Um ambicioso esquema de fraude em concursos públicos, que movimentava até R$ 500 mil por cargo público e operava em uma estrutura familiar, teve seus detalhes expostos pela Polícia Federal (PF). O ex-policial militar Wanderlan Limeira de Sousa, de 44 anos, natural de Patos, no Sertão da Paraíba, é apontado como o líder da complexa organização criminosa. A investigação revelou que, além dele, pelo menos outros quatro membros de sua família estavam envolvidos e se beneficiavam diretamente das ações ilícitas, que incluíam o aguardado Concurso Nacional Unificado (CNU) de 2024.
A ação da Polícia Federal foi deflagrada no último dia 2 de outubro, como parte da operação “Última Fase”. O objetivo principal era desarticular o grupo, cumprindo diversos mandados de busca e apreensão nos estados da Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Durante a operação, Wanderlan Limeira de Sousa, considerado o principal mentor do esquema, teve um mandado de prisão preventiva expedido e cumprido dentro de um hospital na cidade de Campina Grande, Paraíba, revelando a extensão e a seriedade das acusações contra ele e seus cúmplices.
Ex-PM Chefia Esquema de Fraude em Concursos: Detalhes
O histórico de Wanderlan Limeira de Sousa, apontado como líder do esquema de fraude em concursos públicos, é marcado por uma série de transgressões. Sua ficha criminal inclui crimes graves como homicídio, peculato (desvio de bens ou dinheiro públicos), concussão (exigência indevida de vantagem por funcionário público), roubo majorado (com agravantes), abuso de autoridade e uso de documento falso. O ex-PM foi expulso da Polícia Militar da Paraíba em 2021, após a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Paraíba manter sua condenação de seis anos de prisão por tortura em 2020. A condenação foi resultado de um episódio em que ele agrediu um adolescente com tapas e socos para forçar uma confissão de roubo, que posteriormente se provou inexistente, e continuou a agredir a vítima dentro de uma viatura policial.
Modus Operandi: O Teste de Eficácia no CNU e o Papel Familiar
A astúcia do esquema se manifestava de várias formas, uma delas sendo a própria participação de Wanderlan em certames para validar a eficácia do método. Segundo a Polícia Federal, o ex-militar chegou a se inscrever no Concurso Nacional Unificado apenas para demonstrar aos seus “clientes” que o sistema de fraude era “infalível”. Ele obteve sucesso, sendo aprovado para o cobiçado cargo de auditor fiscal do trabalho, que oferece o salário inicial mais elevado, de R$ 22,9 mil. Apesar da aprovação, Wanderlan não compareceu ao curso de formação, evidenciando que sua participação visava apenas reforçar a credibilidade do esquema de fraude em concursos. Anteriormente à expulsão, ele havia sido aprovado como técnico do Seguro Social em concurso da Previdência Social e em 2024, prestou ainda para o Banco do Brasil e novamente para o CNU.
O relatório da PF destaca que Wanderlan contava com um sólido apoio familiar para manter as operações do esquema de fraudes. Os irmãos Valmir Limeira de Sousa e Antônio Limeira das Neves, a cunhada Geórgia de Oliveira Neves, e a sobrinha Larissa de Oliveira Neves exerciam funções distintas e cruciais dentro da organização. Larissa, por exemplo, foi igualmente aprovada no CNU e era utilizada pelos investigadores como uma “vitrine” para atrair novos interessados no esquema, replicando a tática de seu tio. A aprovação de Wanderlan em múltiplos concursos reforçava a ilusão de um método imbatível para obter êxito em provas tão concorridas.
Gabaritos Idênticos e Evidências Inquestionáveis
Entre as provas mais contundentes reunidas pela Polícia Federal está a análise dos gabaritos do Concurso Nacional Unificado (CNU) de 2024, que foi organizado pela Fundação Cesgranrio. Quatro dos investigados – Wanderlan, Valmir, Larissa e Ariosvaldo – apresentaram gabaritos idênticos, inclusive nos erros, apesar de terem recebido provas de diferentes tipos. Um laudo técnico assinala que a probabilidade de tal padrão de respostas ocorrer por acaso é tão ínfima quanto a chance de um indivíduo ganhar o prêmio máximo da Mega-Sena por aproximadamente 18 a 19 vezes consecutivas, o que praticamente inviabiliza a coincidência.
De acordo com o inquérito, o grupo utilizava tecnologia avançada para facilitar as fraudes, empregando pontos eletrônicos discretos, mensagens codificadas e um sistema de comunicação externa sofisticado para repassar as respostas aos candidatos durante as provas. Em certos casos, profissionais da saúde chegavam a auxiliar na instalação desses dispositivos, demonstrando a capilaridade e a ousadia do esquema de fraude em concursos públicos. Antes que as medidas cautelares fossem deferidas, nenhum dos principais envolvidos na fraude do CNU havia sido empossado, um resultado da atuação preventiva da PF e do Ministério Público Federal, que solicitaram prisões preventivas, buscas e apreensões, e impedimento de posse ou afastamento cautelar.
Movimentações Financeiras Suspeitas e Alcance das Investigações
A Polícia Federal também identificou movimentações financeiras totalmente incompatíveis com a renda declarada dos suspeitos. Um relatório detalhado do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) revelou que Geórgia Neves, por exemplo, efetuou depósitos em espécie totalizando R$ 419,6 mil, apesar de não possuir nenhum vínculo empregatício desde o ano de 1998. Para tentar mascarar os pagamentos de propinas, o grupo supostamente utilizava a compra e venda fictícia de imóveis, valia-se de “laranjas” e realizava negociações de veículos. Em um caso específico, parte do valor exigido por uma vaga na Caixa Econômica Federal foi paga através da compra de uma motocicleta em nome de um terceiro, apenas cinco dias após a realização da prova do concurso.

Imagem: cargo público via g1.globo.com
As investigações confirmaram a atuação sistemática do grupo em dezenas de concursos públicos, com um período de ação identificado entre 2015 e 2025. Pelo menos dez pessoas foram inicialmente apontadas pela investigação como beneficiárias diretas do esquema de fraude em concursos no Concurso Nacional Unificado de 2024, seja por aprovação direta, gabaritos idênticos que confirmam a fraude ou recebimento de propinas para garantir seus postos. Entre estes nomes estão Eduardo Henrique Paredes do Amaral, Allyson Brayner da Silva Lima, Mylanne Beatriz Neves de Queiroz Soares, Janaína Carla Nemésio de Oliveira e Aially Soares Tavares Pinto Xavier.
Para o concurso da Caixa Econômica Federal, foram identificados os nomes de Júlio Cesar Martins Brilhante e Isabelle Nayane de Medeiros Dantas Aires. O Ministério da Gestão, responsável pela organização do CNU, informou que está acompanhando as investigações da Polícia Federal e se compromete a cumprir todas as determinações judiciais, adotando as medidas administrativas cabíveis caso sejam necessárias, conforme destacado em notas oficiais do órgão sobre a lisura do processo, a exemplo de comunicados disponibilizados na página de notícias do Governo Federal.
Desdobramentos e Ações Punitivas
A operação “Última Fase” resultou na prisão preventiva de um suspeito em Patos, no Sertão paraibano, e no cumprimento de dois mandados de busca e apreensão na Paraíba (em Patos e João Pessoa). No total, foram 12 mandados de busca e apreensão e três mandados de prisão preventiva, além de medidas cautelares em Paraíba, Pernambuco e Alagoas, que incluíram o afastamento de cargos públicos e o sequestro de bens dos investigados. Conforme as investigações avançam, os acusados foram excluídos dos processos seletivos e, aqueles que já haviam sido nomeados, foram afastados de suas funções públicas. Os envolvidos poderão responder criminalmente por fraude em concurso público, lavagem de dinheiro, organização criminosa e falsificação de documento público.
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A complexa teia de manipulação e corrupção revelada neste esquema de fraude em concursos públicos reitera a necessidade de vigilância constante e de aprimoramento dos sistemas de segurança em processos seletivos para o serviço público. Mantenha-se atualizado sobre as investigações e outros temas importantes em nossa editoria de Política para não perder os desdobramentos desta e de outras notícias relevantes para o país.
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