A 80ª Assembleia Geral da ONU, o principal fórum deliberativo das Nações Unidas, teve início em 9 de setembro, marcando um período crítico na diplomacia mundial. A edição deste ano congrega delegações dos 193 Estados-membros, garantindo representação equitativa por meio da base de “um Estado, um voto”. Em meio a um cenário global marcado por conflitos e disputas comerciais, o encontro oferece aos seus membros uma plataforma vital para se manifestarem sobre os desafios internacionais.
A partir de 23 de setembro, as discussões se intensificam com o início do Debate Geral, onde representantes de alto nível dos países, incluindo chefes de governo, apresentam seus pronunciamentos na sede da organização, localizada em Nova York. Tradicionalmente, é um representante brasileiro quem tem a responsabilidade de abrir este ciclo de debates. A relevância desta Assembleia é amplificada por ser o único fórum das Nações Unidas onde todos os países possuem poder de voto igualitário nas resoluções, diferentemente de outros órgãos como o Conselho de Segurança. Contudo, muitas dessas resoluções, embora expressivas do posicionamento formal dos Estados, não possuem caráter vinculante.
80ª Assembleia Geral da ONU: Debate global sob tensão
A agenda da Assembleia Geral abrange uma vasta gama de tópicos a cada edição, tocando em áreas cruciais como questões políticas, econômicas, sociais, ambientais e de segurança global. Além das sessões principais, o evento é palco para cúpulas e discussões independentes que se debruçam sobre temas prementes, como a crise climática, o estado da economia global e a avaliação dos progressos alcançados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela ONU em 2015 como uma diretriz para erradicar a pobreza e preservar o planeta. Para o Brasil, a agenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contempla reuniões sobre os territórios palestinos e encontros preparatórios para a 30ª Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), agendada para ocorrer em Belém, no mês de novembro. Outro ponto relevante deste ano é o lançamento de um novo diálogo sobre a governança internacional da inteligência artificial, dada a sua crescente importância e impacto global.
Contexto de Pressões e Conflitos Globais
Embora o objetivo primordial da Assembleia Geral seja fomentar o consenso entre os Estados-membros, o encontro sempre reflete as dinâmicas dos assuntos globais contemporâneos. A sessão atual transcorre em um ambiente de acirramento de conflitos em andamento, como a guerra na Ucrânia e a ofensiva israelense em Gaza, além de um crescimento acentuado do protecionismo e da guerra comercial, amplamente impulsionada pelos Estados Unidos. Edições recentes também foram observadas em um contexto de retrocessos democráticos em várias regiões do globo, o que, conforme apontou Diana Panke, professora de Relações Internacionais da Universidade Livre de Berlim, torna a dinâmica dos debates “mais difícil e desafiadora”.
As complexas relações internacionais e as mudanças nas dinâmicas de poder global, como a ascensão da China e a expansão de sua iniciativa “Nova Rota da Seda” que atrai um número crescente de aliados, são fatores que influenciam diretamente os procedimentos e a formulação final das resoluções. A postura cada vez mais retraída dos EUA em relação a organismos internacionais também emerge como um fator influente. Neste ano, as tensões foram evidentes já em agosto, quando o governo americano impôs um veto à concessão de vistos para representantes da Autoridade Palestina, que pretendiam participar do encontro.
A Presidência da Assembleia Geral
Anualmente, um novo presidente para os trabalhos da Assembleia Geral da ONU é eleito, alternando entre os cinco grupos geográficos representados no órgão. A função do presidente é fundamental para o bom andamento da sessão, sendo responsável por iniciar e encerrar os debates, além de facilitar as discussões e controlar o tempo de fala de cada nação. A atual presidente da 80ª sessão é a ex-ministra do Exterior da Alemanha, Annalena Baerbock.
O Papel Histórico e Estratégico do Brasil no Debate Geral
Entre os momentos de maior destaque da Assembleia Geral, o Debate Geral proporciona uma plataforma crucial para todos os 193 membros se manifestarem perante a comunidade internacional. A 80ª edição adota como tema “Melhor Juntos: 80 anos e mais para paz, desenvolvimento e direitos humanos”. Os discursos dos chefes de estado e governo serão iniciados na terça-feira, 23 de setembro, com as discussões estendendo-se até a segunda-feira, 29 de setembro. É uma tradição diplomática que o Brasil inaugure os discursos na Organização das Nações Unidas. Esse costume remonta às primeiras Assembleias Gerais, iniciadas em 1947, quando o país frequentemente se voluntariava a ser o primeiro a se pronunciar.

Imagem: g1.globo.com
Para o Brasil, o momento é percebido como mais delicado do que em anos anteriores. A relação entre Brasília e Washington, que se mostrou mais estável durante a administração de Joe Biden (cujo discurso seguia o de Lula), tem enfrentado deterioração significativa com a posse de Donald Trump nos Estados Unidos. A troca de ataques diretos entre Lula e Trump pela imprensa sublinha essa tensão. O palanque da Assembleia Geral garante uma visibilidade internacional sem precedentes ao representante brasileiro. O pronunciamento do presidente Lula deve ser marcado por um tom pró-soberania, especialmente em resposta às sanções impostas pela Casa Branca e às pressões americanas referentes ao processo que levou à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro. Adicionalmente, o discurso brasileiro é esperado para se contrapor ao do representante americano, que tradicionalmente fala em seguida por ser o país-sede.
Impacto das Resoluções Não Vinculantes
Um aspecto central da Assembleia Geral da ONU reside no fato de que suas resoluções não são vinculantes, ou seja, não obrigam os Estados a adotar ações específicas. Isso significa que um país pode manifestar apoio a todas as resoluções aprovadas, mas optar por não seguir ou implementar os princípios acordados. Um exemplo recente dessa realidade é a resolução amplamente aceita pela constituição de um Estado palestino, aprovada em agosto, mas que ainda carece de efeitos práticos concretos.
A natureza não vinculante das decisões na Assembleia Geral tem sido objeto de críticas quanto à sua eficácia nos últimos anos. Contudo, para Diana Panke, essas resoluções ainda oferecem uma plataforma vital para que as nações externem suas posições e pavimentem o caminho para a construção de acordos mais substanciais e juridicamente vinculantes. “Eles podem iniciar o processo no contexto da Assembleia Geral e, posteriormente, convocar uma Conferência das Partes e aprovar um tratado internacional juridicamente vinculativo”, esclareceu Panke. A especialista também enfatizou o poder normativo das resoluções formadas na cúpula, apesar de sua natureza não vinculante. “Elas estabelecem padrões de adequação pelos quais o público pode responsabilizar os Estados”, ressaltou.
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Em suma, a 80ª Assembleia Geral da ONU reafirma seu papel como palco central para debates sobre os mais prementes desafios globais. Embora suas resoluções muitas vezes careçam de poder vinculante, o fórum permanece essencial para o diálogo, a negociação de posições e o estabelecimento de padrões internacionais. A participação de chefes de Estado, como o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, evidencia a importância deste espaço para a diplomacia e a articulação de interesses nacionais em um contexto de complexidade crescente. Para continuar acompanhando as principais notícias e análises sobre política internacional e temas relevantes, explore nossa editoria de Política.
Crédito da imagem: Reuters/Jeenah Moon e JIM LO SCALZO/POOL/EPA/Shutterstock via BBC
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