Um paciente de 77 anos que recebeu um fígado infectado com HIV em um transplante vive hoje em meio ao medo e às incertezas. Um ano após a revelação do escândalo envolvendo o laboratório PCS Saleme, o idoso expressa a apreensão contínua com seu tratamento e com as potenciais consequências da infecção adquirida. Apesar de o processo judicial contra os réus já ter sido iniciado, nenhuma condenação foi proferida até o presente momento.
A vida do paciente foi profundamente alterada, e tanto ele quanto sua família enfrentaram um período de intenso sofrimento até que o diagnóstico fosse estabelecido. O idoso relata a batalha diária contra o vírus, afirmando: “Eu posso aparentar estar bem. Aí fico pensando que qualquer hora dessa vai acontecer alguma coisa, o vírus vai voltar, aumentar a carga viral. Tenho medo porque já desceu bastante a carga, mas ainda não está no nível que precisa ficar”. Atualmente, sua rotina inclui a ingestão diária de dois antirretrovirais e o apoio constante de uma acompanhante e de seus filhos, que são seu principal suporte.
Transplante com HIV: Paciente Relata Medo Contínuo Um Ano Após Caso
O episódio de infecção de órgãos para transplante por HIV, exposto amplamente em outubro passado, abrangeu seis indivíduos que receberam órgãos contaminados devido a resultados falsos negativos fornecidos por um laboratório terceirizado. Para o paciente de 77 anos, transcorreram cinco meses entre a cirurgia de transplante e a descoberta da infecção pelo vírus. Este período foi marcado por grave deterioração da saúde, com perda significativa de peso, episódios de lapsos de lucidez e a necessidade de usar cadeira de rodas. Ele passou por várias internações até que os médicos pudessem determinar a causa de seu estado, descrevendo-os como os “momentos mais críticos”, onde até os médicos comunicaram aos filhos que a situação era delicada.
Detalhes da Infecção e o Processo de Diagnóstico
Após a deterioração, o idoso foi encaminhado à Fiocruz, onde foi internado em CTI e entubado. A melhora de seu quadro clínico não foi imediata, demandando vários dias para que seu corpo começasse a responder positivamente ao tratamento. Ele atribui sua sobrevivência à dedicação e ao suporte incondicional de seus filhos, creditando a eles sua recuperação. A gravidade da situação reside no fato de que os pacientes recorreram ao transplante como uma chance de melhorar suas condições de saúde, jamais esperando que tal procedimento os expusesse a um risco tão sério como o da infecção pelo HIV.
Este grave erro quase ceifou a vida de seis pacientes. O idoso enfatiza a seriedade de todo o processo de doação e transplante de órgãos, expressando indignação com a possibilidade de um laboratório fornecer um fígado infectado. A integridade e a excelência dos procedimentos deveriam ser garantidas em todas as etapas, desde a triagem dos órgãos até os exames pré-transplante.
O Impacto Psicológico e Físico em Outra Vítima
Além do idoso, outra paciente afetada pelo escândalo, de 62 anos, que recebeu um rim também infectado, concedeu um depoimento. Embora seu transplante tenha ocorrido em janeiro do ano anterior, ela só foi informada da infecção em setembro, meses depois. A notícia resultou em um quadro depressivo profundo, afetando sua alimentação e bem-estar geral. Ela descreve uma vida anterior ativa, com trabalho e viagens, que foi drasticamente alterada pela infecção e pelas consequências físicas.
Atualmente, a paciente sofre com dores intensas nas pernas, joelhos e pés, descrevendo uma sensação como “cheio de areia debaixo dos pés”. Este testemunho reforça o impacto devastador que o erro médico teve não apenas na saúde física, mas também na qualidade de vida e no bem-estar psicológico das vítimas.
Relembrando o Escândalo do Laboratório PCS Saleme
O escândalo veio à tona em 11 de outubro do ano passado, quando se descobriu que seis pacientes haviam recebido órgãos infectados pelo vírus HIV devido a resultados falsos negativos emitidos pelo laboratório PCS Saleme, sediado em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. Investigações subsequentes revelaram que a empresa havia deliberadamente omitido testes obrigatórios, com o objetivo de reduzir custos operacionais.
Documentos exclusivos, aos quais a reportagem teve acesso, incluíam laudos que atestavam que os órgãos doados eram “não reagentes” para HIV, falsamente indicando a ausência do vírus. Esses documentos foram assinados por Walter Vieira e Jaqueline Íris Bacellar de Assis. A Fundação Saúde havia contratado o laboratório sem licitação.

Imagem: HIV segue sem condenados via g1.globo.com
Desenrolar Jurídico e Medidas Adotadas
O laboratório PCS Saleme foi imediatamente interditado após a divulgação do caso. A denúncia do Ministério Público apontou que os acusados tinham pleno conhecimento de que pacientes transplantados utilizam imunossupressores, tornando-os altamente vulneráveis a infecções, e que a contração de uma doença como o HIV em um organismo já debilitado seria “devastadora”. As diretrizes sobre biossegurança em transplantes são cruciais, conforme ressaltado por organizações de saúde como a Organização Mundial da Saúde, visando a segurança dos pacientes e a prevenção de falhas tão graves.
O julgamento do caso teve início em fevereiro na 2ª Vara Criminal de Nova Iguaçu. Os seis réus envolvidos — os sócios Walter Vieira e Matheus Sales Teixeira Vieira (pai e filho), e os funcionários Jaqueline Íris Barcellar de Assis, Ivanilson Fernandes dos Santos, Cléber de Oliveira Santos e Adriana Vargas dos Anjos — enfrentam acusações de associação criminosa, lesão corporal gravíssima, falsidade ideológica e falsificação de documento particular. Embora todos tenham sido presos, cinco deles respondem ao processo em liberdade, com exceção de Jacqueline, que permanece em prisão domiciliar.
Em julho, o Ministério Público firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o governo do estado, garantindo a indenização das vítimas. No entanto, um paciente recusou o acordo e optou por acionar a Justiça para buscar reparação. Segundo a argumentação, a gravidade do caso exige uma resposta “efetiva”, um valor que não só compense as famílias adequadamente, mas que também responda à sociedade civil pelos acontecimentos alarmantes.
Posicionamento dos Citados e Aprimoramentos
As defesas de Ivanilson dos Santos e Adriana Vargas afirmaram que irão provar a inocência de seus clientes e que a verdade prevalecerá. As defesas de Matheus Salles e Walter Vieira não se pronunciaram. A reportagem também não obteve contato com os defensores de Cleber Santos e Jacqueline Barcellar.
A Secretaria de Estado de Saúde informou ter aprimorado os protocolos do programa RJ Transplantes para prevenir a repetição de um episódio semelhante. Pacientes e familiares, segundo a secretaria, recebem assistência multidisciplinar contínua. O Laboratório PCS Saleme foi interditado, e uma sindicância interna identificou e corrigiu falhas nos processos. A pasta afirmou que todos os contratos começaram a ser revisados no ano anterior e que, em julho deste ano, o Termo de Ajustamento de Conduta foi firmado para indenização dos pacientes. Além disso, exames de sorologia para transplantes agora são realizados exclusivamente pelo Hemorio, e todo o processo foi aperfeiçoado e automatizado, visando maior segurança.
Confira também: crédito imobiliário
O caso do transplante com HIV evidencia a fragilidade dos sistemas de saúde e a importância da vigilância e rigor nos protocolos. A história do paciente de 77 anos, que vive com medo um ano após receber um fígado infectado, serve como um lembrete contundente dos impactos humanos de tais falhas. Acompanhe outras notícias e análises sobre saúde, justiça e questões urbanas em nossa editoria de Análises para se manter informado.
Crédito da imagem: Reprodução/TV Globo
🔗 Links Úteis
Recursos externos recomendados