Mosquera, as últimas notícias são igualmente desoladoras. A última vez que sua família o viu, durante uma videochamada da prisão africana, ele havia perdido cabelo e “emagreceu muito”, contou Ada. “Isso afetou a todos nós. É atroz. É uma sentença de morte”, desabafou ela com a voz embargada, resumindo o desespero e a angústia vividos por ele e sua família em face de uma deportação controversa e de um futuro incerto.
Confira também: crédito imobiliário
Este caso complexo da deportação do cubano para Eswatini realça a intrincada teia de políticas migratórias internacionais e suas consequências humanas, impactando diretamente a vida de indivíduos e suas famílias. Continue acompanhando nossas análises sobre política e direitos humanos e fique por dentro das últimas notícias sobre temas relevantes na editoria Política.
Crédito da imagem: jcb/br/an-arm/avl/aa Agence France-Presse
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados