A complexidade de uma fraude fiscal transoceânica envolvendo milhões de dólares e a manipulação astuta de documentos alfandegários e de transporte veio à tona, revelando um elaborado esquema para sonegar tributos no Brasil. A investigação, destacada em um recente podcast de notícias, detalha o percurso do cargueiro MT Madelyn Grace em julho de 2025 e a artimanha utilizada para reclassificar combustíveis altamente taxados como “nafta petroquímica”, com o intuito de reduzir significativamente a carga tributária.
A trama teve início em um porto no sul da Holanda, de onde o MT Madelyn Grace partiu carregando, não nafta como declarariam os documentos fiscais posteriormente, mas uma composição muito mais valiosa e de tributação elevada no mercado brasileiro: uma mistura de óleo condensado e gasolina de reforma (reformate), um combustível quase pronto para uso. Esta dissimulação inicial marcou o ponto de partida de uma sequência de movimentos calculados para iludir as autoridades e burlar o sistema fiscal, como analisado pelos jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo, que investigaram a fundo a operação.
Fraude Fiscal Transoceânica Revelada: Rota de Cargueiro
O roteiro intrincado do navio foi desvendado em uma apuração detalhada, evidenciando as táticas empregadas na sofisticada fraude fiscal transoceânica. Conforme relatado por José Roberto de Toledo, um dos jornalistas à frente da análise, a embarcação iniciou sua jornada na Holanda e, no caminho para o Atlântico Sul, realizou uma escala em portos britânicos. Durante esta parada, aproximadamente 5 mil toneladas do material que estava a bordo foram descarregadas. No entanto, a vasta maioria da carga permaneceu nos tanques do Madelyn Grace, que então continuou sua viagem para o sul, cruzando o Equador em direção à Bahia Blanca, na Argentina. Lá, mais uma porção da carga foi descarregada, embora em volume menor, com mais da metade do carregamento original, embarcado na Holanda, ainda a bordo.
Após sua passagem pela Argentina, o cargueiro MT Madelyn Grace direcionou-se para Maceió, no nordeste brasileiro. Chegando ao porto da capital alagoana, a embarcação permaneceu fundiada por alguns dias para realizar o desembaraço aduaneiro. Os registros indicavam um calado de 9,1 metros, medida que sinaliza o quanto o casco do navio submerge na água. Durante este período, a empresa Petro XXI Importação e Comércio Ltda. protocolou a Declaração de Importação (D.I.) nº 2501001-1, informando um valor FOB de US$ 138 milhões para a carga, declarando o “consumo em Maceió/AL” como destino e procedendo ao recolhimento do ICMS-AL (na alíquota de 12%) e de tributos federais. Contudo, em 6 de setembro, quando o navio deixou Maceió, seu calado permanecia inalterado (9,1 metros), e os lacres dos porões estavam intactos, evidenciando que nenhuma descarga física havia ocorrido. Essa ação revelava a etapa inicial de uma bem orquestrada fraude, utilizando o porto alagoano apenas como um “posto de lavagem” documental para manipular a carga tributária.
A Estratégia do Importador de Fachada
A Declaração de Importação (D.I.) é um documento fundamental da Receita Federal que formaliza a entrada de mercadorias no país, especificando o importador, a natureza da carga, seu valor e o local de descarga. No entanto, a investigação sublinha que, muitas vezes, o importador formal que assina a D.I. não corresponde ao beneficiário real ou à entidade que efetivamente comanda e financia a operação. A Petro XXI Importação e Comércio Ltda. exemplificou esta disfunção: com um capital social de R$ 1 milhão e um histórico de faturamento anual inferior a R$ 10 milhões, a empresa demonstrou ser claramente incompatível com a magnitude da operação de US$ 138 milhões. Tal descompasso sinaliza que a Petro XXI atuava como um importador de fachada, peça-chave neste complexo esquema de sonegação.
Manobra no Oceano: O “Panamá de Cargas” e a Reclassificação Fraudulenta
O carregamento fictício de Maceió serviu apenas para iniciar uma nova fase na elaborada fraude fiscal transoceânica. Em vez de entregar a carga em Alagoas, o Madelyn Grace zarpou rumo ao Rio de Janeiro. No trajeto de mais de mil milhas náuticas entre as duas capitais, o navio cometeu uma outra anomalia significativa, desta vez no âmbito puramente documental. A embarcação, após percorrer uma rota estendida para aproveitar a menor alíquota de ICMS em Alagoas – uma economia que se mostraria fictícia no que tange à descarga da carga – executou uma “parada” inventada em alto-mar, conhecida como “Panamá de cargas”. Este termo refere-se à engenhosa prática de alteração de documentos para simular que a carga trocou de proprietário em águas internacionais, sem que qualquer movimento físico dos combustíveis fosse de fato realizado.
Foi precisamente este artifício que ocorreu a bordo do MT Madelyn Grace. O armador técnico, ou seja, a empresa responsável pela operação logística e técnica do navio, foi alterado de Ounissan Shippment para a offshore Mindful Ltd., uma entidade registrada nas opacas Ilhas Marshall. Paralelamente, o consignatário, o destinatário legal da carga no porto de chegada, também sofreu modificação, passando de Fair Energy S/A para a Rio Fuel Trading Ltda., sediada no Rio de Janeiro. Estas mudanças visavam objetivos estratégicos dentro do esquema de fraude:

Imagem: noticias.uol.com.br
- **Embaralhar Responsabilidades Jurídicas:** Ao substituir as entidades originais por uma offshore com menor transparência e uma trading distinta do elo inicial, o grupo fraudulento pretendia dificultar a rastreabilidade e a atribuição de culpa caso problemas fiscais ou penais fossem detectados. A Mindful Ltd., das Ilhas Marshall, oferece essa camada de opacidade e torna o processo de fiscalização mais complexo para as autoridades.
- **Quebrar a Cadeia de Custódia:** No complexo sistema de registro e fiscalização, a carga parecia “renascer” com novos atores e em um novo contexto, mesmo sem que uma única gota do combustível fosse movida ou transferida entre os tanques do navio. Essa “quebra” era essencial para a etapa seguinte da fraude, conferindo uma falsa nova origem à mercadoria.
- **Reclassificar e Redirecionar:** A manipulação documental preparava o terreno para que a mesma mercadoria adentrasse o estado do Rio de Janeiro com uma nova roupagem fiscal, isto é, com documentos atualizados que propiciavam uma tributação artificialmente reduzida, consolidando a sonegação que era o cerne desta fraude fiscal transoceânica e o desvio de valores substanciais em impostos devidos.
O Alerta da Fiscalização
Antes mesmo da chegada do cargueiro ao Sudeste, o sistema de cruzamento de dados fiscais NIS-SERPRO (que analisa Declarações de Importação, Notas Fiscais Eletrônicas e outros eventos fiscais) já havia emitido um alerta crucial. Foi identificado que a Nota Fiscal Eletrônica emitida originalmente em Maceió já constava como uma “venda futura” com a refinaria Refit (situada em Manguinhos, RJ) como destinatária final. Este achado foi um claro indicativo de que o destino econômico real da carga já estava predeterminado muito antes da aparente rota do Madelyn Grace. A escala em Maceió serviu, portanto, puramente como uma escala fiscal para “montar” a documentação fraudulenta, sem que houvesse qualquer intenção de descarga física dos produtos ali. Esta inconsistência evidenciou a intencionalidade da manipulação desde o princípio.
Em suma, enquanto no mapa a trajetória do cargueiro MT Madelyn Grace poderia parecer incoerente ou errática, no papel, ela foi meticulosamente desenhada para criar a ilusão de legalidade e maximizar a elusão fiscal. Foi essa engenhosidade burocrática que permitiu que gasolina de alta qualidade e de alta tributação fosse convertida, em documentos, em “nafta” de conveniência. A diferença resultante dessa adulteração documental representa dezenas de milhões de dólares sonegados em uma única viagem, consolidando o caráter transnacional e complexo dessa fraude fiscal, que se disfarçava sob um véu de burocracia legítima.
Autoridades fiscais ao redor do mundo têm se debruçado sobre a crescente sofisticação de esquemas como a fraude fiscal transoceânica aqui detalhada. A Receita Federal do Brasil, por exemplo, dispõe de ferramentas e regulamentos robustos para combater a sonegação e o contrabando de combustíveis, essenciais para a saúde financeira do país. Acesse aqui informações sobre a tributação de produtos industrializados e entenda mais sobre a legislação brasileira pertinente. É fundamental que as empresas e os cidadãos estejam cientes das normas para evitar qualquer tipo de irregularidade e garantir a integridade do mercado.
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Este elaborado esquema ilustra a contínua batalha das autoridades para desvendar e coibir práticas de fraude fiscal que impactam a arrecadação pública. O caso do Madelyn Grace serve como um lembrete contundente da vigilância necessária na importação de mercadorias e na verificação de toda a cadeia logística. Para mais análises aprofundadas sobre economia, fiscalização e as recentes movimentações do mercado brasileiro, continue acompanhando nossa editoria de Economia em nosso portal e mantenha-se informado sobre os fatos que moldam o cenário nacional e global.
Crédito da imagem: Divulgação UOL
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